sábado, 11 de abril de 2015

Mete a tua mão no meu lado

Reflexão de Georgino Rocha


«As feridas da paixão de Jesus continuam nos “feridos da vida” em todas as situações existenciais: em crianças violentadas e mal-amadas, em casais instáveis e amargurados, em famílias reconstruídas sem sucesso, em desempregados sem horizontes de trabalho estável, em pessoas doentes desamparadas, em perseguidos e torturados por defenderem a sua consciência e a sua fé, em espoliados da dignidade humana, silenciados à força e “varridos” da memória colectiva.»

Jesus toma a iniciativa de provar aos discípulos e, por eles, a todos nós que não é um fantasma pascal, mas um ser humano integral ressuscitado. Recorre, segundo o evangelista narrador -Jo 19, 20-31- a várias estratégias e recursos para se manifestar e deixar reconhecer: a Madalena aparece como jardineiro e tem com ela um diálogo enternecedor; aos discípulos de Emaús como caminhante anónimo e acompanha, conversa e explica de tal modo o sentido das Escrituras que lhes aquece o coração arrefecido pelos acontecimentos trágicos de Jerusalém; aos pescadores cansados no mar da Galileia como mestre que reorienta o trabalho e prepara a refeição que partilha com eles ao regressarem da faina; aos discípulos-apóstolos aferrolhados em casa com medo dos judeus como Alguém surpreendente que se identifica exibindo as cicatrizes das feridas da sua paixão e crucificação, depois de os saudar na alegria da paz e enviar em missão de perdão, depois de lhes dar o Espírito Santo do revigoramento e da misericórdia. Estes factos são mencionados para comprovar o propósito claro de Jesus; outros aconteceram e não chegaram a ser registados; e muitos outros estão a acontecer, embora nem sempre identificados e anunciados. 

As cicatrizes das feridas ficam como marca da identidade de Jesus Cristo. A prova definitiva surge com o céptico Tomé, ausente do grupo naquele dia. “Vimos o Senhor”, dizem-lhe os colegas, cheios de alegria. O peso do drama do Calvário era demasiado grande para acreditar num simples testemunho. As sequelas faziam-se sentir. A dispersão de uns, como os discípulos de Emaús, a lentidão mental de outros para compreenderem o alcance do acontecido, a dúvida fundada de Tomé – ele que na visita a Lázaro, estava disposto a morrer com Jesus - as exigências postas para a sua superação constituem amostras sérias da novidade inaudita anunciada.

“Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; aproxima a tua mão e mete-a no meu lado e não sejas incrédulo, mas crente” – diz Jesus em amoroso convite e terno apelo com um “ar” de suave censura. Tocar, ver, aproximar e meter são os passos indicados para superar a dúvida e abrir-se à fé. A referência fundamental é a cicatriz das feridas que constituem a marca da identidade do crucificado-ressuscitado. Sem elas, Jesus fica desfigurado e a sua missão adulterada. Sem elas, o anúncio jubiloso dilui-se em confusas ondas sonoras que dessintonizam o ritmo harmonioso do Evangelho. Sem elas, a Igreja convocada para viver o Jubileu da misericórdia, deixa secar a fonte do amor que lhe dá origem, abrangência e sentido. Sem elas, a acção pastoral das comunidades cristãs e o apostolado social dos leigos perde a sua matriz e desvirtua a sua finalidade: Que toda a realidade humana se instaure em Cristo, o crucificado-ressuscitado.

As feridas da paixão de Jesus continuam nos “feridos da vida” em todas as situações existenciais: em crianças violentadas e mal-amadas, em casais instáveis e amargurados, em famílias reconstruídas sem sucesso, em desempregados sem horizontes de trabalho estável, em pessoas doentes desamparadas, em perseguidos e torturados por defenderem a sua consciência e a sua fé, em espoliados da dignidade humana, silenciados à força e “varridos” da memória colectiva.

Jesus está nos espaços onde a vida é espezinhada como foi a d’Ele. Aqui mostra a sua identidade. Aqui a pergunta de Pilatos: “Que é a verdade?” e a sua declaração: “Eis o Homem” encontram resposta adequada no gesto e na oração de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”. Querer vencer as dúvidas e chegar à verdade é aceitar a indicação preciosa que as feridas vistas e tocadas oferecem e onde se descobre o amor que as sustenta e lhes dá sentido solidário e libertador.

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