domingo, 20 de junho de 2010

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 189

PELO QUINTAL ALÉM – 26


A FAVA
A
Romeiros de S. João e
Manuel Ribau


Caríssima/o:

a. Já houve melhor produção, no quintal, mas chega sempre para fazer uma sopa ou então o tradicional bacalhau com favas. Ainda as reacções da criançada são as mesmas do tempo que já lá vai: uns gostam delas cruas, outros preferem cozidas com casca, outros sem casca...

e. ...tal e qual como em casa de minha falecida Mãe. Para a canalha não havia melhor manjar do que encher a barriga de favas cruas sentados no faval do alheio! Fartura que ia enganando a fome de pão.
Agora que se aproxima a festa do S. João, as favas eram muito procuradas por causa das palhas: a fogueira ao Santo não se podia apagar com falta das ditas...

i. Todos sabemos que a fava é uma planta da família das leguminosas, não trepadeira que produz vagens grandes, dentro das quais se formam as sementes usadas na alimentação humana e animal. Em algumas regiões (por exemplo, Trás os Montes), também se come a vagem onde o grão se contém, enquanto verde.

o. Na nossa região não se usa a fava para fins medicinais mas os benefícios para a saúde são grandes em certas situações nomeadamente na convalescença de doenças infecciosas (... dizem...).

u. E aí ficam umas curiosidades:


1. A lenda:

“Aquando do nascimento do Menino Jesus começaram a chegar a Belém sábios, sacerdotes e magos. Vinham prestar homenagem ao anunciado Redentor do Mundo. Os Magos não chegaram, todavia, a acordo sobre qual deles seria o primeiro a oferecer os presentes ao Menino. Resolveram então fazer um bolo contendo no interior, uma fava. O bolo seria repartido por todos, em partes iguais e aquele a quem saísse a fava teria a sorte de ofertar o seu presente antes dos outros (é a crença da fava como objecto benfazejo e signo da sorte).

A lenda não diz a quem saiu. Mas o facto correu de boca em boca e a partir daí, propagou-se o hábito de cozinhar um bolo com fava dentro, sempre que fosse necessário resolver - pela sorte - qualquer divergência."

[Quem fica com a fava no bolo-rei deve pagar o bolo no ano seguinte. Ou melhor, pagava porque agora a ASAE não deixa.]
2. E um pouco de história:

De acordo com a tradição, o bolo-rei que terá surgido em França no tempo de Luís XIV, para as Festas do Ano e dos Reis, chegou a Portugal em 1869 pela mão da Confeitaria Nacional, em Lisboa, primeiro estabelecimento conhecido a comercializá-lo. A receita rapidamente se espalhou por outras confeitarias da capital e do Porto, tendo sido pela primeira vez fabricado na cidade Invicta em 1890, por iniciativa da Confeitaria Cascais.

Embora com a proclamação da República, em 1910, tenham surgido algumas tentativas para proibir a sua confecção, tal como havia sucedido aquando da Revolução Francesa, em 1789, o bolo-rei conseguiu resistir e hoje, como ontem, continua a ser presença obrigatória na mesa dos portugueses na quadra natalícia.

Como foi a “resistência”?

Os pasteleiros portugueses, seguindo o estratagema francês, deram novo nome ao velhinho bolo-rei, passando a chamar-lhe “bolo-presidente” e “bolo-Arriaga” (aludindo ao primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga).

3. Outro estratagema!...

“A Festa da Fava é uma iniciativa de angariação de fundos para as obras da igreja que vai congregar pessoas de toda a parte. Comparece, em frente da igreja, a partir das 19h, no dia 29 de Maio.
A partilha, a alegria de todos aqueles que vivem a alegria de se sentirem úteis aos outros tendo gestos de partilha. Que o povo de Troviscal saiba estar grato, marcando presença nesta iniciativa, com todos aqueles que de longe vêm ao nosso encontro!”

4. Eu regalei-me com este prato de “favas e recordações” servido por Vitorino Nemésio [ in Corsário das Ilhas, 1956, Histórias de Mateus Queimado (Freiras da Praia)]:

“Que rico dia para semear seja o que for: fava ou recordações!
Para a fava começa a ser tarde, que já se vêem campos aflorados de faveirinhas tímidas, ainda afogadas pela terra empapada e pelo trevo.
Mas para recordações é sempre tempo.
É só meter a mão no saco e tirar.
Quanto mais do fundo, melhor!
As sementes fundeiras são menos arejadas, menos passadas ao crivo; e, assim, é sempre possível que venha no meio do grão estreme alguma papoila ou ervilhaca.
Quem disse que as searas sem monda são as mais proveitosas?
Uma papoila encarnada alegra sempre um trigal; e, quanto à ervilhaca, se não é bonita em seara, é bem-vinda na joeira ao dedo da escolhedora.
Se não houvesse ervilhacas nos granéis, haveria joeiras e joeireiros?
Para quê mós e moleiros senão para se roubar um pouco nas maquias?
A virtude não floresce sem algum pecado ao lado.
O mal e o bem integram o universo moral.”

Como isto hoje foram favas contadas e, para não pagar as favas, termino desejando-vos bom S. João antes que me mandem à fava.

Manuel



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