sexta-feira, 27 de julho de 2007

Os meus contos

A TITA


Estar no quintal, em dias de sol ou de chuva, é um dos prazeres que cultivo, como quem cultiva uma flor para desabrochar na Primavera. Olhar as árvores na hibernação, ver as plantas que nascem sem que alguém as tenha semeado, cheirar o verde ora viçoso ora mortiço da vegetação espontânea, experimentar o prazer de deitar a semente à terra e de ver as novidades, mais tarde, ferirem a crosta areenta e estrumada, tudo isto me encanta. 
Numa dessas tardes em que a contemplação me deixava voar ao sabor da maré que os ventos envolviam, a Tita surgiu apressada, como quem deseja chegar o mais depressa possível à meta que o seu instinto alimenta desde que nasceu. Passa por mim ostentando uma alegria inusitada e corre, corre, sem aparente explicação. Depois cheira tudo, em busca não sei de quê. Dou comigo a pensar que isso já nasceu com ela. Chama o companheiro Tótti, grita mesmo por ele, em jeito de quem quer alguém com quem possa partilhar a alegria de uma liberdade conquistada. Tótti dá-lhe o gosto e corre também, mas a Tita, logo depois, volta ao seu prazer de procurar. 

Ares do Verão

Costa Nova, com velas à vista



VERÃO UM POUCO TRISTE, MAS...
:
O Verão ainda não chegou verdadeiramente... Há muito vento e o calor, aquele calor que nos obriga a procurar o fresco das sombras ou da brisa da ria ou do mar, ainda não se dignou aparecer com aquela força que gostaríamos. De qualquer forma, sabe sempre bem estar ali ao lado da laguna que enche os nossos sonhos. E se houver velas ao vento, tanto melhor...
Boas férias de Verão para todos, mesmo que sem muito calor.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 34

O MORTO QUE MATOU O VIVO
Caríssima/o:
Há outro grupo de imigrantes que demandou a Gafanha e que terei de mencionar: o de S. Pedro do Sul; e não só pelo seu número mas ainda mais por um dos seus membros ter passado para a minha Família. Rabuscando a lenda, contudo aconteceu o inesperado e “o morto que matou o vivo” fez-me reapreciar a figura bondosa e cativante de um Amigo que todos os sábados me entrava pelo portão do quintal e me trazia uma estória nova. Foi da sua boca que ouvi pela primeira vez este retrato do nosso povo. E como ria e nos fazia rir o bom do Padre António Nédio! Vamos então partilhá-la e dedicá-la a todos os Antónios que se têm cruzado nos caminhos por mim trilhados. Se quiserem podem não ler as outras duas.
1. «Lá para Covas do Rio, a cinco léguas de S. Pedro do Sul, conta-se a lenda do morto que matou o vivo. Dizem que foi entre a aldeia da Pena, que na altura ainda não tinha cemitério, e a aldeia de Covas, que o tinha. E o trajecto era forçosamente feito a pé, em que havia quatro homens para o transporte da urna. Pois a dada altura, conta o povo, um dos homens de trás, lá escorregou ou coisa assim, e os outros não seguraram tão bem e o caixão caiu-lhe em cima, matando-o! Foi assim que o morto matou o vivo, dizem por lá... 2. Pois bem, neste concelho fica a Serra de S. Macário, cujo cimo sobe a mil metros. Pois conta a lenda que «Macário era caçador e, num dia de caça, acompanhado de seu pai, pensando que arqueava a flecha contra um javali, feriu mortalmente o pai. Em desespero, correu de um lado para o outro o sucedido, mas sem nunca ter coragem de voltar a casa. Daí em diante viveu sempre na Serra, em isolamento, sobrevivendo de esmolas e penitenciando-se pelo seu erro. Um dia pediu a alguém que lhe desse um montinho de brasas para fazer uma fogueira. Obtendo a graça do seu benfeitor, pegou as brasas com as mãos sem se queimar, ficando desde aí com o nome de santo. Morreu e viveu nesta serra junto à capela onde ainda hoje muitas pessoas o veneram. Em seu nome é feita uma festa anual que ocorre no último domingo de Julho.» 3. Desde que foi feita a Ponte do Cunhedo sobre o Vouga, é muito simples a passagem do rio, não importa a estação do ano. Porém, esta lenda passa-se – se é verdade que as lendas se passam fora da cabeça das pessoas - quando ainda não havia tal passagem, embora o convento de S. Cristóvão já lá estivesse. Bem, e estamos numa bela manhã de Junho, acompanhando a jornada do frade superior dessa pequena comunidade religiosa. Na sua bela égua Estrela, o frade acompanha a margem direita do Vouga. Vai devagar, gostava daquele longo passeio que lhe proporcionara uma visita pastoral. Umas roupas aqui, um dinheirito ali, boas palavras além, conhecia bem aqueles descaminhos, mas também se confiava ao instinto do animal. Dera uma boa volta e regressava satisfeito. Mas o tempo é que estava a mudar de aspecto conforme entravam nas negruras da noite. A égua era fina e o cavaleiro dava-lhe rédea solta, para lhe evitar constrangimento, mas ela parara e acenara com a cabeça, como a dizer ao frade que se segurasse bem porque o pior ainda estava para vir. E o pior eram as poldras, que ela soube atravessar com extremo cuidado. E daí a pouco o frade estava no convento, quase sem dar por isso. Nessa noite, ele soube que, apesar de tudo, passara por milagre o Rio Vouga. Não era só a sabedoria da Estrela a salvá-lo, e no dia seguinte voltou ao sítio das poldras e, desmontando, ficou estarrecido, vendo claramente o perigo por que passara. Eram tamanhos os estragos que a tempestade da véspera fizera! De repente, sentiu um frémito percorrer-lhe o corpo, encostou-se ao pescoço da égua e apercebeu-se que o rio já não era o Vouga, mas outro, muito mais longo e profundo. Já apoiado numa árvore, cadáver há já umas horas, aí o foram encontrar outros seus irmãos que o procuravam...» [V. M., pg. 242]
Manuel

Um artigo de António Rego

FÉRIAS EM FILOSOFIA
A vida são dois dias, o Carnaval, três. Diz-se a brincar, como um hábil jogo de palavras e números, como se nada, de facto, se quisesse dizer. Estes três dias acabam por ter algo de religioso. Três dias de festa estridente que precedem a quarentena de cinzas e penitência. Ou a alusão aos três dias de Paixão de Cristo que terminaram na Ressurreição. Ou escondendo ainda um outro conceito: a vida dura pouco, menos que um divertimento de Carnaval e por isso não vale a pena perder tempo com o que não é aprazível. Indo mais fundo parece insinuar-se uma filosofia de vida retintamente epicurista que valoriza antes e acima de tudo o prazer. As viagens ideológicas demoram o seu tempo e as mudanças, por muito velozes que pareçam, operam-se com leis rígidas que não permitem que a história evolua aos saltos. Entremos um pouco mais no concreto. Vivemos uma sociedade de progresso, trabalho, produção, eficácia, rendimento. Mesmo com o apoio da técnica e da tecnologia, nunca o homem pode dizer que o seu tempo de vida é de lazer, como aconteceria a Adão, não fora o pecado original. Mas o facto é que o conceito de Carnaval como divertimento de choque, excitação, entretenimento esgotante, vai-se estendendo a outras áreas. O repouso já não é o que era. E para muitos, o próprio tempo de férias constitui uma multiplicação – um compacto, como ora se diz – de entretenimentos que se escolhem como em carta de vinhos e se consomem até à embriaguês. Umberto Eco fala mesmo da carnavalização da vida face aos espectáculos constantes que as pessoas procuram, nomeadamente através dos media que são os agentes deste divertimento non stop quer de informação quer de ficção. Aparte outros considerandos parece urgente rever a concepção de repouso, divertimento, festa, corte do trabalho quotidiano (quantas vezes o fim de semana é concebido como tempo de orgia!). Com tudo isso, há valores recônditos que não afloram nos tempos comuns de trabalho e rotina. Há pausas, silêncios, escutas, olhares que só se descobrem num certo despojamento de alma. Será por isso bom que as férias se não transformem em repetição programática do mesmo. Se assim for, semana após o recomeço do trabalho estarão praticamente gastas.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Um livro de Hélder Ramos


"AO PÉ DAS PALAVRAS"


No próximo sábado, 28 de Julho, pelas 18.30 horas, na Gafanha da Nazaré, no Navio-Museu Santo André, vai ser apresentado um livro de poesia de Hélder Ramos, com prefácio de João Alberto Roque, ambos gafanhões. “Ao pé das palavras”, assim se chama a obra, vai, por certo, merecer a atenção não apenas dos amantes da poesia, mas, fundamentalmente, de todos os que gostam da arte de bem escrever.
Hélder Ramos começou muito jovem a escrever poesia, sou eu disso testemunha, pois me recordo bem de o ter ajudado a publicar alguns poemas numa revista (Boletim Cultural da Gafanha da Nazaré) de que apenas foram editados três números. A Gafanha da Nazaré, terra de poetas e de outros cultores das artes literárias, mas também de artistas de várias correntes estéticas, bem merecia uma publicação periódica, se, para tanto, houvesse coragem de avançar com ela, para bem do enriquecimento cultural dos gafanhões e dos que assumiram esta terra como sua.
Hélder Ramos, agraciado com vários prémios literários, a par de uma carreira docente e de uma variada intervenção cultural a diversos níveis, merece o carinho da nossa gente e o apoio de quantos, sobretudo instituições vocacionadas para a cultura, acreditam que as artes, tornando o mundo mais belo, são sempre uma mais-valia para a formação integral dos homens e mulheres que apostam numa sociedade mais humana e mais fraterna.
Os meus parabéns ao Hélder, com votos de longa carreira no domínio da poesia, mas não só.

F.M.


APERITIVO: Aqui ficam, como aperitivo,
quatro poemas do livro de Hélder Ramos
::




PARA LÁ DOS TELHADOS

Para lá dos telhados
Somem-se fumos de montanha
A acariciar
O céu sem limite
De onde vem
A tua música
Que ouço
E prende
Ao mundo
A alma
Que enleva
Na distância
Os sentidos

OPÇÃO

É à noite que segredas
Existirem sombras
Na essência dos vultos
Onde, suspensos,
Os jardins de águas tristes
Se aquietam
Como fábricas de esperanças
Programadas...
Depois, no rumor
Luminoso de um novo dia
Inocente,
Abre as asas em glória
E não digas mais nada;
- Faz como quem aprende
A abrir sendas de vitória
Ou sê a sombra na estrada.

