quarta-feira, 27 de abril de 2005

SERRA DO CARAMULO

Espigueiro só decorativo CARAMULO: A voz do silêncio por ali se faz ouvir
Quem nasceu e vive com o som do mar a embalar o seu adormecer, e sente, ao acordar, as ondas a espraiarem-se no areal, não pode deixar de sonhar, também, com a silhueta dos picos da serra, que ao longe nos desafia. A primeira vez que fui à serra e à medida que me aproximava dela, os meus olhos de menino pouco viajado ficaram deslumbrados. Senti um não sei quê na alma, um prazer inexplicável que ainda hoje, tantos anos depois, é um mistério no meu espírito. À serra vou sempre que posso e às vezes até juro a mim mesmo que um dia por lá hei-de ficar uns tempos largos, para calcorrear montes e vales, entre vegetação luxuriante ou entre penedos com formas estranhas de figuras fantásticas que enriquecem o imaginário de qualquer um. Ontem fui ao Caramulo à procura desses ares límpidos, alimentados, e de que maneira, pelo verde que tudo enche, ao som de regatos que deslizam do cimo dos montes, por entre pedregulhos que amplificam o cantar da água saltitante que apetece beber a toda a hora. E quando a sede aperta, como apertou depois de um almoço de vitela assada que só por ali tem um sabor como em nenhuma outra parte, então foi um regalo beber uns bons copos de água de fonte natural, recebida em bilha de barro vermelho que a tornou mais fresca. Campo de Besteiros, São Tiago de Besteiros, Guardão, Janardo, Pedronhe e Cabeço da Neve foram alguns recantos da Serra do Caramulo, que uma vez mais pude contemplar em dia partilhado com amigos que não esconderam o sortilégio que estas terras transmitem a todos os que chegam. Ruas e estradas amplas ao lado de ruelas empedradas que lembram tempos ancestrais, histórias de lutas travadas entre íncolas serranos e povos invasores, casario a cair de podre porque gente teve de emigrar, habitações com sinais de quem regressou à terra depois de muito trabalhar e de lutar na estranja, sanatórios abandonados porque os tuberculosos já se curam em casa, sem a ajuda dos ares puros da serra, de tudo um pouco se foi fixando na retina dos meus olhos, que nunca se cansaram de apreciar de miradouros naturais a paisagem a perder de vista. Para os contemplativos, a Serra do Caramulo é uma bênção de Deus. Ali, longe dos habituais horizontes, sinto que a beleza não adulterada pelo mau gosto, em muitíssimos recantos, oferece a quem a visita a imagem do divino, que o céu contempla e abençoa com nuvens que baptizam aspergindo tudo e todos. A voz do silêncio que tantas vezes se fez ouvir, aqui e ali perturbada pela cantilena da água que descia apressada do cimo dos montes, à cata de gente que a saboreasse, ainda mais me convidava a cultivar a necessidade de voltar. O que farei sempre que puder, para encher os pulmões de ares puros e os pensamentos do aconchego do bem e do belo. Fernando Martins

1 comentário:

  1. Bem como este post já tem uns anos.
    Olhe reconheci esta foto, isto é em Pedronhe, Restaurante Nascer do Sol, eu vivo em Pedronhe.
    Tem de cá passar mais vezes...

    Abraço
    Rui Fernandes

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