quarta-feira, 30 de maio de 2012

Dimensões da Igreja ainda pouco explicadas


Por António Marcelino




«Numa Igreja que é santa, pelo Espírito que a anima, mas sempre necessitada de conversão e de purificação, todos os seus membros são chamados, de igual modo, a caminhar, na sua vida diária e de modo consciente e livre, para adquirir, à sua medida, a perfeição querida por Deus e a todos acessível. Ser santo não é privilégio de alguns, é possibilidade de todos. E é na vida do dia a dia, com os seus trabalhos e canseiras, alegrias e desgostos, êxitos e fracassos, que se vai processando o caminhar à maneira e à medida de Cristo. O caminho é sempre o do amor a Deus e ao próximo, porque sempre a caridade será o vínculo da perfeição.» 

Vista, de fora e por muitos, a Igreja como uma sociedade clerical, não tem sido fácil, como é de direito, a integração do laicado no corpo eclesial. O reconhecimento, não meramente formal, dos direitos e dos deveres dos leigos cristãos, obriga a propostas de formação espiritual e doutrinal, muitas inexistentes, por rotina ou por falta de atenção a aspetos importantes. O Vaticano II, na constituição sobre a Igreja, que vimos comentando, refere dois temas de especial importância, que continuam pouco explicados aos cristãos: a vocação de todos à santidade e a condição da Igreja que peregrina no tempo, rumo à sua plenitude para além do tempo. 

Numa Igreja que é santa, pelo Espírito que a anima, mas sempre necessitada de conversão e de purificação, todos os seus membros são chamados, de igual modo, a caminhar, na sua vida diária e de modo consciente e livre, para adquirir, à sua medida, a perfeição querida por Deus e a todos acessível. Ser santo não é privilégio de alguns, é possibilidade de todos. E é na vida do dia a dia, com os seus trabalhos e canseiras, alegrias e desgostos, êxitos e fracassos, que se vai processando o caminhar à maneira e à medida de Cristo. O caminho é sempre o do amor a Deus e ao próximo, porque sempre a caridade será o vínculo da perfeição. 

O Concílio insiste no dever de os pastores da Igreja estimularem os cristãos, com o seu próprio testemunho, a fazer o caminho da santidade. E muitos andam já este caminho, de modo silencioso, mas consciente. De isso se apercebem outros cristãos, e mesmo não cristãos, mais sensíveis à ação do Espírito. A maioria dos santos da Igreja são anónimos e nunca subirão aos altares, mas a sua memória perdura para além do tempo. Casais, pais, operários e rurais, intelectuais e políticos, por estranho que pareça, fazem parte da multidão dos que testemunham, no mundo e no tempo, a santidade de Deus, como ideal das suas vidas. 

Esta caminhada, rumo a mais além, faz-se no seio de uma Igreja que peregrina e de uma sociedade, também ela marcada por um ideal que não se contenta com o que já se conseguiu, mas aberto a novas experiências de bem e de amor partilhado. O cristão, acordado e iluminado pela fé, sabe que não tem aqui morada permanente, que a sua condição é de peregrino, que a sua dignidade não se contenta apenas como transitório e o efémero. Nunca poderá esquecer que está no mundo, mas não é do mundo; que tem aqui uma missão a cumprir que lhe vem, como encargo, dos seus primórdios; que a sua realização pessoal se vive cultivando o seu ser e a sua dignidade na entrega a uma missão, com efeitos para além do tempo e do imediato. A Igreja confessa a sua fé no Senhor que virá e clama em cada Eucaristia: “Vinde, Senhor Jesus!”. Sente, neste grito, o estímulo a não se quedar no tempo, mas a saborear a atração do eterno. Os santos e Maria, Mãe de Jesus, estimulam, porque já a fizeram, esta caminhada da Igreja peregrina que busca a sua plenitude, onde ela se encontra: em Deus, origem da vida, fonte do bem, amor inesgotável, Pai misericordioso, no qual “todos nos movemos, existimos e somos”. 

Tanto o chamamento universal à santidade, como o peregrinar no mundo com sentido de eternidade, são apoio nas dificuldades, experiência de tempo nunca perdido, sabor de alegria e paz, diferentes das que o mundo promete e dá. Tudo isto é doutrina conciliar, a que o Povo de Deus tem direito. A pobreza de uma pregação rotineira nunca poderá abrir horizontes que gerem a alegria da fé e a certeza se sentir amado.

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