terça-feira, 13 de novembro de 2012

Um diálogo que desce ao concreto

Por António Marcelino



«Por estes documentos [do Vaticano II] passam problemas como a dignificação da pessoa, o bem comum, a dimensão social e humana da economia, a conceção da empresa como comunidade, a democracia representativa, os sindicatos, os problemas do mundo rural, a colaboração para a paz e tantos outros. A Constituição assume estes temas e muitos outros e o resultado desta reflexão será agora, não apenas do Papa, mas do magistério do Colégio Episcopal, reunido em Concílio Ecuménico.» 

A segunda parte da Constituição “Gaudium et Spes”, à luz e com base na reflexão antes proposta e muitas vezes esquecida, abre um grande leque de campos de diálogo sobre problemas sociais concretos: a comunidade humana, a atividade humana no mundo, a missão da Igreja no mundo do nosso tempo. E, considerando os problemas, então mais urgentes, abre sobre eles a reflexão possível para equipar os bispos e os cristãos em ordem à sua colaboração na procura de melhores soluções: dignidade do matrimónio e da família, promoção do progresso cultural, vida económico-social, vida da comunidade política, promoção da paz e da comunidade dos povos, edificação da comunidade internacional…
Muitos destes problemas já tinham sido objeto de uma reflexão anterior, por parte de alguns setores da Igreja. Assim foi, desde os finais do século XIX e ao longo do século XX, a partir das encíclicas sociais e discursos e rádio mensagens dos diversos papas até ao Vaticano II. Trata-se do que chamamos a Doutrina Social da Igreja, apresentada de modo sistemático, e contemplando os grandes problemas sociais surgidos a partir da revolução industrial, alguns dos quais deixaram mais empobrecida a civilização rural que vigorava de há séculos. Recordamos a “Rerum Novarum” (“Das Coisas Novas”) de Leão XIII (1891); a “Quadragesimo anno” (“No Quadragésimo Aniversário”), de Pio XI (1931); as dezenas de discursos e radiomensagens de Pio XII, sobre os mais diversos temas sociais e políticos (entre 1939 e 1958). E ainda a “Mater e Magistra” (“Mãe e Mestra”), de João XXIII (1961), e, já com o Concílio reunido, a famosa “Pacem in Terris” (“Paz na terra”), do mesmo Papa (1963).
Por estes documentos passam problemas como a dignificação da pessoa, o bem comum, a dimensão social e humana da economia, a conceção da empresa como comunidade, a democracia representativa, os sindicatos, os problemas do mundo rural, a colaboração para a paz e tantos outros. A Constituição assume estes temas e muitos outros e o resultado desta reflexão será agora, não apenas do Papa, mas do magistério do Colégio Episcopal, reunido em Concílio Ecuménico. 
A Igreja que assume a autonomia das realidades terrestres declara-se servidora do mundo, atenta às transformações da sociedade e aos permanentes desafios: desafio dos pobres e marginalizados, desafio do não sentido, ou seja da carência de meios de viver e sobretudo da razões de viver, desafio do individualismo desenfreado e da indiferença corrosiva. Aceita, deste modo, a sua condição presente e futura de ser Igreja que luta e sofre para dar testemunho e ser sinal de salvação do homem.
Porque se trata de uma Constituição Pastoral, mostra que os problemas humanos estão sempre em aberto, sem soluções definitivas. Quando se progride em algum aspeto, logo surgem novos desafios, novos problemas. Paulo VI publica em 1971, oitenta anos depois da “Rerum Novarum” e doze depois do encerramento do Concílio, a carta “Octogesimum adveniens” (“Por ocasião dos oitenta anos”). É um documento que, para além do realismo dos problemas enunciados, é também uma pedagogia conciliar, que obriga a Igreja, por dever, a estar atenta aos novos sinais dos tempos. E fala da democratização, da emancipação da mulher, do movimento ecológico, do surto alargado das migrações, das novas correntes políticas e culturais.
Com este artigo termino o comentário de cariz jornalístico e ao alcance de todos, por isso mesmo não um estudo em profundidade dos diversos documentos conciliares. De todo o lado, muitas pessoas me falam de quanto lhes foram úteis estes artigos e lhes permitiram ver o Concílio, que não conheciam, com outros olhos. Esse foi, não outro, o meu objetivo e o meu contributo aos leitores, nos 50 anos do Vaticano II.

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