sábado, 29 de dezembro de 2007

PORTAL DE BELÉM



Quem se aproxima do “portal de Belém” com olhos de ver não apenas as aparências, mas a realidade profunda, não deixa de ficar admirado com tanta ternura e carga simbólica: Uma família simples que não é propriamente modelo-tipo de família humana em qualquer parte do mundo, mas apresenta um estilo de vida familiar de valor universal. Um estilo de vida que há-de estar presente em todas as configurações históricas de qualquer família: o acolhimento da vida, o respeito pelo outro, o amor na relação, a ternura nos gestos de comunicação, a solidariedade nas tarefas a realizar, o lar a construir progressivamente, a liberdade crescente articulada com a autoridade exercida, a atenção à individualidade de cada um e a comunhão vivenciada por todos.
O Menino Jesus vê-se aconchegado pelo desvelo de Maria e de José. O seu olhar penetrante projecta-se em sonhos de humanidade feliz em que todas as crianças podem ver nascer o sol com sorrisos de alegria e de esperança.
Maria simboliza a Mãe solícita. As suas mãos abertas – qual berço preparado para acolher a vida nascente – expressam bem a atitude de quem está ao serviço da vida com disponibilidade total em qualquer momento e circunstância.
José é o rosto do homem sério e bondoso. Face aos acontecimentos, vai até onde pode na sua reflexão e deixa lugar à fé que a revelação lhe oferece. A responsabilidade legal que assume perante a sociedade constitui uma luz que se projecta em todos os tempos.
“Levanta-te, toma o menino e sua mãe” é palavra-mensagem que condensa a força simbólica do “portal de Belém”. Para ontem, hoje e amanhã.
Hoje, quantas crianças correm perigo na rua, nas redes de prostituição, nos países em guerra nos lares com violência, nas famílias sem valores dignos da condição humana e cristã, nas escolas redutoras da sua função educativa à simples instrução, nas comunidades eclesiais sem espaço adaptado nem linguagens acessíveis.
O portal abre-se facilmente a quem cultive sentimentos humanos. A fome e a miséria face à abundância e desperdício; a falta de água e de medicamentos perante o consumismo desenfreado, o fanatismo religioso que faz vítimas sem conta, a injusta distribuição dos bens, as famílias desestruturadas, a publicidade sedutora e o patamar social de expectativas que não pode ser correspondido pela magreza dos ordenados e das poupanças.
O mundo exposto ao nosso simples olhar, a par de enormes esforços de alguns e grandes gestos de generosidade de muitos, cria situações de revolta, aumenta as desigualdades e introduz factores de angústia e depressão.
A situação de hoje clama por homens como José que saibam erguer-se e tomar a defesa do Menino e de quantos nele estão retratados; por homens que prefiram correr riscos a continuar na comodidade egoísta; por homens que escutem a consciência mais que os interesses; por homens que queiram viver o amor gratuito, brasão do portal de Belém, o lar da família, a casa do pão.

Georgino Rocha

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