EVOCAÇÃO I


Não foi o vento
Que pediu que partisse
Sem destino
Nem o mar
Me prendeu
Com os seus brilhos
Foi a saudade
Dos teus olhos
Pronta
Em acenos
De ânimo
E mistérios
Sem conta

O VÍCIO DO MAR


Tens nos teus olhos
O vício do mar
Que me chama
Em cada onda
A rolar
Inquieta;
Desejosa
Do fulgor
De cada imagem:
Palavra
Ansiosa
Por saber
E sei que és
Essa força
Solene
A renascer
Que habita
Um poema
Por conhecer

Museu Marítimo de Ílhavo

Monumento ao Homem do Mar. À esquerda está o Museu de Ílhavo

EXPOSIÇÃO: A DIÁSPORA DOS ÍLHAVOS

No próximo dia 8 de Agosto, o Museu Marítimo de Ílhavo comemora 70 anos de vida. Para recordar e celebrar essa efeméride vai haver festa, com um programa que durará 70 horas.
Os ílhavos vão poder apreciar exposições, música, teatro, poesia, cinema, visitas guiadas e dança contemporânea. Mas ainda poderão saborear a rica gastronomia da região.
Diz o Diário de Aveiro que Álvaro Garrido, director do Museu, “destaca a exposição «A Diáspora dos Ílhavos», uma narrativa ancorada numa investigação inédita que versa um dos principais imaginários da história local, mitos e realidades. Desde a segunda metade do século XVIII, os ilhavenses fizeram um movimento migratório ao longo da costa continental portuguesa motivado por factores, como a sazonalidade da pesca, o assoreamento da Ria de Aveiro e a escassez de outros recursos económicos.
Esta exposição compõe-se de discursos vários, de onde ressalta uma peça proveniente do British Museum e que se crê ser do «barco de mar» característico das artes da costa de Aveiro e muito usado pelos ílhavos nos seus movimentos migratórios do litoral português.
«A diáspora dos Ílhavos» vai estar patente ao público na Sala de Exposições Temporárias”.

FIGUEIRA DA FOZ: História na cidade



TEATRO PRÍNCIPE D. CARLOS

Passear por qualquer povoação, desde a mais humilde aldeia até à mais sonante e cosmopolita cidade, exige de nós uma atenção especial, para descortinarmos sinais ou vestígios da história local e até nacional.
Há dias vi, na Figueira da Foz, um símbolo do que digo: Uma lápida, perto da Câmara Municipal, recordava um edifício e acontecimentos a ele ligados. Diz assim:



Memória

Neste local esteve edificado o
TEATRO PRÍNCIPE D. CARLOS

Inaugurado em 8 de Agosto de 1874, sede do Ginásio Clube Figueirense desde 1896 até 25 de Fevereiro de 1914, data em que foi destruído por um incêndio.

Erigido pelo Ginásio Clube Figueirense
em 28 de Fevereiro de 2000

Aprender até morrer

Texto de D. António Marcelino

Li, com interesse e sem especiais preconceitos, a entrevista de José Saramago ao DN (5.7.2007). Deixo a outros, que já começaram a fazer os seus comentários e vão continuar por certo, os aspectos opináveis de ordem nacional e política, para me fixar apenas nos religiosos, a que dogmaticamente o escritor se referiu.
As suas palavras e opiniões não constituem novidade, uma vez que José Saramago, pelo menos em determinados assuntos, nunca reviu nem actualizou a tradicional cassete, esquecendo, não sei se de propósito, por inércia ou por acinte, que também neste campo, sem mudar o essencial da fé cristã, muitas coisas mudaram.
Actualizar conceitos, aprofundar conhecimentos, rever critérios de discernimento crítico é próprio de pessoas intelectualmente honestas, que, enquanto vivas, não dão por completado, em nenhum aspecto, o seu saber. Um Prémio Nobel, qualquer que seja o campo em que foi galardoado, não é, por esse motivo, um poço sem fundo nem de ciência e, muito menos, de sabedoria, em todos os ramos da cultura. Nesse logro correu há séculos um “sábio”, Pico de Mirandola, quando se afirmou detentor de todo o saber humano de então.

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Um poema de Antero de Quental





À VIRGEM SANTÍSSIMA

Num sonho todo feito de incerteza
De nocturna e indizível ansiedade,
É que eu vi teu olhar de piedade
E (mais que piedade) de tristeza…

Não era o vulgar brilho da beleza,
Nem o ardor banal da mocidade,
Era outra luz, era outra suavidade
Que até nem sei se as há na natureza…

Um místico sofrer… uma ventura
Feita só do perdão, só da ternura
E da paz da nossa hora derradeira…

Ó visão, visão triste e piedosa!
Fita-me assim calada, assim chorosa…
E deixa-me sonhar a vida inteira!


In SONETOS,
da colecção Clássicos da Língua Portuguesa,
nº 1, da editora Ulmeiro.

NOTA: A Leitura, em férias, de “Antero ou a Noite Intacta”, de Eduardo Lourenço, livro editado em Maio deste ano, suscitou-me a releitura dos Sonetos de Antero de Quental, obra maior da nossa literatura. A edição é de 1985 e tem prefácio de Nuno Júdice, de grande actualidade, mas ainda é oferecido ao leitor um outro prefácio de Oliveira Martins, grande amigo do poeta e do pensador, em cuja casa estava sempre pronta a cama e a mesa para o receber.
Diz Oliveira Martins: “Estou certo, absolutamente certo, de que este livro, embora sem eco no espírito vulgar que faz reputação e dá popularidade, há-de encontrar um acolhimento amoroso em todas as almas de eleição, e durar enquanto houver corações aflitos, e enquanto se falar a língua portuguesa.”
Penso que ainda dura esse acolhimento por parte de muitos portugueses com sensibilidade para as artes. Eu próprio me encontro nesse rol. Em férias, sobretudo, gosto de reler os clássicos e quantos me tocam mais intimamente. Por isso, aqui fica esta minha sugestão para os que podem gozar férias neste ano de 2007.
Só mais uma achega: O poema que relembro aos meus leitores, dedicado à Virgem Santíssima, não significa que Antero tenha professado o catolicismo ou até o cristianismo, embora tenha sido influenciado pelos seus valores, que bem conhecia. Aliás, isso acontece com muito boa gente dos nossos quotidianos.

F.M.

Cultura da Vida

COMUNICAÇÃO SOCIAL
DEVE DEDICAR TANTO ESPAÇO
À DEFESA DA VIDA
COMO O QUE DEDICA AO ABORTO 


A propósito da declaração do Presidente do Governo Regional da Madeira, Alberto João Jardim, de que a legislação sobre o aborto não seria aplicada naquela região autónoma, o Presidente da República, Cavaco Silva, adiantou que, “quando a legislação não é aplicada, os cidadãos podem recorrer a instâncias próprias, ao sistema de justiça”. 
Às destemperadas afirmações do Presidente madeirense costumam os governantes nacionais responder com um silêncio cúmplice e inquietante. Tanto os ligados ao PS como ao seu próprio partido, o PSD.
Do mesmo modo se têm comportado os Presidentes da República, que lhe têm tolerado, ao longo dos anos, as ameaças, as pressões, as indelicadezas e as bizarrias. 
Alberto João Jardim diz o que quer e o que lhe apetece, muitas vezes dando a entender que a Madeira saberá escolher o seu caminho, se continuar a ser prejudicada pelos políticos do continente. Embora não se canse de dizer que é português, e é-o de facto, a verdade é que as suas ameaças como que querem insinuar que o caminho da região que lidera poderá ser o da independência. 
O constitucionalista Vital Moreira critica, porém, Cavaco Silva, alegando que o comentário do Presidente da República “não quadra com as suas responsabilidades constitucionais, pois é evidente a gravidade política de uma situação em que uma lei da República não é respeitada numa parte do território nacional por deliberado desafio à autoridade da República, de que ele é o máximo representante”. 
Embora reconheça o muito que Alberto João Jardim fez, a nível de obras de alguma forma importantes, continuando níveis de pobreza pela ilha, não gosto da forma desbocada como vive a política, com ameaças e chantagens chocantes. As instâncias nacionais, com frontalidade, deveriam, a meu ver, tentar resolver a questão pelas vias competentes. 
Como acontece agora com o conselho do Presidente da República, indo mais além, se para isso houver coragem, por intervenção, em especial, da Assembleia da República. Na mesma altura da indicação do caminho da justiça para a resolução dos conflitos, no que diz respeito à aplicação das leis nacionais nas regiões autónomas, Cavaco Silva ainda se congratulou com as medidas do Governo para apoiar a natalidade, lembrando, com muita oportunidade, que o que está em causa é o futuro de Portugal. E disse mais: “Eu espero que a comunicação social comece a dedicar mais espaço à defesa da vida e ao estímulo à natalidade do que tem feito até agora ou, pelo menos, que dedique tanto quanto tem dedicado à interrupção da gravidez.” Também me parece. 

F.M.

