quinta-feira, 22 de julho de 2010

A justiça social não se esgota na administração pública


Estado social, intocável para quem sonha um poder absoluto

António Marcelino

«Um Estado que vai além de si, se absolutiza como se fora do seu raio de acção a vida não fosse possível, se arvora em senhor de tudo e de todos de modo a que todos tenham de comer pela sua mão e agir com a sua licença, acaba sempre por esvaziar o povo dos seus deveres, não consegue satisfazer os seus apelos e deixa desvirtuar os seus normais direitos, que passam a traduzir-se por exageros sem resposta possível.
O dever do Estado Social obriga-o a satisfazer as necessidades fundamentais do povo no seu conjunto. Para isso recebe os impostos com a obrigação de os saber administrar com justiça e bom senso, com prioridades definidas a partir do que é essencial. A justiça social, não se esgota na administração pública, mas não dispensa esta de a respeitar.»




Os socialistas das diversas gerações e todos os que ficam à sua esquerda exasperam-se e não suportam que se fale de revisão do Estado Social e se possa reflectir sobre a sua dimensão e os parâmetros da sua acção. Um preconceito ideológico que diz pouco da democracia de quem nele se instalou.
Porque não se reflecte de modo livre, as contradições multiplicam-se, já que as pessoas reagem segundo os seus interesses e não segundo o interesse do país, ou melhor dito, o interesse do povo.
É evidente, e ninguém o pode negar, que o Estado tem uma dimensão social, traduzida em deveres inalienáveis. A soberania nacional não reside no Estado, mas no povo. Por vezes, nem o povo tem consciência desta realidade e é ele mesmo que engrossa o Estado fazendo dele a providência, a solução e o culpado de tudo o que não se faz.
Um Estado que vai além de si, se absolutiza como se fora do seu raio de acção a vida não fosse possível, se arvora em senhor de tudo e de todos de modo a que todos tenham de comer pela sua mão e agir com a sua licença, acaba sempre por esvaziar o povo dos seus deveres, não consegue satisfazer os seus apelos e deixa desvirtuar os seus normais direitos, que passam a traduzir-se por exageros sem resposta possível.
O dever do Estado Social obriga-o a satisfazer as necessidades fundamentais do povo no seu conjunto. Para isso recebe os impostos com a obrigação de os saber administrar com justiça e bom senso, com prioridades definidas a partir do que é essencial. A justiça social, não se esgota na administração pública, mas não dispensa esta de a respeitar.
Saúde, educação, estruturas de resposta a necessidades básicas, defesa e segurança, pública e social, são o campo normal da acção do Estado. Se não se pode alhear da melhor resposta a estes problemas, não se pode, porém, esquecer que querer agir sempre e sozinho para que todas estas coisas tenham resposta adequada e atempada é cair no estatismo e no poder absoluto e anti-democrático.
Permanentemente se apela à Constituição para não se rever situações anómalas, mas não se vê que muitas o são, precisamente porque a Constituição nasceu com defeitos graves de raiz, a que só por preconceito se fecham sempre os olhos. A Constituição não é muro de defesa das ideologias dos partidos, que, por si, não são nem intocáveis, nem de cariz imutável.
Na sociedade democrática há muitos dinamismos, importantes e fortes, que o Estado não pode ignorar nem dispensar. Pensemos em alguns exemplos evidentes: O que seria deste país sem as instituições particulares de solidariedade social? Que futuro teria a economia sem a iniciativa e a persistência das pequenas é médias empresas? Que mundo sem sabor e sem beleza aí teríamos, se não fora a criação artística de tantos, aos quais se poderá negar o pão, mas não se lhes pode cortar a raiz ao pensamento e ao estro artístico? Quem tiraria da miséria imerecida tanta gente humilde, se nela não houvesse coragem para romper fronteiras e procurar fora o que dentro não era possível?
Tudo isto não se faz nem se fez por vontade por decisão do Estado, que tantas vezes mais lhes pôs e põe entraves, que apoios. Os privados, pessoas e instituições, normalmente naquilo que lhes deixam, fazem melhor, mais depressa e com menos custos que o Estado. Mas, na mente dos fanáticos do Estado Social absoluto, tudo o que é privado cheira a capitalismo, neoliberalismo e exploração do povo. Veja-se, por exemplo, a linguagem redutora e antidemocrática quando se fala de escola pública, com se o ensino privado não fosse ensino público e apenas servisse os ricos ou a elites.
Em Portugal deixou-se de pensar e por isso se multiplicam os becos sem saída. Fecha-se a porta e asfixiam-se as melhores iniciativas. Vive-se a nostalgia daquilo que ontem se condenou dos países totalitários, que foram ruindo, sem remissão, por anacrónicos e caducos. Se se continua a considerar Estado Social como Estado absoluto, a estatização de pessoas e coisas, será o coveiro do país. Já faltou mais para um final sem glória.

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