sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Com o Vaticano II, os programas pastorais pouco ou nada mudaram


O Concílio é de hoje, o passado não o esgotou
António Marcelino

António Marcelino


«Hoje dispomos de meios variados para chegar ao povo cristão. Há que aproveitá-los também, em ordem ao seu conhecimento do Concílio, à renovação comunitária e ao compromisso cristão na sociedade. Não se pode ouvir, por mais tempo, a queixa de muita gente que diz não ir mais longe, porque ninguém lhe dá a mão. A Igreja é constituída por pessoas normais, jovens e adultos. Se se pensa só nas elites e estas não são formadas para ir ao encontro dos outros com o seu saber e experiência de fé, trabalha-se em vão e empobrece-se sempre mais a comunhão eclesial.»



O Vaticano II não foi um acontecimento eclesial do passado. Os papas têm alertado para a sua atualidade e para o perigo de o pensar esgotado. Bento XVI insistiu há pouco na “necessidade de regressar, por assim dizer, à letra do Concílio, ou seja, aos seus textos, para encontrar também neles o seu autêntico espírito, e repetiu que a verdadeira herança do Vaticano II se encontra nos seus documentos (11-10-2012).
A maioria dos cristãos das comunidades paroquiais desconhece o Concílio. Muitos confessam que nem sequer ouviram falar dele. Gerações mais recentes de padres e de leigos, embora com alguma informação do acontecimento, em grande parte não mastigaram as suas orientações, de modo a fazer delas caminho pastoral e apostólico. 
Expressões conciliares entraram no vocabulário corrente do clero, porém, os programas pastorais pouco ou nada mudaram no seu conteúdo e objetivos. Algumas formas antigas da vida da Igreja ganharam, com o Concílio, algum verniz. No fundo, continuam portadoras da mesma ferrugem que levou a Igreja à estagnação e à morte da criatividade. Esta situação, que não se pode generalizar, não é apenas de Portugal. Países da velha cristandade com as mesmas carências, à medida que vão acordando, sentem a necessidade de procurar formas de renovação à luz do Vaticano II, tentando aproveitar, nesse sentido, o jubileu que se comemora.
Para Paulo VI, o Sínodo dos Bispos destina-se a continuar a renovação conciliar, por isso se empenhou nesta estrutura para que ela fosse o instrumento com que sonhara. Os sínodos diocesanos, realizados e depois continuados, são meios válidos e adequados para viver o Concílio e o levar ao povo cristão. Cinquenta anos depois há dioceses que ainda não realizaram o seu sínodo. A sinodalidade ou o trabalho pastoral em comunhão, com grupos eclesiais de leigos, clérigos e consagrados, jovens e adultos, é importante e permite, de modo organizado, andar o caminho que o Concílio preconiza. 
Conferências, colóquios, mesas redondas, sobre o Concílio, têm o seu valor, mas pouco saem das cidades, das vilas e dos movimentos apostólicos. Por isso, não chegam longe. O povo é capaz de entender e de pôr em prática o Concílio. Há que ultrapassar a afirmação fácil de que a gente simples não entende e basta dar-lhe o que sempre se lhe deu e com isso se contentou. O povo cristão não pode andar distraído com atividades de passagem e sem futuro.
A reflexão de Paulo VI sobre a “Evangelização no Mundo Contemporâneo” (1975), documento sempre atual, é um apelo conciliar à inovação e à criatividade pastoral, em ordem à missão evangelizadora da Igreja, sempre necessitada de apoios renovadores. Há que fomentá-los, porque a criatividade pastoral não se faz por decreto. Faz-se pela reflexão teológica e conhecimento da realidade, gerando formas pastorais com futuro. 
Uma iniciativa recente da diocese de Bilbao, inspirada em dioceses do sul de França, parece-me concreta e acessível. Os serviços diocesanos de pastoral, ao verem que o povo continua a desconhecer o Concílio, criaram a “Cita conciliar”. É um convite alargado a todos para conhecerem, em grupo, os documentos e as orientações do Vaticano II. Oito dias antes do grupo reunir, distribui-se, nas missas dominicais, uma folha com um texto conciliar, breve e claro, a ser refletido, e convida-se à participação. As paróquias assumem e organizam. Os grupos multiplicam-se e a iniciativa, pelo seu êxito, passa já a outras dioceses. Tudo muito simples, viável e económico.
Hoje dispomos de meios variados para chegar ao povo cristão. Há que aproveitá-los também, em ordem ao seu conhecimento do Concílio, à renovação comunitária e ao compromisso cristão na sociedade. Não se pode ouvir, por mais tempo, a queixa de muita gente que diz não ir mais longe, porque ninguém lhe dá a mão. A Igreja é constituída por pessoas normais, jovens e adultos. Se se pensa só nas elites e estas não são formadas para ir ao encontro dos outros com o seu saber e experiência de fé, trabalha-se em vão e empobrece-se sempre mais a comunhão eclesial.
Tudo quanto se faz na Igreja ou esta realiza pelas suas comunidades e membros, tem de se orientar no sentido da missão evangelizadora a que ela é chamada todos os dias. Tudo deve visar um futuro consistente. Não é tarefa de passagem, pois se destina a ajudar as pessoas a crescer e a tornarem-se ajudadoras de outras. A Igreja não é massa, é Povo de Deus. Este não se entretém, respeita-se. Por muito tempo andaram as pessoas ao serviço de uma instituição envelhecida e centralizada no clero. Agora, é preciso ouvi-las e dar-lhes, em comunhão e unidade, o seu lugar de protagonistas ativos de uma história pessoal e comunitária. O Vaticano II acordou a Igreja para a urgência deste trabalho. Se despertarem do sono os mais responsáveis, o povo despertará também e mostrará o que é capaz.

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