Natalidade em Portugal

DAR MAIS SUBSÍDIOS
NÃO RESOLVE O PROBLEMA Depois das políticas abortistas, vieram as políticas de apoio às famílias carenciadas e com mais filhos. Não sei se isto aconteceu pelos protestos dos que condenaram o aborto e defenderam políticas de apoio à vida, mas tudo indica que sim. Talvez, também, por influências de uma medida do Governo espanhol, que avançou, recentemente, com um “prémio” de 2500 euros pelo nascimento de cada bebé na vizinha Espanha, e pelo anúncio da quebra assustadora da natalidade em Portugal. O nosso País é já o que tem, na UE, excluindo os países do alargamento, o número de filhos por mulher com idade fértil mais baixo. Temos, em 2007, menos um terço de nascimentos do que tínhamos na década de 80 do século passado. Normalmente, diz-se que a baixa natalidade se deve a dificuldades económicas, mas, pelos vistos, não será tanto assim, até porque as famílias pobres são as mais numerosas, como têm sublinhado alguns entendidos. De qualquer forma, os apoios do Governo ao nível de subsídios e de abonos de família para os agregados familiares com mais filhos são bem-vindos. Mas, afinal, não serão a resposta ideal, como lembra o sociólogo Manuel Villaverde Cabral. Afirma ele:
“As famílias carenciadas, seja lá o que isso signifique para o PM [primeiro-ministro] são as que mais filhos têm. Se ele quisesse fazer algo de sério, e não mera propaganda, para restaurar a natalidade em Portugal, teria de orientar as políticas familistas à classe média e média-alta, onde as mulheres cortaram radicalmente no número de filhos (embora digam nas sondagens que gostavam de ter mais) por motivos de carreira, instabilidade conjugal, falta de protecção jurídica em caso de divórcio e até algum ‘egoísmo’, além da falta de empregos em part-time e de apoios acessíveis e com qualidade aos pais e às crianças. Dar mais dinheiro não serve para nada a não ser para os muito pobres, que, repito, são os que mais filhos têm!”
Trata-se de uma assunto que tem merecido, e deve continuar a merecer, alguma reflexão, até porque, por este andar, qualquer dia nem sequer temos gente para ocupar o território nacional e muito menos para garantir a sustentabilidade económica da Segurança Social. É que, como todos sabemos, Portugal já é o país mais envelhecido da UE. Isso é bom porque a esperança de vida está a subir, mas também é uma situação que exige mais dinheiro para quem merece viver os últimos anos de vida com dignidade.
Fernando Martins

Um artigo de Anselmo Borges, no DN

SER É SER EM RELAÇÃO
Apergunta fundamental - aquela pergunta que, segundo Aristóteles, desde sempre se ergueu, que ainda hoje se ergue e que sempre se há-de erguer, na perplexidade - é esta: o que é o ser na sua ultimidade?
Para ele, o ser diz-se de muitos modos. Aparecem então as categorias, que são os modos fundamentais do ser e da predicação. São dez: a substância e os nove acidentes - qualidade, quantidade, relação, lugar, tempo, situação, posse, acção, paixão.
Neste enquadramento, a categoria da relação, tradicionalmente, acabou por não ter espessura. Havia cada ser constituído, que, num momento segundo, tinha uma relação (por exemplo, alguém era pai ou mãe).
Assim, classicamente, definiu-se a pessoa como "substância individual de natureza racional" (Boécio) e "existência incomunicável de natureza intelectual" (Ricardo de S. Victor). A definição de Boécio ignorava a relação. A modernidade também afirmou o indivíduo - de individuum, indiviso - pondo-se a si mesmo: é o famoso "penso, logo existo", de Descartes.
Mas, na realidade, ser e ser em relação identificam-se. À partida, cada ser humano é o resultado de uma relação entre um homem e uma mulher, pai e mãe. E fazemo-nos - vamo-nos fazendo - na relação, de tal modo que não começamos por ter consciência do eu, mas do tu, em princípio, do tu da mãe. Aliás, eu e tu e nós só em relação existem e fazem sentido. Retiremos todas as nossas relações na reciprocidade - com os pais, os filhos, os irmãos, marido e mulher, namorados, professores, estudantes, empresários, trabalhadores, colegas, nacionais, estrangeiros, com a natureza, com o passado, o futuro, a história, a divindade - e o que é que fica?
É isso. Estamos em relação recíproca com a natureza: é por ela que vivemos - respiramos, alimentamo-nos - e intervimos nela - é transformando-a que nos transformamos. Somos em relação com todo o passado e futuro, e assim chega a nós toda a história da(s) cultura(s), que nos faz, desfaz e refaz - o que seríamos sem Platão e Euclides e Buda e Jesus e os romanos e os persas e os árabes e os indianos e os ameríndios?
Há aquela ideia de que encerrando-nos em nós é que nos encontramos. Não nego - pelo contrário - a importância da solidão. Não se trata, porém, da solidão narcísica e morta, mas daquela solidão habitada, para meditar, de tal modo que o encontro com os outros seja rico e fecundo. De facto, quem se fecha egoisticamente dentro de si estiola e morre - não é verdade que quem caiu em depressão não quer ver ninguém?
Tudo está em relação e conexão com tudo e quanto mais abertura mais intimidade e ascensão na gradação do ser. As pedras - os seres inanimados - também estão em relação, porque são na comunidade do que é. As plantas, essas já vão à procura do sol, da luz e de alimento - como se estendem as raízes por debaixo dos caminhos à procura de água! - e, por isso, são vivas. Os animais deslocam-se daqui para ali e para longe em busca de fêmea ou de macho ou de alimento ou clima favorável. Estão, portanto, em maior relação e, por isso, já há neles vários tipos de consciência. O Homem, esse é abertura máxima, abertura à totalidade, que inclui o real e o possível.
Precisamente porque é abertura à totalidade do ser e à Transcendência, cada ser humano é dado a si mesmo como eu único, como intimidade suma, segundo a lei paradoxal do quanto mais fora mais dentro. O Homem é pessoa, porque, ao ser coextensivo à totalidade, é dado a si como identidade única: a pessoa, precisamente na sua abertura à totalidade e ao Infinito, é única e incomunicável.
A arte de viver bem e ser feliz deriva de e implica relações vivas e sãs com a realidade toda, a começar pelos mais próximos - dados recentes mostram que é essencial para a felicidade a vinculação à família e aos amigos.
O filósofo Raimon Panikkar disse-o numa palavra complexa, mas verdadeira, referindo-se à religião do futuro: será cosmoteândrica, isto é, tem de integrar as três dimensões interpenetradas da realidade - cósmica, divina e antropológica.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

José Saramago terá razão?

A IBÉRIA 
 
 “Portugal acabará por integrar-se na Espanha... num país chamado Ibéria.” Esta foi a ideia bombástica proclamada pelo Nobel da Literatura José Saramago, há anos a residir em Lanzarote, uma ilha do país vizinho. Em resposta, não faltaram palavras e escritos de indignação, por se considerar tal afirmação como antipatriota e até irrealista. Confesso que não vou por aí. 
Portugal, há nove séculos, nem sequer existia e quando nasceu, presumivelmente em 1143, não era nenhuma nação, conceito que talvez nem existisse. O que havia, muito simplesmente, era interesses económicos e de poder de uns tantos senhores de Ribadouro, que gostavam de zelar pelo que era seu, sempre com ânsias de aumentar o seu poderio. 

Os meus contos

MARIA DO CÉU


Com os anos a pesarem, a varredora arrasta-se no seu labor mecanizado na busca das folhas caídas do arvoredo. Empregada da empresa encarregada do asseio citadino, vejo-a com frequência da esplanada do bar onde matinalmente costumo saborear o café, de mistura com o ar puro que o parque me oferece. 
A mulher deambula de um lado para o outro indiferente aos olhares de quem está ou passa. Baixa-se com dificuldade, puxa com as poucas forças que lhe restam o saco preto de plástico semicheio de lixo, ergue-o a custo para o despejar no carro de mão e volta à cata de mais folhas, mas também de papéis atirados para o chão por gente graúda e miúda que corre apressada, sem cuidar de saber das recomendações que periodicamente se badalam para haver respeito pelo ambiente, que é propriedade de todos. De quando em vez, o capataz lá aparece para dar as suas ordens: 
– Olhe ali; quero isto limpinho como um brinco; não quero queixas de quem paga! 
Maria do Céu, assim se chama a mulher que me prende a atenção e me desperta os sentimentos nascidos à sombra de quem sofre e luta, obedece apressada sem mostrar enfado, num gesto maquinal de quem está habituada a cumprir ordens. 
De rosto cansado por vida agreste, os seus olhos claros e expressivos não escondem uma beleza que teima em se manter viva. Já reformada da indústria conserveira, continua a trabalhar porque tem de ser. Porque a sua reforma e a do marido, incapacitado por doença degenerativa, não dão para sobreviver. 
A renda de casa, a alimentação modesta e os medicamentos do dia-a-dia levam todo o dinheiro que chega no fim de cada mês. Os dois filhos, casados e com encargos familiares, não descobrem hipóteses de os ajudar, embora sintam ser sua obrigação olhar por quem lhes deu o ser e a educação.
Maria do Céu sabe disso e até já tem conversado com o marido, o Zé Morgado, lamentando a sina de quem nasce pobre. Com fracos ordenados, pouco puderam dar aos filhos para singrarem na vida, para além da arte da pesca costeira, que ambos assumem com alguma vaidade. Não são eles lobos-do-mar? O que ganham, porém, mal dá para educar os rebentos que vão crescendo e para o dia-a-dia, sem grandes aventuras. 
A meio da manhã, sol forte de Verão a convidar ao descanso, apenas por uns minutos, a varredora senta-se à sombra de uma árvore enorme, com décadas de existência a enfrentar as ventanias que assolam a região, em qualquer época do ano. 
De um saco de plástico com asas, dos que são oferecidos nas compras, sejam ricas ou triviais, tira uma sandes de qualquer coisa, que a distância não deixa perceber, e come, mastigando serenamente, como quem deseja perpetuar o tempo ali sentada. 
Maria do Céu não consegue esquecer o seu Zé. Agora lembra-se de como seria bom estar junto dele, apesar de a doença o levar a ficar cada vez mais rezingão. Protesta por isto ou por aquilo, mas logo a seguir dirige olhares de ternura para quem o acompanha, com muito amor, há mais de 40 anos. 
Os dois são um casal feliz, apesar das agruras da vida, desde o dia inesquecível do seu casamento na igreja matriz, onde juraram amor e fidelidade até à morte. Jovens, olharam para o futuro com esperança, alimentando sonhos que se foram multiplicando, ao mesmo tempo que muitos deles se esboroaram. Sem angústia, aceitam a pouca sorte que os acompanha, habituando-se a viver com o pouco que vão tendo. Ao bater do meio-dia, apressa-se a arrumar as alfaias do seu trabalho e vai apressada a casa, para ajudar o marido no que for preciso. 
O almoço, feito de véspera, é coisa simples, desde há muito: uma sopinha e fruta. Pouca porque é cara. Mas neste dia o seu José não quer comer. Diz-se cansado e sem apetite. Não resmunga e ao ralhete da mulher, para que coma, responde com um silêncio que a inquieta. Nem por isso, contudo, pensa que seja algo de grave. 
– Queres ir ao Centro de Saúde? – pergunta Maria do Céu. 
A resposta, lacónica, é um não ciciado. Nessa tarde, a varredora está ausente das suas obrigações profissionais. Os seus pensamentos voam para casa, para junto do homem que é a razão do seu viver. No parque, os trabalhos rotineiros sucedem-se, sem grande esforço mental. Mas o desejo que a domina diz-lhe para deixar tudo e para correr para junto do seu Zé. Correr como quem busca uma certeza: a de que ele está bem, que aquilo não passa de um incómodo passageiro. 
Ao bater das seis da tarde, larga tudo e parte apressada e ansiosa. José está prostrado, indiferente à vida. Maria do Céu olha-o, assustada, e grita pela vizinha. A ambulância leva-o, já a desligar-se do mundo, para o hospital. Não há nada a fazer. 
A varredora volta ao quotidiano, depois do luto estipulado por lei. Recusa o convite dos filhos para morar com eles, um mês em casa de cada um, para não se sentir abandonada. Não há quarto para a mãe, mas tudo se arranja. Não aceita. Nem quer pensar em deixar o lar modesto em que sempre vivera com o seu José. Ali vai continuar até Deus querer. Com as suas recordações, com sonhos realizados e por realizar, pisando o chão que foi de ambos, ouvindo os risos dos filhos pequenos, sentindo as palavras, as gargalhadas e a teimosia rezingona do homem que ama e a faz feliz. Aos fins-de-semana recebe a visita dos filhos e netos. Nos primeiros tempos de viuvez, com regularidade. Depois tudo volta a ser como dantes. 
Maria do Céu começa a sentir-se mais só. O trabalho regressa à normalidade. De manhã cedo, no parque verdejante e cheio de arvoredo, aprecia o ambiente de forma diferente, enquanto recolhe a natureza morta. Por lá ciranda muita gente. De quando em vez, há crianças que brincam, correm e jogam, perante os olhares atentos dos professores e educadoras. A varredora olha-as enternecida e regressa à infância dos seus filhos. Reconhece que está a rejuvenescer. 
Agora, todas as manhãs acorda com pressa de ir para o parque. O desejo de ver as crianças com tanta vida dá-lhe mais ânimo. E consegue trabalhar com um olho no lixo e outro na ingenuidade amorosa de quem começa o jogo da vida. Maria do Céu sente-se mulher para continuar a lutar. Até parece que não a afecta o peso dos anos. Nem sequer dá pelas dores nos ossos e músculos. E à noite, quando se deita, os seus pensamentos não conseguem sair do parque. 
De manhã, lá estará no meio de tudo e de todos, sem que ninguém a note e sem perturbar quem está. Há dias, numa tarde amena, contra o que era costume, não tem vontade de regressar a casa. Por ali está bem, presa a gestos e a sorrisos cantantes que lhe não saem do ouvido. À tardinha, as crianças deixam o parque com os seus acompanhantes e Maria do Céu resolve descansar um pouco. Sentada, junto da árvore que adoptou como sua, fecha os olhos e recorda o que a vida lhe havia dado de bom com seu Zé e seus filhos. Como tantas vezes havia feito ao longo da existência. Adormece tranquilamente, com a cabeça a cair-lhe sobre o peito. O capataz, ao vê-la assim, aproxima-se e pergunta: 
– Maria do Céu, então o trabalho? A varredora não responde. Foi encontrar-se com o seu Zé. 

