sexta-feira, 28 de março de 2008

A ÁRVORE E A FLORESTA



Sem qualquer suporte científico, verifico que, quando alguém procede à leitura de um jornal ou revista, tem uma curiosidade, quase inata, em procurar as “frases do dia”, da “semana”, ou do “mês”, que mais não são do que uma pequeníssima parte retirada de um assunto mais amplo, vasto e profundo.
Porém, não vejo, nestes comportamentos (nem a tal me atreveria), qualquer aspecto mais ou menos positivo que possa prejudicar ou ajudar, séria e eficazmente, quem tem este costume de leituras. Creio é que é preciso ir mais longe!
Não deixa, no entanto, de ser um hábito e, provavelmente, uma necessidade para muitos leitores, funcionando como um bálsamo e um revigorador espiritual, cujo efeito é o da pessoa sentir que não está só no mundo – num mundo em que todos os assuntos podem fazer parte das ditas frases – e em que há sempre alguém que está com ela, que a compreende e conforta, mesmo não a conhecendo.
Procura-se, mesmo, decorar aquela(s) frase(s) que mais nos aconchegam, para as transmitir, o mais fiel possível, aos outros. Tudo soa a boa nova: os diagnósticos, finalmente, foram feitos e as soluções, para muitos problemas, já foram encontradas.
Quase tudo é possível lá caber, pelo que, cada frase, parece ter sido feita mesmo à medida das necessidades de quem a lê.
Todas as nossas críticas, desejos, insatisfações, expectativas, e provavelmente muito mais, estão lá! Parece haver algo mágico em tudo isto!
Assim, não é de admirar que surjam, através destas leituras, sentimentos, mais ou menos generalizados, em alguns leitores, de que alguém já encontrou a fonte milagrosa da cura, a panaceia para todas as dificuldades e – muito melhor, se tal for possível – alguém já é capaz de ser o centro de um unanimismo sagrado, capaz de resolver, de uma vez por todas, os males que possam afectar e afligir a vida de cada um.
Bem sei que pode haver alguma dimensão caricatural nestas palavras, mas também reconheço que a verdade possível de cada realidade vai, e tem mesmo que ir muito, para além de frases ou fórmulas feitas, sejam elas do “dia”, da “semana” ou do “mês”.
Se assim não for, tem-se o caminho aberto para a cultura da demagogia, das promessas fáceis e para a manipulação pessoal e colectiva, ainda que possa não ser essa a intenção do ou dos seus autores.
O sentido crítico da pessoa tende a desaparecer, e nada mais se questiona, pelo que a intolerância instala-se, sem se dar por isso. Já não é preciso acreditar em mais nada!
Claro que não se trata de pôr tudo em dúvida, (era o que mais faltava) muito menos de querer (como se eu tivesse algum poder para tal) em contribuir para uma sociedade paralisante e asfixiante.
Trata-se, isso sim, de lembrar que é preciso, é mesmo muito urgente e necessário, ir para além das palavras enlatadas, que nos tendem a servir, com a melhor das intenções.
Assim como a crítica, as divergências de opinião, os confrontos de ideias, sérios e leais, entre outros exemplos, fazem parte, integrante e indispensável, da continua construção de uma cidadania de verdade, com direitos e deveres para todos, lembro o que Fernando Pessoa escreveu: “O mundo, à falta de verdades, está cheio de opiniões.”
Na sua sabedoria proverbial e ancestral, o povo diz que “de boas intenções está o inferno cheio”. Desejo, humildemente, dizer a este mesmo povo que, ao continuar a ler as tais frases “emolduradas”, não se esqueça que é mais fácil dar uma opinião do que procurar o bem e a verdade, em nome de todos, numa atitude de compromisso assumido e transparente.
Vítor Amorim

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