domingo, 16 de janeiro de 2011

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 220

DE BICICLETA ... ADMIRANDO A PAISAGEM - 3



O TI MELRITO

Caríssima/o:

Talvez nunca tenhas ouvido falar do Ti Melrito...
Para nós foi importante conhecê-lo. Sabes porquê?
Foi um homem simples, trabalhador e que cuidava do seu quintal com esmero, indo ao ponto de sulfatar as videiras, o que era raro na nossa Terra nos meados do século passado; mas ia muito além disso: tinha o cuidado de levantar um letreiro para avisar os incautos que prevaricassem e lhe debicassem algum cacho verdoengo. Lá se podia ler: “CONTÉM GUMITÓRIO”. Agora cada um que se acautelasse...
Bem, mas eu queria falar do exemplo que o Ti Melrito nos dava quando todo curvado (não sou capaz de precisar a idade que teria...), não sendo capaz de montar a bicicleta, agarrava-se ao guiador... e lá ia ele a pé, a puxar a sua companheira, num passeio que o levava até ao Farol...
Muito mais se poderia acrescentar, mas a nossa imaginação não fará grande esforço ultrapassando o Ti Melrito (quiçá levando-nos a saltar o muro para aquele canto onde as uvas estão mais amarelinhas... e ... antes que ele aparecesse além na curva...)

A bicicleta era usada como meio de transporte que levava muitos ao seu local de trabalho; mas o quadro que pintou Maria Teresa Filipe Reigota, no seu livro “Gafanha... o que ainda vi, ouvi e recordo”, na página 50, mostra-nos a bicicleta noutra função, também ela da maior importância. Vamos apreciá-lo:

«O Janicas [...] casou já “entradote”. Claro que namorara muitas cachopas mas só encalhou com a Laura, natural de Vagos onde vivia. Ia namorá-la à noite, às terças, quintas, sábados e aos domingos de bicicleta. Contava ele:
“Já havia uma estradita de terra batida que ligava a Gafanha da Boavista a Vagos e como de costume lá fui namorar a Laura de bescleta. As casas eram poicas e ali nos Cardais, a partir do pontão nem habia casa nenhuma. Não habia luz, o caminho era escuro, negro com'o bréu. Nunca acontecera nada,mas naquela noite já binha p'ra casa e ali na altura dos Cardais, na Quinta da Palmirinha, sinti uma coisa sempre atrás de mim e pus-me a pedalar mais; mas o raio da bescleta parecia que nem andaba, quanto mais eu pedalaba, mais a coisa corria. Parcia-me passos de animal e logo pensei: Ó é alma penada ó balisome.
Só sumbe o que era qu'ando cheguei a casa, saí da bescleta e abrim o portão. A coisa ainda introu primeiro ca mim – era o meu cão que partira o cadeado, fugiu e foi ao meu encontro.”»

Manuel

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