 Fernando Martins

Ares do Verão




BUGAS

Quem chega a Aveiro tem uma boa prenda da cidade. Boa prenda, porque é um convite à descoberta da cidade, sem precisar de gastar dinheiro. Só necessita de tempo e de boa disposição. A prenda, afinal, é a possibilidade de utilizar a BUGA (Bicicleta de Utilização Gratuita de Aveiro), posta à disposição de todos, sem qualquer custo. O visitante salta para o selim, carrega nos pedais e aí vai ele por ruas e ruelas, passeios e largos, ao lado dos canais da ria ou deles afastado, à cata do que Aveiro tem para ver: Edifícios da Arte Nova, bairros populares, palacetes e barcos moliceiros, salinas (quase só para turista ou estudiosos verem) e monumentos diversos, de tudo um pouco. Depois, pode parar em qualquer canto para saborear os ovos-moles e continuar a pedalada.
As Bugas, diga-se de passagem, estão em qualquer canto. É só olhar.
Boas férias para todos.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 33

COM OS DE FAFE NINGUÉM FANFE
Caríssima/o:
Muitos de nós se lembrarão do Ti João Bola, o Regedor. Gostaria de o trazer para a nossa companhia por breves minutos já que foi figura marcante na minha vida. Moço, cheio de vida e de ilusões, regressei à Gafanha para dar aulas na Escola da Marinha Velha. Quantas vivências com o Regedor! Homem bom, amigo do seu amigo, mas representante da lei, ele era a autoridade. Uma vez estivemos em campos opostos: foi na altura de passagem de ano e nas lendárias “comemorações” que programámos e realizámos. E justiça se lhe faça: o senhor Regedor nunca aceitou sequer que lhe dissessem que o professor... Isso tudo já lá vai. Mas foi pela sua mão que me vi envolvido no Censo de 1960. Experiência que interpela qualquer um que se lhe dedique. A mim abriu-me os olhos e o coração para as Gentes da nossa Terra. Encontrar no mesmo pátio pessoas oriundas das mais diversas regiões do nosso Portugal, unidas pelos mesmos anseios e cruzando as suas vidas ao ponto de fazerem nascer novas famílias, foi algo que fez renascer a esperança numa nova Gafanha. Afinal qual o alvor desta Terra que ouve sussurrar a Ria e trovejar o Mar? O grupo que se impunha era o de Fafe. E será que a lenda nos ajuda a compreender o clima de tricas e zaragatas que se viveu? Ei-la:
«Com Fafe ninguém fanfe, diz a voz popular. E há vinte e poucos anos que, como amostra, pode dar uma cotovelada no parceiro que quiser fanfar, mostrando-lhe as duas toneladas de bronze que representa a Justiça de Fafe. O que decerto não se poderá explicar é a razão de tal monumento, obra do escultor Eduardo Tavares, ter sido descerrado exactamente no largo traseiro do Palácio da Justiça da cidade! Vamos à lenda, antes que se faça tarde. É voz corrente que a questão teve lugar no século XIX e como protagonista o visconde de Moreira de Rei, um político local de grande influência, com fama de homem de bem, mas avesso a levar afrontas para casa. Ora, um dia, sendo deputado às Cortes, chegou atrasado a uma sessão desse órgão, escutando uma reprimenda de um marquês qualquer, também deputado, que ainda por cima lhe terá chamado cão tinhoso. Fingindo não ter escutado o insulto, o visconde de Moreira de Rei fez tranquilamente a sessão. No final, procurou o marquês e censurou-o firmemente pela maneira grosseira como se lhe dirigira. O outro, petulantemente, não se escusou, antes lançou uma luva à cara do visconde, desafiando-o para um duelo. Ora como ofendido, nisto dos duelos é assim, coube ao Moreira de Rei escolher as armas. Geralmente eram espadas ou pistolas. Porém, o visconde apresentou-se no local da resolução do conflito com dois belos varapaus. O marquês ficou atarantado, pois não sabia utilizar tão plebeia arma. Já o visconde era exímio no jogo do pau. E aconteceu exactamente isso que calculam, desancou o marquês, pondo-lhe o lombo num feixe! E diz quem sabe a lenda que a assistência exultava dando vivas à justiça de Fafe! Mas há pelo menos mais duas versões desta lenda. E uma delas é a de um morgado de Fafe que foi a Lisboa a uma reunião de gala, onde viu como um alfacinha desfeiteava uma senhora. Pois não esteve com meias medidas e sacudiu-o, pelo que o outro o desafiou para um duelo. Aqui coincide a versão de ter sido o varapau a arma e o outro, coitado, também levou que lhe chegasse. Porém, deixa-nos um tanto perplexos a terceira versão, pois recua cronologicamente até ao tempo do Conde D. Henrique, seja à antecâmara da nacionalidade portuguesa. Existia então um cavaleiro chamado D. Fafes Talesluz, alferes-mor do pai de D. Afonso Henriques, e a quem foi doado Monte Longo – antiga designação de Fafe, como saberão – mercê esta pelos seus feitos ao serviço do conde. Pois D. Fafes era casado com uma senhora muito bondosa, amiga dos pobres e do povo em geral. Só que, em dada altura, o cavaleiro teve uma paixoneta pela aia da esposa. Ambiciosa, querendo D. Fafes só para si, ela envenenou a ama. E como o povo se apercebeu que aquela morte não havia sido natural, calculando quem matara, foi a casa de D. Fafes exigir que a aia lhe fosse entregue. Assim aconteceu a justiça de Fafe: uma carga de paulada na bela senhora, até que esta embarcou para o outro mundo. Afinal de contas, a justiça de Fafe só tem um protagonista comum em qualquer episódio, o lódão.»[V. M., pg. 94]
Isto de lendas é assim...Claro que os tempos são outros e apetece perguntar: Onde estão os de Fafe, os “Fafeiros”?
Manuel
:
NOTA: O Tecendo fica já aqui, não vá dar-se o caso de eu não poder visitar a Net no fim-de-semana.
F.M.

