terça-feira, 24 de março de 2009

O Papa dos clichés

A primeira viagem de Bento XVI gerava, logicamente, uma grande expectativa. Era uma ocasião histórica que chegava num momento em que o Papa se via debaixo de duras críticas no Ocidente. Já escrevi anteriormente que o actual Papa não é facilmente decifrável pela comunicação social, ainda que admita que a relação não funciona bem por falhas de parte a parte. Mais uma vez, contudo, foi visível que Bento XVI está condenado a ser julgado, quase em permanência, na base de uma série de clichés: conservador, duro, retrógrado, eurocentrista, etc. É verdade que boa parte da imprensa deste lado do mundo ficou presa no "caso" do preservativo. Também é verdade, contudo, que a viagem foi muito, muito mais do que essa resposta, ainda a bordo do avião, e seis dias em solo africano merecem uma abordagem bem maior. Diria, antes de mais, que a ideia de fundo que se aplica a todas as matérias abordadas é sempre a mesma: se os africanos não assumirem as suas responsabilidades, não se sentirem protagonistas, não são ajudas vindas de fora que irão resolver o problema. Mais surpreendentes ainda do que as reacções às considerações do Papa sobre o uso do preservativo no combate à SIDA - sente-se em muitos meios uma estranha necessidade de criticar Bento XVI - foram as avaliações que menorizavam as intervenções papais em solo africano. Não sendo o seu território preferido, o actual Papa pareceu bem preparado em relação ao que iria encontrar em África - onde as pessoas fizeram questão de mostrar que gostam dele - e há questões que dificilmente fazem parte de uma perspectiva "europeísta" do mundo: guerras civis, pobreza, tribalismo e rivalidades étnicas, má governação, corrupção e violação de direitos humanos, desigualdade entre sexos e marginalização das mulheres, práticas desumanas e exploração dos recursos naturais por uma globalização injusta. Para o Papa, África deve reencontrar o seu lugar mundo e ser, no século XXI, um farol para a Igreja e para toda a humanidade. "Reconciliação, justiça e paz" são as palavras que serviram de fio condutor da viagem e servem como uma espécie de "até já" para o II Sínodo dos Bispos africanos, que decorrerá em Outubro, no Vaticano, precisamente sobre esses temas. Uma palavra final para Angola. Ao escolher visitar esta Igreja lusófona, saída de décadas de guerras terrivelmente destrutivas, o Papa quis mostrar ao resto do continente qual é o caminho que está destinado aos católicos nos vários processos de reconstrução que o fim das ilusões criadas pela independência gerou em África. Octávio Carmo

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