domingo, 16 de dezembro de 2012

A Igreja não é partido político

António Marcelino
Princípios propostos 
para problemas da sociedade
António Marcelino

A hierarquia da Igreja e os cristãos, em concreto os mais preparados e intervenientes, vivem, em cada tempo e, mais ainda nos tempos de crise, um incómodo que pode redundar em tentação ou em deixar correr. A Igreja, pela sua missão profética, não se pode omitir ante os problemas da sociedade, mormente quando atingem as pessoas e destas as mais vulneráveis. Mas, de modo normal, não deve ir além de um apontar, de modo claro e como proposta, que também pode ser denúncia, os princípios, éticos e morais, iluminadores de decisão e ação para quem tem de decidir e agir. A sua competência não é indicar soluções técnicas ou desenhar estratégias políticas para a solução dos problemas em campo, devendo evitar também os juízos críticos generalizados. Mais se indica, para bem das pessoas e das comunidades, o caminho por onde, com alguma segurança, se pode ir ou não ir.


As pessoas pedem e querem soluções e não há entrevista em que o jornalista não insista sobre o que, em concreto, faz ou deve fazer a Igreja. Este modo de agir vem de longe. Por um lado pode entender-se como confiança e apreço, mas o mais normal é ser a expressão de um pragmatismo que esquece ou desconhece as competências de cada um. A Igreja não é partido político nem no governo, nem na oposição 
A humanização da sociedade e das relações pessoais, espaço em que a Igreja quer e deve tomar parte, não a pode colocar ao mesmo nível dos governantes, das forças políticas, dos peritos em aspetos sociais e económicos. Também entre estes há cristãos que, pela sua ação e testemunho, devem colaborar nas melhores soluções. Mas fazem-no em nome próprio, não da hierarquia da Igreja, embora a sua formação esteja baseada em valores humanos e evangélicos, para eles inspiradores de ação. As atividades seculares, familiares, profissionais e sociais, são campo da legítima autonomia dos leigos, como cristãos no mundo e agentes responsáveis nas estruturas temporais. À hierarquia da Igreja compete a proposta doutrinal de princípios a respeitar, bem como o dever de proporcionar aos leigos meios de formação acessíveis, e de os ajudar a viver e a agir em colaboração com os outros agentes em campo, sempre conscientes do mundo plural em que vivemos. Como elementos de formação dispõem os leigos do rico património da Doutrina Social da Igreja, onde a clareza dos princípios e a multiplicidade dos problemas refletidos é ferramenta válida para o trabalho de intervenção social a realizar em cada tempo e lugar. É verdade que a complexidade dos problemas e o número dos agentes num mundo globalizado, nem sempre facilita a reflexão, nem avaliza a proposta. Mas a Doutrina Social não se confina a um tempo e a um lugar. Os princípios, para quem não cai na tentação de os relativizar, dizem sempre muito mais e não se reduzem à letra que simplesmente os propõe.
Há, porém, uma tentação real que surge quando os hierarcas dos diversos graus se metem pelos campos difíceis da politica e da economia e dão pareceres e soluções que ultrapassam a sua competência. Pode acontecer, e não faltam exemplos de padres, mesmo entre nós que, por via da sua competência no exercício de uma profissão, sempre foram ouvidos, como mestres, em questões que extravasavam o múnus espiritual, mas eram do seu campo profissional. Recordemos os Padres Manuel Antunes e Luís Archer, ambos professores da Universidade de Lisboa, que permanecem vivos na história da escola onde ensinaram gerações, por força do seu pensamento e da sua cultura.
Pelos princípios que propugna e propõe, há campos em que a Igreja atua, diretamente, dentro das regras estabelecidas. É ocaso da ação social e da educação, usando aí da competência de séculos e do direito democrático que lhe assiste. Mas nada disto invalida o respeito pelo que lhe é específico, de modo a que não pareça uma força concorrente ao lado de outras, mas sempre uma instância moral que, nestes campos, não visa mais que a defesa dos direitos integrais das pessoas e das comunidades, a liberdade das mesmas e o seu legítimo poder de opção e decisão. A Igreja é, por vezes, uma força e uma voz incómoda para os poderes políticos com tendência totalitária e para os poderes económicos, sejam eles coletivistas ou ultraliberais. Por isso, aparece sempre na afirmação e defesa persistente do bem comum, como primeiro objetivo de uma democracia representativa, na defesa equilibrada de todos os cidadãos, especialmente dos mais fragilizados e indefesos da sociedade. Não se trata de um ação religiosa no sentido habitual, mas de um contributo social que só será menosprezado pela cegueira preconceituosa dos que, acriticamente, reagem a tudo quanto lhes cheira a religião.
Será sempre o bom senso a orientar, em cada momento, a proposta e a intervenção dos que aparecem, sem disfarces, membros da hierarquia eclesiástica.


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