Um artigo de D. António Marcelino

Os não nascidos
e os impedidos de nascer

A notícia, a princípio bem discreta, só vinha em poucos jornais, se comparada com o grande relevo dado, sem recriminações, à desobediência dos hospitais do Estado sobre os abortos já realizados. “ Mais de 60 abortos só num mês e ainda sem lei” era título do dia. Uma lei, como sabemos, que permite a algumas mães, muitas a custas do erário público, que mandem matar o filho que trazem no seio, se assim o pedirem de harmonia com o que está determinado. Antes da lei, já nada é ilegal. E isso não interessa aos servidores do Estado que lhe dão cobertura e retiram importância, não vão as coisas complicar-se mais.
Diz a princípio a tal notícia discreta, depois já em primeira página e devido relevo, que “A natalidade atinge em Portugal o valor mais baixo de sempre”, ou que “Nascimento de bebés em 2006 é o mais baixo desde que há estatísticas”. É o Instituto Nacional de Estatística a fonte. O índice de natalidade foi de 1,36, com tendência a descer e sem se ver saída para situação tão preocupante, para quem ainda se preocupa. 

terça-feira, 17 de julho de 2007

As Sete Maravilhas de Portugal








Fotos, de cima para baixo:
Fachada principal,
Torre vista do Claustro,
Túmulo de D. Pedro I,
Túmulo de Dona Inês de Castro




MOSTEIRO DE ALCOBAÇA


O meu roteiro de férias contempla sempre a vertente história e monumental. Por onde quer que passe, dou comigo à procura do que nos foi legado pelos nossos antepassados. Depois, aprecio, leio o que encontro à mão, fotografo e registo na memória o que tem mais interesse.
Do Mosteiro da Batalha, passei a Aljubarrota. A seguir, rumei a Alcobaça, onde repousam os restos mortais de D. Pedro I e de Dona Inês, em túmulos com as suas estátuas jacentes, perpetuando um amor até ao fim do mundo, como reza a lenda.
Mas o Mosteiro é muito anterior aos amantes que ali estão à espera dos visitantes que, logo à chegada, muitos, perguntam por eles. A Abadia cisterciense de Santa Maria de Alcobaça vem do tempo de D. Afonso Henriques, pois foi por ele fundada em 1153. Doada à Ordem de Cister pelo nosso primeiro rei, representados por Bernardo de Claraval, a abadia começou a ser construída 25 anos depois da chegada dos monges brancos, concretamente em 1178. Foi uma das mais poderosas abadias da Ordem de Cister, de raiz beneditina, apresentando uma arquitectura austera e grandiosa, bem ao espírito daquele que viria a ser S. Bernardo, tão importante para a construção e identidade da Europa.
Claro que muito do que hoje podemos apreciar sofreu grandes alterações e readaptações. Mas a parte do Mosteiro que está aberta ao público é a mais expressiva, remontando ao período medieval. Os nossos olhos não podem deixar de ficar extasiados perante a beleza sóbria e convidativa ao silêncio da Sala do Capítulo, do Parlatório, do Dormitório, da Sala dos Monges e do Refeitório, com o seu Púlpito do Leitor, uma peça arquitectónica muito bela.
A visita ao Mosteiro de Alcobaça transporta-nos até à corte do nosso rei fundador, através de um conjunto de painéis de azulejos que nos contam a história da doação de D. Afonso Henriques a Bernardo de Claraval. Mas todo o conjunto do Mosteiro nos convida a recuar ao tempo em que os monges da Ordem de Cister ali viveram, tendo por normas de vida o coro, a oração, a penitência e o trabalho manual.
A Ordem de Cister desenvolveu-se a todos os níveis, em Portugal e em toda a Europa. Também a vida monástica se foi adaptando às exigências das épocas. Com as riquezas que vinham das suas vastas propriedades, foi possível empreender grandes obras e reformas. Ali se ergue, à época, uma das maiores livrarias do reino, renovam-se os altares segundo novos gostos e o fausto da abadia atinge o máximo no século XVIII.
Em Alcobaça, tudo respira a herança cisterciense. Nem sequer faltam os doces conventuais e os licores com segredos ancestrais.
Com a extinção das Ordens Religiosas, em 1834, os monges são obrigados a abandonar o Mosteiro. Parte do seu recheio desaparece, encontrando-se muitas peças disseminadas por diversos museus. A Biblioteca é desmembrada, espalhando-se o seu espólio pela Biblioteca Nacional e pela Torre do Tombo.
Em 1985, a UNESCO classificou este Monumento Nacional como “Património Cultural de toda a Humanidade”. Recentemente, os portugueses ajudaram a classificá-lo como uma das sete Maravilhas de Portugal. Por tudo isso e por tudo o mais que não é possível sublinhar aqui, convido os meus leitores a passarem por lá durante estas férias.
Fernando Martins

Um artigo de António Rego

A OUTRA FACE Estranha, a profissão de crítico. Político, religioso, literário, cinematográfico, generalista. Observador severo, mesmo que se esqueça do bem e do bom, nunca deverá deixar passar o erro sem a análise fria, rigorosa, implacável. E a conse-quente denúncia. Caçador de vermes, diverte-se mais com as gralhas que com o texto escorreito de páginas inteiras. Dirão alguns que é questão de feitio e o mundo precisa de gente sem sorriso nem benevolência para por a humanidade na ordem. Estudioso infatigável do pecado original, pensarão outros, na convicção que não obstante todos os trechos bíblicos de esperança o homem não passa dum ser mesquinho e incurável com necessidade de muitos milhões de milénios para se notar uma ligeira curva de progresso.
A esperança é uma virtude sobrenatural, diferente da utopia ou do optimismo que não passa dum volátil estado de alma. Mas a verdade é que o todo da vida e do mundo tem uma outra face que importa observar. Não apenas em nome da tolerância mas da justiça. Da objectividade. Da lucidez. Da concepção realista da humanidade. O que exige uma serenidade que exalte a transparência do coração no olhar de todas as situações. Como da evolução do homem, da descoberta de valores, progressos, sinais duma humanidade que, marcada pelo limite, vai abrindo caminhos na direcção do infinito e não corre, como suspeitam alguns, a velocidade descontrolada para o abismo.
O desprazer mórbido também é uma forma de luxúria. E o olhar sobre o mundo depende sempre do ângulo em que nos colocamos. Complexa tarefa para as janelas da alma. Por isso a proclamação da esperança supõe sempre o ângulo de Deus em todos os momentos, em todos os factos e nos gestos e rostos das pessoas. E Jesus avisou como é arriscado colocar-se apenas como juiz de seu irmão.

Um artigo de Alexandre Cruz

Porque nos abstemos de participar? 1. Quem ganha as eleições quando quem vence, de facto, é a abstenção? Talvez esta pergunta, sintomática, seja o espelho de tantas eleições em democracia como do recente acto eleitoral para a autarquia de Lisboa. Pelas tendências estudadas da indiferença que se vai generalizando, e que leva já alguns países europeus a “obrigarem” os cidadãos a votarem sob pena de perderem direitos de cidadania, será de salientar que para uma desejada maturidade democrática não haverá nem praia, nem julho, nem sol nem chuva, nem futebol, nem credibilidades ou descredibilidades de candidatos, “nada” existirá que justifique a habitual (e pacífica, não há outro remédio!) ausência da participação eleitoral. 2. As 1001 razões justificadoras da abstenção a que nos vamos acomodando, no presente, ausente e difícil Portugal, só virão pactuar com essa ideia de passividade e conformismo com a nossa pacata forma de ser. Qualquer acto eleitoral – e é uma privilegiada conquista democrática a possibilidade de votarmos -, pelo seu absoluto secretismo e liberdade, demonstram o autêntico pensar, ser e, no fundo “agir”, sobre a realidade concreta de cada dia; e a este respeito, a conclusão generalizada será que os cidadãos estão longe da “sua” cidade. Que cidadão é aquele que não vota, não participa, não tem (nem quer ter sequer) qualquer ideia para a sua terra mas que depois está na primeira linha da reclamação dos seus direitos? 3. Quem é o “cidadão” que, não cumprindo os seus deveres mais básicos, enche-se de destemida coragem para exigir os seus direitos? Se não concordam com as políticas, então manifestem-no no voto; se sentem sintomas de descredibilidade do nosso sistema democrático, reforçadamente participem afirmando suas visões alternativas. Se a política no seu entender está desmotivante com que motivação “querem” algo de novo? Que sugerem de novo? Entre as diversas interpretações a que mais nos custa é a suave ideia de que “abstenção” será um sinal que os cidadãos dão aos partidos e aos movimentos cívicos de que não concordam com as formas de política realizadas… Quanto a nós, puro engano! Não se tratará de qualquer sinal; será precisamente um não sinal, um “nada” indiferente; nem sequer uma manifestação de desencanto. 4. A política será a “arte” do possível. Assim, diante da desmotivação ou das dificuldades da realização política o cidadão consciente, sob pena de se perder a si próprio, não poderá responder com a indiferença. Na essência, todo o cidadão é político; e em circunstâncias em que não haja identificação com qualquer programa candidato, coerentemente, a forma efectiva de demonstrar essa insatisfação não será a abstenção, pois nesta não há sequer a deslocação ao local do voto. Os cidadãos têm o poder fundante da democracia, mas deixam-no à deriva… É nesta linha de novo compromisso com a vida de todos (que terá de ser afinal a actividade política) que nas sociedades ocidentais, comodamente democráticas, vai hoje progredindo a reflexão sobre a abstenção e a indiferença. 5. Como entender o futuro da liberdade nos contextos abstencionistas? Bem sabemos, e a história assim o diz, que comunidade que seja indiferente à sua gestão e liderança abre permeabilidades a formas menos democráticas de presidir e governar. Neste contexto, hoje tornar-se-á imperativo o aprofundar o facto consumado da “não-participação” (esta que até pode dar jeito em linhas de pensamento menos saudáveis e menos servidoras da dignidade humana e do bem comum). Na actualidade, a abstenção estende-se por uma transversalidade de áreas, da cultura ao associativismo, da política à educação. Aprofundemos a “participação” como eixo estruturante da vida em sociedade; quando não, perdendo a democracia a sua própria frescura original, um certo individualismo sem valores vai alastrando, como o mais doce chocolate; é que até não dá trabalho e é cómodo. O futuro – ainda que no mundo virtual – não se poderá render a este facto, precisa da participação de todos!

