quarta-feira, 23 de março de 2011

Desemprego e outros problemas do mundo do trabalho provocam diminuta apreciação



UM DADO PREOCUPANTE QUE OBRIGA A REFLECTIR

António Marcelino



A vida permite-se hoje, mais ainda do que antes, auscultar, quanto possível, a sensibilidade e o empenhamento consequente de muitos cristãos e comunidades cristãs em relação aos problemas concretos da sociedade. Por esse país fora, o contacto com padres, com casais, com movimentos apostólicos, com leigos em geral, ajuda-me a manter uma cuidada atenção à vida e ao eco que a mesma provoca na vida dos cristãos. Também a leitura da imprensa ligada à Igreja dá um bom contributo neste sentido. Assim se pode verificar que, para muita gente de prática de culto regular há mais tendência e sensibilidade para as situações estritamente religiosas, que para os problemas e situações sociais. Alguns exemplos elucidativos.
A sociedade portuguesa vem enfrentando uma situação grave que toca em direitos fundamentais dos pais e dos filhos em relação à livre escolha do projecto educativo e, também, à legítima intervenção da sociedade civil e dos cidadãos em geral, no campo do ensino escolar. Não faltam decisões arbitrárias e totalitárias por parte de quem governa, passíveis de pronúncia judicial. Negam-se ou, no mínimo, esquecem-se, por razões ideológicas e interesses políticos, contributos notáveis da sociedade civil e neta se inclui a Igreja, referidas ao mundo do ensino escolar. Refiro-me às escolas privadas, ao direito dos pais, à denúncia unilateral do governo de acordos públicos, à atitude inaceitável de pôr em causa escolas necessárias, obrigando, para já a despedimentos de professores e de outros dos seus servidores e a incómodos familiares graves. Tal problema, que é nacional, parece, porém, ter deixado indiferentes muitos cristãos, pensando que o caso apenas diz respeito àqueles a que directamente toca: entidades responsáveis das escolas, pais dos alunos que as frequentam, professores e pessoal não docente que nelas trabalham. Numa diocese do país com várias escolas atingidas, no fim da reunião de um órgão diocesano de corresponsabilidade eclesial, um participante disse que o assunto não tinha sido tratado, porque não era prioritário para a diocese...
Os problemas do desemprego e outros do mundo do trabalho provocam diminuta apreciação, a menos que ocorram em zonas onde estes problemas queimam mais e multiplicam as suas vítimas.
Vêm a lume dados sobre a prática legal do aborto. Sabe-se do desprezo pelo estatuído em relação a quem pede o aborto ou o repete, de como as abortadoras passam à frente de doentes graves nas urgências hospitalares, e ainda recebem subsídios de maternidade por se negaram a ser mães. Tudo isto com um governo que retira o abono familiar a casais modestos e atira gente para a valeta da fome e do desespero. Uma realidade injusta que parece só incomodar alguns cristãos, atentos e militantes.
A desatenção aos contínuos ultrajes à instituição familiar, que a pouco e pouco a vão destruindo, é outra situação ao lado da qual muitos passam sem enfado. Em momento solene o Presidente da República falou da profunda crise de valores, salientando “o papel o papel absolutamente nuclear da família”. Reacções, só as dos que não gostaram e disseram que era apenas uma frase própria de campanha eleitoral…
Os problemas da vida, das pessoas e da sociedade, não se resolvem só com boa vontade ou com preces ao céu. Exigem fé coerente, empenhamento, acção organizada, intervenção oportuna, denúncia corajosa. Vivemos um clima de abusos do poder nas mais diversas expressões. Quem se vê a reagir com propostas válidas?
Uma fé esclarecida pede aos cristãos que sejam presença viva no mundo para aí anunciarem e construírem um reino de verdade e de justiça, onde tenham lugar de prioridade aos mais pobres e excluídos da sociedade. Isto obriga a reformular muitas propostas de formação que parecem ter no horizonte apenas o regresso ao templo.
Com uma sociedade a arder e a sofrer, dói verificar-se que muitos cristãos de consciência tranquila se foram alheando da vida e da realidade. Tanto a mensagem evangélica como as determinações conciliares do Vaticano II mostram o horizonte da vida cristã activa que não é, por certo, aquele que parece fascinar muitos crentes.
A atenção comprometida à história humana é condição para que nela aconteça a história de salvação. Deus não age no vazio. Que esta Quaresma, na qual se vai pregar e rezar mais, abra os olhos do coração de pregadores e ouvintes, para os gritos, agora mais gritados, de muita gente que precisa de se sentir amada, escutada e ajudada.

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