quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Natal desde as "periferias" da humanidade

Reflexão de Jorge Carvalhais 
no Correio do Vouga




Embalado pelo cante, 
representado pela arte, 
meditado pela poesia

Desde a sua eleição, o Papa Francisco mostrou-se determinado em sair dos corredores do Vaticano ao encontro das "periferias" da humanidade.
E, com esse seu exemplo, incita-nos a que façamos o mesmo.
Recentemente, reli a Mensagem que o novo Papa escreveu para o primeiro Dia Mundial das Missões do seu pontificado, em outubro de 2013. Nela, Jorge Mário Bergoglio, iluminado pela Alegria do Evangelho e imbuído do espírito de Assis, apelava a que nos desinstalássemos e saíssemos do "espaço fechado" em que vivemos, para levarmos a Boa Nova "à periferia". Mas estaremos nós dispostos a acolher o que "as periferias" têm para nos ensinar?
Ora, vem esta reflexão a propósito da época que se aproxima e do sentido que devemos dar ao Natal. Daí que, na minha partilha natalícia anual com os leitores do Correio do Vouga, tenha querido deixar poucas palavras pessoais. Antes prefiro ofertar três pequenas "lembranças": um tema musical, uma peça de artesanato e um poema.
Em comum, todas elas têm o facto de terem nascido das "periferias": da margem esquerda do Guadiana, no Alentejo mais distante e profundo; da savana ugandesa, coração da África, Terra-Mãe; da Amazónia meridional, na Pátria Grande, latino-américa querida.
E apesar de nenhuma ser da minha autoria, estou certo de que os seus autores não se importarão que eu faça delas os meus "presentes" de Natal 2014.




l - Cante ao Menino, tradicional das polifonias alentejanas de Pias, na margem esquerda do rio Guadiana, tida por alguns como a região mais descristianizada do país, em recolha feita pelos padres Aparício e Cartageno.
"Ponde em nós os Vossos olhos, Misericórdia, Amor"
- O meu Menino, de Pias

Para ouvir ou descarregar na página oficial da diocese de Beja
http://www.diocese-beja.pt/site/index.php?name= CmodsDownload&file=index&req=viewsdownload&s id=5

2- Presépio feito à mão, por artesãos que habitam a savana do norte-nordeste do Uganda, no coração do continente africano.

3- Poema para o Natal 2014, de Pedro Casaldáliga, bispo emérito da Prelazia de S. Félix do Araguaia, na Amazónia meridional brasileira, berço dos ameríndios Xavante.

Sobe a nascer comigo,
diz o poeta Neruda.
Desce a nascer comigo,
diz o Deus de Jesus.
Há que nascer de novo,
irmãos Nicodemos
e há que nascer subindo desde baixo.

De esperança em esperança,
de presépio em presépio,
ainda há Natal.
Desconcertados pelo vento do deserto
que não sabemos donde vem
nem para onde vai.
Encharcados no sangue e na cobiça,
proibidos de viver
com dignidade,
só este Menino nos pode salvar.
De esperança em esperança,
de presépio em presépio,
de Natal em Natal.
Sempre de noite
nascendo de novo,
Nicodemos.

"Desde as periferias existenciais;"
com a fé de Maria
e os silêncios de José
e todo o Mistério do Menino,
há Natal.

Com os pobres da terra, confessamos
que Ele nos amou até ao extremo
de entregar-nos seu próprio Filho,
feito Deus vindo a menos,
em Kenosis total.
E é Natal.
E é Tempo Novo.
E a consigna
é que tudo é Graça,
tudo é Páscoa,
tudo é Reino.

Não se trata de nenhum excesso de saudade do Alentejo, região onde tive o privilégio de nascer; nem de nostalgia da Terra Vermelha latino-americana onde vivi; nem tampouco de recordação melancólica da Africa negra que recentemente descobri. Trata- se, tão-somente, de lembrar as vozes de quem vive nas periferias da humanidade. Lá, onde se sente o nascimento do Menino-Deus em toda a sua plenitude. Onde se relegam as luzes, os comércios, as "promoções" de natal, mas onde se identifica o Nascimento do Salvador, "pobre, em Belém/sorrindo na dor", deitado e aquecido nas palhas, irmanado com os deserdados do mundo "civilizado".
Deixo apenas uma última dica: que os três presentes sejam usufruídos pela ordem que vos apresento. Dessa forma talvez se entenda melhor por que os três me têm ajudado tanto, ao longo deste Advento, a libertar- me dos "espaços fechados" nos quais o meu egoísmo insiste em encarcerar-me.

A todo(a)s um Feliz e Santo Natal!


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