Ares do Verão

Gdynia, na Polónia

FLORES EM GDYNIA - POLÓNIA
:
Joaquim Simões, habitual leitor do meu blogue, teve a amabilidade de me enviar, há dias, uma foto de Gdynia, na Polónia, para a rubrica "Ares do Verão", gesto que agradeço, sobretudo porque a capacidade de partilhar é muito bonita.
Com esta foto, aqui está a prova de que as flores, em qualquer parte do mundo, são sempre motivo de boas e expressivas recordações. Quando viajamos, por mais monumentos que visitemos, por mais paisagens por que passemos, as flores que vemos ficam sempre na nossa memória.
Para saber o que andou por lá a fazer, pode consultar o Correio do Vouga.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

Padeira de Aljubarrota



BRITES DE ALMEIDA,
ERA OSSUDA E MUITO FEIA


"Chamava-se Brites de Almeida. Era ossuda e muito feia e trazia seis dedos em cada mão.
Em Aljubarrota no dia 14 de Agosto de 1385 pegou na primeira arma que achou e juntou-se às destemidas hostes portuguesas. Entre outros, matou sete castelhanos com a pá do seu ofício, que no forno se haviam todos escondidos."

Assim se lê junto do monumento que lhe foi erguido em Aljubarrota.
:
Nota: Por detrás do monumento, está o edifício, chamado Celeiro dos Frades, que ostenta alguns azulejos, alusivos à padeira, do século XIV, e a épocas posteriores.
Não é edifício de interesse histórico, tanto quanto averiguei no local.
A batalha de Aljubarrota, em que os portugueses defenderam a independência nacional, lutando contra o rei de Castela, casado com D. Beatriz, filha do nosso rei D. Fernando e pretendente ao trono de Portugal, travou-se em São Jorge, localidade perto de Aljubarrota e bem assinalada, com capela, museu e o espaço definido onde se travou luta sangrenta.

Estado laico tem de respeitar toda a gente

GOVERNO SÓ AGE
SOB AMEAÇA DE PROTESTOS A comunicação social informou há dias que o Conselho Permanente da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) iria reunir-se em Fátima para elaborar críticas ao Governo, já que, tendo requerido um encontro com o primeiro-ministro, há bastante tempo, este nem sequer teria respondido à solicitação dos Bispos Portugueses. Claro que, perante esta ameaça legítima embora delicada, José Sócrates apressou-se a marcar a audiência, logo para o dia seguinte. A CEP, representada pelo seu presidente, D. Jorge Ortiga (Arcebispo de Braga), D. Carlos Azevedo, secretário (Bispo Auxiliar de Lisboa), e D. José Policarpo (Cardeal-Patriarca de Lisboa), reuniu-se ontem com o primeiro-ministro, tendo saído do encontro satisfeita. Afinal, José Sócrates, tido como pessoa que está por dentro de todos os assuntos da governação, desconhecia as razões de queixa da CEP. Os bispos portugueses queriam, tão-só, que fosse respeitada e implementada a Concordata, revista e aprovada em 2004 pela Santa Sé e pelo Governo Português. Queriam, também, que o Governo tivesse em conta as acções da Igreja e das comunidades religiosas, enquanto serviços à sociedade em geral, quer no domínio social (IPSS, Misericórdias, Centros Pastorais Paroquiais e outras instituições), quer cultural e educacional, quer patrimonial. Mais ainda: no âmbito da comunicação social, das capelanias hospitalares e prisionais, entre outras. José Sócrates ouviu as preocupações da CEP e garantiu que os diversos ministérios iriam acelerar os diálogos, com vista a ultrapassar as dificuldades existentes, o mais depressa possível. Qualquer pessoa, por mais cega que queira ser, percebe que tem havido um certo mal-estar entre Governo e Igreja, alegando os mais radicais que o Estado é laico e que nada tem a ver com as religiões, que devem, segundo eles, viver nas igrejas e, quando muito, nos adros. Estes radicais não fazem ideia nenhuma do que é uma democracia, que deve ter em conta as pessoas e os seus projectos de vida, alicerçados no respeito pelas ideias de cada um. A pluralidade, apanágio das democracias autênticas, é sempre enriquecedora e o Estado tem a obrigação de apoiar todas as organizações que brotem do povo e possam contribuir para a valorização da sociedade. Aí, até os aspectos espirituais e religiosos podem ser positivos, como expressão íntima de cada pessoa que crê no transcendente. Se os portugueses, na sua grande maioria, se afirmam cristãos, é absurdo aceitar-se que o Estado ignore essa realidade, sobretudo em áreas que nada têm a ver com o culto propriamente dito. Não apoia ele o desporto, o futebol profissional, o cinema, o teatro e tantas outras iniciativas, algumas das quais sem qualquer relevância na comunidade nacional? Então, por que razão não há-de apoiar as mais variadas actividades patrocinadas ou implementadas pelas Igrejas, se elas promoverem a pessoa em todas as suas vertentes?
Fernando Martins

Políticos mal habituados

GOVERNO SÓ AGE SOB PROTESTO
E NEM SEMPRE PROCURA O BOM SENSO É sabido que os políticos portugueses só agem sob pressão. Não vale a pena propor o diálogo, não vale a pena pedir o diálogo, não vale a pena requerer uma audiência, não vale a pena enviar requerimentos ou sugerir um comportamento político mais consentâneo com as realidades das pessoas e das instituições. Os políticos no poder não ouvem ninguém, não atendem ninguém. Fazem o que lhes dá na real gana, embora de acordo com os seus projectos governativos e propostas eleitorais, sem qualquer preocupação em analisar até que ponto estão a ferir os interesses concretos das pessoas. Isto obriga, naturalmente, a que as instituições, inclusive os sindicatos, e as pessoas se vejam compelidas a protestar muitas vezes na rua, com manifestações e mais manifestações, greves e mais greves, protestos e mais protestos. Só depois, se forem humildes e sensíveis à contestação, é que os políticos no poder prestam alguma atenção aos desesperos dos que estão na mó de baixo. Só agem, afinal, sob pressão e nem sempre procuram o bom senso. Vem isto a propósito das atitudes frias e desumanas de algumas Juntas Médicas, que obrigaram a voltar ao serviço profissionais em sofrimento. Depois do que se passou com a nossa conterrânea Manuela Estanqueiro, professora recentemente falecida com leucemia e que ficou sem poder gozar algum tempo de reforma, e de outros casos semelhantes, vindos a lume depois, é que o primeiro-ministro, José Sócrates, "chocado" com o que aconteceu, resolveu decretar, de imediato, a alteração à lei que permitia tal desumanidade. A morte de Manuela Estanqueiro e o tratamento indecoroso que sofreu por parte de uma Junta Médica, bem denunciadas pela família e pela comunicação social, estarão, decerto, na base desta decisão do Governo. Mas tudo isto poderia ter sido evitado se o Governo estivesse minimamente atento. Quantos não terão ou estarão ainda a sofrer por leis sem alma, tantas delas denunciadas todos os dias? Fernando Martins

Terra Nova celebra aniversário

MAIS DE DUAS DÉCADA
AO SERVIÇO DA COMUNIDADE


A Rádio Terra Nova, com sede na Gafanha da Nazaré, concelho de Ílhavo, celebrou ontem o seu 21º aniversário. Como desde a primeira hora, mantém-se ao serviço da comunidade, alargando a sua intervenção muito para além do concelho de Ílhavo, numa perspectiva de contribuir para uma sociedade mais justa e mais solidária. 
Acompanhei de perto a vida da Terra Nova, desde os primeiros momentos alicerçada nas “rádios piratas”, assim chamadas por estarem a infringir a lei, que só permitia as licenciadas, ao jeito de monopólios que existiam na comunicação social radiofónica. Nessa linha, somente os grandes centros poderiam acolher rádios ou suas delegações, o que fechava as portas à grande maioria dos concelhos e freguesias deste País, que ficavam isolados e sem voz, para reivindicarem os seus interesses e divulgarem as suas riquezas culturais e sociais. 
Com a teimosia e ousadia das “rádios piratas”, foi possível abrir as portas a rádios um pouco por todo o lado, obrigando o Estado a regulamentar a existência das que oferecessem capacidade técnica e garantias de subsistência. Assim nasceu a Rádio Terra Nova, no seio da Cooperativa Cultural da Gafanha da Nazaré, sucessora da Cooperativa Eléctrica, sendo hoje muito respeitada em toda a região, pela forma digna como se tem mantido, apesar das múltiplas dificuldades que tem de enfrentar, uma característica, afinal, de toda a comunicação social. 
Daqui, deste meu recanto e como colaborador eventual, quero deixar os meus parabéns a todos quantos a mantêm dinâmica no dia-a-dia, nomeadamente, dirigentes, jornalistas, colaboradores, técnicos, administrativos, publicitários, anunciantes e ouvintes, com votos de longa vida, para bem das comunidades onde a sua voz se faz ouvir. 

Fernando Martins

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 32

A LENDA DOS CORVOS DE LEIRIA
Caríssima/o:
Ir a Fátima obrigava-nos a passar por Leiria; lá bem em cima, eis o castelo. E a imaginação depressa nos fazia percorrer corredores infindos que nos levavam a saraus da corte, onde a El-Rei prestávamos as nossas homenagens. E em tal dia como hoje em que escrevo, de sol quente e calmaria luminosa, as cantigas de amor e de amigo transportam-nos àquela Amizade que nos faz acreditar na Vida. De facto, Amigos houve que ocupam lugar especial guardado pelo selo da eternidade. Abraço o Fernando Cascais, ali do Bunheiro e que chegou a ser Presidente da Câmara da Murtosa. Quantos outros poderia alinhar... Porém, gostaria de deixar um aceno especial aos irmãos filhos da ti Madalena e do ti Manel Elviro: o Manuel, o Ângelo, o Plínio, o Diamantino e a Maria. Para além da mítica eira prolonga-se a sombra da meda ao luar, que a serenata nos levava para o país dos sonhos... Mas voltemos a Leiria que nos veria, mais tarde, tantas e tantas noites-madrugadas a caminho da tropa...
«Breve explicação das Armas do Município
Tal como aparecem na colecção da “Casa Real – CARTÓRIO DA NOBREZA”, datada de 1849, também Inácio Vilhena Barbosa, em “AS CIDADES E VILLAS DA MONARCHIA PORTUGUESA QUE TEEM BRASÃO D’ARMAS”, de 1865, nos mostra as armas de Leiria onde figura um castelo acompanhado de dois pinheiros, tudo sainte de um terrado. Sobre cada pinheiro um corvo e em chefe duas estrelas, dá-nos assim conta do significado destas armas:
“Refere a lenda, que achando-se campado o exercito christão sobre uma eminencia visinha, à qual hoje chamam o Cabeço d’el-rei, apparecera em cima de um grande pinheiro, que se erguia entre o arrayal e o castello, um corvo, que não cessava de bater as azas e grasnar. Ordenado o assalto, redobrou por tal modo o corvo os seus movimentos e gritos, que os portuguezes, tomando isto por um feliz agoiro, investiram a fortaleza com tão incrivel valor e confiança, que apezar de bem defendida, assenhorearam-se d’ella em breves momentos. E em memória d’este successo veiu a tomar Leiria por brasão d’armas em escudo de prata coroado um castello sobre campo verde, collocado entre dois pinheiros, cada um com o seu corvo em cima; e na parte superior do escudo duas estrellas de oiro. A descrição deste brasão é como se acha na Torre do Tombo; entretanto há outra versão que dá só um pinheiro com um corvo em cima”. (in “Heráldica Leiriense”, de Alda Sales Machado Gonçalves, edição da Câmara Municipal de Leiria, página 170) Em «O Mensageiro, de 28/9/89, Lendas de Leiria, Os Corvos», a lenda é ligeiramente diferente, mas para nós o encantamento fascina-nos e ... boas férias!
Manuel

