sábado, 21 de março de 2015

Periferias, eleições e Portugal

Crónica de Anselmo Borges 
no DN de hoje


1. Deus ama o mundo: este é o núcleo da mensagem do Evangelho, o que significa que, ao contrário do que tem feito frequentemente, a condenação do mundo, concretamente, do mundo moderno, não pode constituir programa para a Igreja. Esta é a mensagem do Papa Francisco, que conquistou o coração das pessoas precisamente pelo amor. No meio deste nosso mundo perigoso e sem esperança, ele "constitui a única e a grande reserva moral global", escreveu o eurodeputado Paulo Rangel. Francisco é um pároco que entregou a vida aos que lhe foram confiados, que são todos. Um pároco universal. Nessa qualidade, acaba de dar uma entrevista, não a profissionais, mas a La Cárcova News, revista de um bairro pobre argentino. Deixo aí pontos essenciais.
Tem medo de fanáticos que o querem matar? "A vida está nas mãos de Deus." "Peço-lhe um único favor: que não me doa. Porque sou muito cobarde em relação à dor física."~

Em que pensa, quando fala de periferias? Movemo-nos à vontade em espaços que controlamos. "Esse é o centro. À medida que vamos saindo do centro, vamos descobrindo mais coisas. E, quando olhamos para o centro a partir das novas coisas que descobrimos, das novas posições, da periferia, vemos que a realidade é diferente. Uma coisa é ver a realidade a partir do centro e outra é vê-la a partir do último lugar aonde chegaste." Magalhães viu a Europa de modo diferente a partir das Américas. "A realidade vê-se melhor a partir da periferia do que a partir do centro." Também a realidade da pessoa e do pensamento. Quando confrontamos o que pensamos com quem pensa diferente, enriquecemo-nos. Por isso, ele escuta as pessoas, também as que não concordam com ele. "Sempre te vão dar algo ou pôr-te numa situação na qual tens de repensar as coisas."
O mais importante a dar aos filhos? "A pertença a um lar. A pertença dá-se com amor, com carinho, com tempo, levando-os pela mão, escutando-os, jogando com eles. Sobretudo dando--lhes lugar para que se exprimam. Se não brincas com os teus filhos, estás a privá-los da dimensão de gratuidade. Se lhes não dás lugar para dizerem o que sentem e até para discutirem contigo, porque se sentem livres, não os estás a deixar crescer." "Mas o mais importante é a fé", que não é "um sentimento", mas um combate numa relação viva com Jesus Cristo.
Sobre a droga: "O que mais me preocupa é o triunfalismo dos traficantes."
E os jovens e as relações virtuais? "Evidentemente, o desejável é a relação não virtual, isto é, a relação física, afectiva, a relação no tempo e em contacto com as pessoas. Vós podeis amar outra pessoa, mas, se não lhe apertais a mão, não lhe dais um abraço, isso não é amor."
E sobre as eleições na Argentina? "Primeiro, um programa eleitoral claro. Que cada um diga: nós, se formos governo, vamos fazer "isto". Bem concreto. O programa é fundamental, ajuda as pessoas a verem o que cada um pensa. Por vezes, os próprios candidatos não conhecem o programa eleitoral. Um candidato tem de apresentar--se à sociedade com um programa eleitoral claro, bem estudado, dizendo explicitamente: "Se for eleito, vou fazer "isto", porque penso que "isto" é o melhor que há para fazer." Segundo: impõe-se "honestidade na apresentação da própria posição". Terceiro: há uma coisa que "temos de conseguir, oxalá a possamos conseguir: uma campanha eleitoral de tipo gratuito, não financiada. Porque nos financiamentos das campanhas eleitorais entram muitos interesses que depois "te passam a factura". Ora, é preciso ser independente de quem me possa financiar uma campanha eleitoral." Claro que isso é um ideal, pois há necessidade de dinheiro para cartazes, para isto e aquilo. "Mas então que o financiamento seja público. Desse modo, eu, cidadão, sei que financio este candidato com esta determinada quantia de dinheiro. Que tudo seja transparente e limpo."

2. Em Portugal, tudo cheira e respira eleições. E talvez esta mensagem de Francisco possa ser útil.
De facto, embora com inegáveis sinais positivos, o país não tem razões para euforias. Como e quando se paga a dívida externa e interna? Quando se pensa no tsunami demográfico à vista, com a inversão da pirâmide das idades, pergunta-se: quem pagará as reformas, a Segurança Social, a educação, a saúde? Que políticas para minorar as assimetrias sociais, criar emprego? Como foi possível ir tão longe na corrupção? A população não tem confiança na justiça nem nos políticos, que, em vez de apresentarem políticas viáveis e coerentes para o futuro, continuam entretidos em casos e em interesses partidários (oxalá sem cumplicidades com grandes interesses económico-financeiros). Sem ética, não vamos lá.
E a Igreja? Paulo Rangel, depois de ter apresentado Francisco, que "tem sabido ser um profeta do exemplo", escreveu que "à Igreja portuguesa falta o sentido profético e a nós mingua-nos o exemplo".

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