quarta-feira, 30 de março de 2011

A Economia é indissociável da Justiça

«Socialismo na gaveta»?

Acácio Catarino

Na luta contra a crise económica do início dos anos oitenta, o Dr. Mário Soares deixou cair a afirmação de que era necessário meter o socialismo na gaveta. A frase prestou-se, certamente, à deturpação das intenções do seu autor; agora, pode voltar a surgir, assim deturpada, num contexto muito mais desfavorável do que há trinta anos. O mais grave deste slogan, interpretado de maneira simplista, é afirmar exactamente o contrário do recomendável: No fundo afirma que, numa crise económica, não se pode atribuir prioridade à solução dos problemas sociais; devem meter-se na gaveta as preocupações de natureza social veiculadas pelo socialismo e por outras orientações de humanismo social, tais como, por exemplo, a social-democracia e a democracia cristã.
Rejeitando este engavetamento, a encíclica «Caritas in Veritate», de Bento XVI, defende que «os cânones da justiça devem ser respeitados desde o início, enquanto se desenrola o processo económico, e não depois ou marginalmente» (nº. 37). Há, pelo menos, três razões favoráveis a esta linha de orientação: Em primeiro lugar, a economia, tal como as demais actividades humanas, é indissociável da justiça, sob pena de não ser humana; depois, acontecendo a separação entre a economia e a justiça, vai ser muito difícil a reconciliação; e, por fim, havendo justiça, as populações estarão mais disponíveis para suportar os sacrifícios resultantes da crise e para se empenharem na construção de um «mundo melhor».
O imperativo de conciliação entre a economia, a justiça e a ética deveria impelir-nos a todos nós, sobretudo aos católicos, a atribuir toda a prioridade à socialização, preconizado por João XXIII, na encíclica «Mater et Magistra» (nºs. 59-67) e assumida pelo Concílio Vaticano II e pelo magistério pontifício subsequente. Não se pense que esta socialização é redutível ao socialismo, à social-democracia, à democracia cristã ou a qualquer outro tipo de sistema económico ou regime político. Ela constitui um referencial doutrinário básico, susceptível de concretização através de qualquer um que esteja empenhado no humanismo social.
A ocorrência do 50º. aniversário daquela encíclica aconselha-nos a revisitá-la, especialmente na perspectiva da socialização; nela encontra-se uma inspiração básica, e indispensável, para a superação da crise actual.

(Continua)

Fonte: Correio do Vouga

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