Um artigo de D. António Marcelino

AGILIZAR O PROCESSO,
ROMPER O TECIDO, DESTRUIR OS NÓS Que desgraça nos havia de acontecer, esta de uma destruição da família, programada ou inconsciente e do casamento que lhe dá origem e a enraíza no coração das pessoas, bem como do divórcio com despacho imediato Coisa tão grande, a família, que ultrapassa uma dimensão puramente legal e não se pode entender ao sabor de gostos pessoais, passou a ser talhada à medida de gente que não a sabe nem estimar, nem respeitar. Quem no casamento é incapaz de ver um projecto de vida, sério e responsável, para ver apenas uma experiência pessoal, fugaz e anódina, não devia, por honestidade, entrar em decisões que desvirtuam e prejudicam socialmente esta instituição. Não faltam governantes, da primeira e da segunda fila, que vão no segundo e nem sei se alguns mesmo já no terceiro casamento ou união facto, por esta ser agora processo mais rápido, vantajoso e menos consequente. Como não faltam deputados em igual situação. São estes que fazem os decretos e aprovam as leis. Quem nestes ofícios parece andar, por força de cargos e encargos, a aproveitar-se para justificar a sua vida e agradar a grupos e opiniões de rua, faz-me lembrar uma onda de gente pouco consciente e responsável. Para ganharem alguma coisa, cedem a tudo. Está-se a deslizar aceleradamente. Dos tribunais passou-se às conservatórias, destas à loja do cidadão… Tudo aponta, dado que em cada dia se promete mais, a que o processo vá terminar em barraca de feira, uma vez que se anuncia e pretende que tudo seja rápido e mais barato. Uma vergonha! O que interessa é agilizar o processo e quanto mais depressa melhor, porque não se pode perder tempo a casar e a descasar, coisas que valem e significam cada vez menos. É lógico que quem não dispõe de tempo para estudar a história e ler a vida, para reflectir, dialogar, recordar momentos felizes, perdoar e aceitar o perdão, olhar com serenidade e amor os filhos gerados e criados e perceber neles o sentimento mais profundo que é de não quererem os pais divididos, não tem estofo humano e, também, não quer perder tempo em processos inúteis e morosos. De facto, se o casamento nada tem a ver com constituir uma família, nascida do amor, esse dom que nunca e por nenhuma razão se dispensa, se ele não passa de uma simples experiência, descartável e renovável, porque perder tempo a fazê-lo e a desfazê-lo? Se falarmos de dinheiro, prestígio, projectos a dar nas vistas, níveis da Europa avançada, a gente de cima isso entende-o bem. Mas se falarmos de dignidade das pessoas, respeito profundo por elas, condições indispensáveis a criar e a fomentar em ordem a um bem-estar justo e sólido, a conversa já interessa menos. Há que resistir, quanto antes, a este vendaval destruidor de pessoas concretas e dos laços mais profundos que as unem, das famílias que o querem ser de verdade e de uma sociedade humana, que vale para além dos números e das sondagens encomendadas. Em Portugal, há cada vez mais pessoas a valerem bem pouco. Está à vista. Às invasões dos bárbaros resistiram forças humanizantes, organizadas e motivadas, dispostas a ir até à morte para evitar a destruição total. A “terra queimada”, trinta anos depois da revolução, é agora o deserto dos valores éticos e o desprezo pelas pessoas e seus direitos mais legítimos e pelas instituições sociais básicas. Em democracia, diga-se. As forças morais, que não faltam em Portugal, são capazes de uma nova revolução que quebre grilhões que escravizam. Unidas num mesmo projecto, estas forças têm de vir para a rua e gritar, sem medo, e de modo a que o seu grito possa acordar e escandalizar, ao perto e ao longe, porque ao longe incomoda mais: Basta! Basta!
António Marcelino

quinta-feira, 12 de julho de 2007

As sete maravilhas de Portugal




MOSTEIRO DA BATALHA

A escolha das Sete Maravilhas de Portugal, que alertou os portugueses para o património histórico do nosso País, veio mostrar que entre nós há muito que ver, com olhos de ver. Foi e é também um desafio para cada um de nós, no sentido de visitarmos e apreciarmos o que Portugal tem de bom, quer quanto ao património histórico, quer natural, quer turístico. Oxalá saibamos todos corresponder a esse desafio, aproveitando as férias ou os tempos livres, que decerto acabaremos por ter neste Verão ou mesmo para além dele.
Eu já comecei. Por estes dias, saí de casa com o propósito de rever terras e monumentos que foram lembrados nessa escolha. Visitei os Mosteiros da Batalha e de Alcobaça, seguindo uma rota que passou por Leiria e Aljubarrota. Foi muito agradável.
Durante alguns dias, aqui recordarei os momentos do reencontro.
O Mosteiro de Santa Maria da Vitória, mais conhecido por Mosteiro da Batalha, é, de facto, obra notável, levada a cabo pelo Mestre de Avis, aquele que viria a ser o nosso rei D. João I, no cumprimento de um voto à Virgem, caso vencesse os castelhanos na célebre batalha de 14 de Agosto de 1385, em Aljubarrota, o que veio a acontecer, como todos sabemos.
A construção deste Mosteiro, que se estendeu de 1386 a 1517, respeitando diversas fases do Estilo Gótico, simboliza, de alguma forma, o poder da nova dinastia, iniciada pelo Mestre de Avis. Mobilizou recursos materiais e humanos avultados e permitiu colocar Portugal na linha dos estilos artísticos já em curso na Europa, mas desconhecidos dos portugueses.
Todo o Monumento precisa de ser apreciado com calma, tal é a beleza de cada pedra, de cada recanto, de cada sala, de cada fachada, de cada torre, da igreja e das diversas capelas. Ler legendas, seguir o guia que tem de ser comprado, tanto o mais simples como o mais elaborado, saber que ali está sepultado, desde D. João I e sua esposa, a grande rainha D. Filipa de Lencastre, a tal que educou a “Ínclita Geração, Altos Infantes”, como ficaram conhecidos os seus filhos (D. Duarte, D. Pedro, D. Henrique, D. Fernando, D. João e Dona Isabel), até D. Duarte e sua esposa, a rainha D. Leonor, os primeiros na capela do Fundador, presentemente em obras, e os segundos, nas Capelas Imperfeitas, assim chamadas porque nunca foram concluídas.
Claustros, túmulos de gente que fez história, naves e portais sumptuosos, abóbadas, janelões, estátuas e estatuetas, colunas e pilares, jardins e vitrais que nos atraem e fixam os nossos olhares. 
O Túmulo do Soldado Desconhecido, lembrando a participação de Portugal na Guerra de 1914 – 1918, está na Sala do Capítulo. Tem junto o lampadário monumental, onde arde permanentemente a “Chama da Pátria”, sob a guarda de dois militares portugueses, na posição de sentido. O lampadário é alimentado com azeite virgem das oliveiras portuguesas. 
Estes símbolos da Pátria podem ser apreciados na referida Sala do Capítulo, em que se destaca a sua famosa abóbada, em estrela de oito pontas. Sob ela, segundo a lenda, dormiu a primeira noite, depois da conclusão, mestre Afonso Domingues, para provar que a abóbada, sem qualquer suporte, não cairia.
Não é por acaso que o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, o famoso Mosteiro da Batalha, passou a ser integrado, em 1983, na lista da UNESCO do Património Mundial.
Se puder, e pode certamente, se quiser, não deixe de visitar esta Maravilha de Portugal.

Fernando Martins



AS SETE MARAVILHAS DE PORTUGAL 







Palácio da Pena
Palácio do século XIX, atrai a Sintra muitos visitantes.

Torre de Belém
Construída no século XVI em homenagem a S. Vicente, padroeiro da Sé de Lisboa.

Castelo de Guimarães
Edificado no século X. No século seguinte foi residência da corte. Presume-se que D. Afonso Henriques nasceu lá e que lá viveu.

Castelo de Óbidos
Mostra a importância da povoação na Baixa Idade Média, mantendo intacto o Castelo agora distinguido, ruas e ruelas, casas antigas e outros motivos de interesse histórico.

Mosteiro de Alcobaça
Um dos mais significativos mosteiros cistercenses medievais, doado aos monges de Cister por D. Afonso Henrfiques.
Ali repousam os restos mortais de D. Pedro I e D. Inês, como símbolo de um amor "até ao fim do mundo", como se pode ler num monumento. Dele falarei aqui um dia destes.

Mosteiro da Batalha
Também conhecido por Mosteiro de Santa Maria da Vitória, é o mais importante símbolo da dinastia de Avis. Voltarei ao assunto, nem que seja, apenas, para publicar mais algumas fotos.

Mosteiro dos Jerónimos
Também conhecido por Mosteiro de Santa Maria de Belém, é representativo do Estilo Manuelino, construído para comemorar os feitos dos nossos navegadores.

Ares do Verão


VERÃO MAIS ALEGRE
:
Penso e sinto que o Verão é, de facto, uma estação de alegria. A natureza está com toda a sua pujança, iniciada na Primavera, e as pessoas, com sol e calor, até se sentem outras. Mais abertas, mais livres, mais simples, mais comunicativas. Há autarquias que têm o bom gosto de enfeitar as ruas. Acho bem, pois as decorações, quando bem feitas, estimulam a alegria e a boa disposição. Sei, como todos sabemos, que a crise nos obriga a apertos e que há outras prioridades. Mas se for possível enfeitar uma ou outra rua, mesmo com simplicidade, isso será muito bom.
Boas férias, com muita alegria, para todos.

Um poema de Manuela Azevedo

Serra da Boa Viagem - Figueira da Foz

SUBINDO A SERRA

Subir a serra
é sentir lá no cimo
a presença divina,
ter asas e ser pequenino.
Ver as minúsculas casas
ponteadas na paisagem,
sentir o vento a fustigar o corpo
e só querer chegar sempre mais alto,
o coração a soltar-se na aragem,
qual papagaio a que se solta o fio.

Manuela Azevedo
.

In O Canto das Fragas,
a ser lançado no dia 13 de Julho,
pelas 21.30 horas,
no Auditório Municipal
da Figueira da Foz.

Um artigo de Alexandre Cruz

EUropa?
1. Cabe-nos este semestre a presidência da União Europeia. Não só a Europa no seu processo de consolidação institucional de um Tratado (com este ou outro nome), mas uma visão de Europa de Nações que não se anulam mas que saibam acolher, em pluralismo, a riqueza da diversidade cultural. Este processo europeu, algo de único na história, apresenta-se como uma dinâmica de aprendizagem contínua, lendo-se nas entrelinhas dos seus solavancos (de avanços e recuos) uma “ideia” de comum-unidade que, todavia, nunca se poderá render ao pragmatismo das coisas diárias. Talvez a maior crise de todas seja mesmo essa, a de a generalidade dos cidadãos estarem ainda longe da “ideia” de Europa que lhes preside (e quando dela falam é para queixar dos bens perdidos em vez se apreciarem os bens de estabilidade e paz ganhos); ou talvez também a própria configuração institucional necessite de uma reforma situada, pois não se poderá governar eficientemente uma comunidade de 27 países com o modelo de 12. No fundo, o implacável mundo global (o qual a Europa antecipou), propõe a interrogação hoje decisiva sobre “o que os cidadãos querem da Europa?” Se, pela generalizada e cómoda indiferença europeia (temos pão e água garantidos, todos os dias), existirem dificuldades em responder a esta pergunta sobre o que se quer da Europa, então voltemo-nos para as próprias nações que a constituem e perguntemos “o que querem os cidadãos do seu país?” Nesse momento apercebemo-nos de que a mesma dificuldade em responder é sintoma generalizado de uma certa passividade indiferente, em que as perguntas sobre o colectivo bem comum vão-se esbatendo, generalizando-se mais a preocupação do EU individual que do NÓS comunidade. Sem nações abertas e participativas a Europa só pode ser fechada… 2. A Europa, apesar de toda a sua complexidade sempre em construção, precisará de se abrir mais ao mundo, se sair de si. Refere, em recente entrevista (Público, 9 Julho) o Alto-Comissário nas Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, que “há uma enorme falta de Europa no mundo”. Diríamos que nas questões decisivas da humanidade a Europa tem-se alheado, desconsensualizando-se no essencial, perdendo a sua própria ideia / afirmação estimulante e negando as suas rasgadas raízes de identidade plural (onde estão Atenas e Roma?); talvez, na Europa vinda da Razão (da científica à de estado) tenhamos amado irracionalmente a própria liberdade esquecendo-nos de colocar nela as fronteiras do razoável e da inalienável dignidade humana; talvez, ainda, tenhamos desapreciado progressivamente os benefícios de paz e desenvolvimento que a União Europeia neste 50 anos tem concedido ao próprio continente. Todos somos beneficiários, e todos apreciam? Teremos, mais, de desenvolver a cultura do apreciar a história construída. Não para ficar nela, mas para, apreciando o caminho apostado, não deitemos a perder todo o esforço de gerações que nos precederem; nesta tarefa, uma nova opinião pública europeia esperançosa torna-se um imperativo. Mas onde vamos buscar a esperança, o ânimo? Que temos e promovemos na Europa além de tecnologias? Quais os lugares do “ser” e da cultura? Talvez tenhamos de nos conhecermos mais, no nosso património, dos monumentos às ideias que nos conduziram, sendo certo que sabendo donde vimos melhor saberemos para onde queremos ir. 3. Neste ideário que terá Portugal a dizer? Primeiro de tudo, faz-nos bem sairmos das nossas portas para ser possível entrar o ar fresco do pluralismo em liberdade, de expressão e de vivência, e não nos fecharmos num unanimismo fictício ou à força; todos somos filhos da diversidade. Se a Europa precisa de sair do seu EU talvez seja a “hora”, apesar de termos vivido (como fuga, como estratégia?) de costas voltas para a Europa, de Portugal dar o seu contributo universalista para uma Europa que se abra mais ao mundo. Um dos factos neste contexto é precisamente a realização da segunda Cimeira Europa - África (sublinhe-se que a primeira foi também com a presidência portuguesa, tendo a Europa, entretanto, esquecido o continente do sul…). Como refere Manuel Antunes (Repensar Portugal, Multinova 2006: 61-62), neste contexto mundial os povos mediadores – de preferência mais os pequenos que os grandes – serão decisivos para o crescimento harmónico da Humanidade. Assim este entendimento plural (multiétnico, intercultural e inter-religioso) seja assumido, pois tanto lá fora como cá dentro, esse diálogo edificante anda pelas ruas da... Precisamos, só nele haverá futuro com futuro!...

sexta-feira, 6 de julho de 2007

A nossa gente - João Catraio

Os velhos são livros abertos


O TIO JOÃO CATRAIO

Há mais de 60 anos, o tio João Catraio era um dos patriarcas da Gafanha da Nazaré. Vivia no lugar da Cambeia e desde cedo me habituei a escutá-lo com enlevo. Falava sempre com um sorriso nos lábios e nunca o ouvi nem vi aborrecido. Deixava transparecer um optimismo contagiante e uma serenidade que impressionava. Apesar da idade avançada, mostrava um ar de catraio, que atraía pela sua candura e simpatia.
Gostava de conversar com ele, mais para ouvir do que para falar, já que é ouvindo os mais velhos que se aprende. Foi um ídolo da minha infância e juventude, e mais tarde, já homem feito, nunca deixei de o olhar com muito respeito e admiração, qual livro aberto cheio de estórias de encantar, para legar às gerações futuras.
Quando nos víamos, de mim e dele saíam saudações amigas, comentários de circunstância e divagações que nos levavam a perder a noção do tempo. Ficávamos, por vezes, por ali, no seu quintal, entre o chilrear da passarada que fazia ninhos nas árvores, nos beirais de sua casa e no verde milheiral que dominava tudo em redor, ou não fosse o milho o cereal que mais merecia a atenção e a preferência dos gafanhões.
Quem passava tinha sempre uma palavra de cumprimento, ao jeito de “Boa tarde lhe dê Deus”, a que se respondia “Boa tarde; vá com Deus”. Eram expressões que denotavam a fé dos gafanhões daquele tempo, e que ainda hoje se ouvem entre as pessoas mais idosos, sem qualquer complexo.
Há umas quatro décadas, numa tarde de Verão, à hora da sesta, o tio João descansava sentado junto ao monte de palha e junco, bem perto dos currais dos animais. A frescura das árvores de fruto amenizava o ar abafado que à volta tudo dominava. Àquela hora, o trabalho na sua pequena quinta, onde de tudo um pouco se criava, era impossível.
Nem vivalma pela rua, sinal de que os outros agricultores esperavam por uma temperatura mais fresca, para recomeçarem a labuta nos campos. Ao vê-lo assim tão bem encaixado na palha e à sombra reparadora do monte, senti vontade de o ouvir, como diversas vezes tinha feito.
Nessa tarde, o tio João falou-me da estória da sardinha que era repartida por três pessoas da família, no momento da janta. Estranhei tanta poupança, mas ele logo me confirmou que era uma realidade desde os seus tempos de menino, ainda nos finais do século XIX. Antes e depois, segundo ele, as pessoas da Gafanha alimentavam-se parcamente. Não haveria fome, mas as dificuldades económicas eram muitas. Comia-se do que se cultivava e pouco se comprava.
Também não havia o hábito de pescar, já que os gafanhões eram essencialmente agricultores e não queriam nada com a ria nem com o mar, segundo ele me confessou. Só mais tarde, nos finais do século XIX e princípios do século XX, se aventuraram na apanha do moliço, do berbigão e do mexilhão, sem se afastarem muito da borda. A pesca veio lentamente para os hábitos desta gente que deixou os areais das aldeias de Vagos e de Mira, para se estabelecer nos areais semelhantes da península da Gafanha. A isso foram obrigados pela falta de terra para cultivar. As famílias, por norma muito numerosas – recordava-me o tio João – viam as suas propriedades serem repartidas sucessivamente nos momentos das heranças. Se era necessário procurar mais terrenos para cultivar, o mais fácil seria deslocarem-se para terras vizinhas, onde havia espaço para todos. Umas terras recebidas por aforamento e outras por ocupação, simplesmente. Eram terrenos muito iguais, resultantes das areias esbranquiçadas que o mar depositava nas margens, dando origem, durante séculos, à restinga que se foi formando, de Ovar a Mira.
E a areia foi tanta, que em 1888 se iniciou a sementeira do penisco, que deu origem à Mata da Gafanha. Esses trabalhos, que envolveram muitos gafanhões, terminaram em 1910, ano da criação da freguesia da Gafanha da Nazaré. A Mata serviria para fixar as dunas e para proteger as sementeiras dos ventos marinhos e das areias que os mesmos arrastavam, prejudicando as culturas, assim me dizia o tio João Catraio, qual livro aberto que tanto me ensinou, com a sua sabedoria de experiência feita.
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Fotos: Tio João Catraio, com esposa Carolina

Fernando Martins