sábado, 30 de maio de 2015

Domingo da Santíssima Trindade: Ide e fazei discípulos

Reflexão de Georgino Rocha



«Deus não é um solitário, 
um surdo-mudo fechado em eterno silêncio, 
um ausente distante e indiferente à sorte da humanidade, 
um rival concorrente da autonomia do ser humano»


A missão que Jesus confia aos seus discípulos e, neles, a toda a Igreja, é condensada por Mateus nesta fórmula precisa e operativa: “Ide e ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Mt 28, 16-20. É missão a realizar em todos os tempos e culturas. É missão que inicia os candidatos à vida cristã em dois “momentos” mais significativos do seu itinerário para a maturidade: o anúncio jubiloso da novidade de Cristo e a celebração do baptismo. É missão a prosseguir na comunidade eclesial e sociedade civil, em todos os espaços de convivência humana.

Assim, é em nome da Santíssima Trindade que a Igreja desenvolve a sua acção: aprendendo e ensinando, sendo santificada e santificando, deixando-se amar e irradiando o amor. A fonte original é Deus família, é trindade em relação, é cada pessoa em comunhão: O Pai da paz, comprometida e activa, o Filho da justiça que toma partido pelos empobrecidos e excluídos, o Espírito da liberdade tolerante que aceita e respeita as opções de consciência de todos os humanos.



Jesus não pretende que os discípulos compreendam esta realidade sublime, embora a razão esteja dotada de ricas capacidades para a reflexão e investigação. Não pretende que decifrem o mistério, apesar das vezes em que lhe faz referência directa nos seus ensinamentos e atitudes. Ele, melhor que ninguém, conhece o limite humano, a reduzida medida a que pode chegar a inteligência racional. E apesar da força do desejo que tanto quer “tocar” e dominar o mistério, este permanece inabarcável e transcendente, sedutor e atraente.

O espaço para o encontro da Trindade é o coração humano, a consciência pessoal, a relação comunitária, a fraternidade universal. Aqui se espelha e actua o mistério; aqui a pessoa acolhe, contempla, “saboreia”, admira, extasia-se perante a realidade inebriante que lhe é dado experienciar e celebrar já, em sinais e ritos, em gestos e atitudes, ainda que em porções reduzidas e momentos fugazes.

O coração vê mais longe e reconhece os vestígios de Deus trindade nas aspirações que o marcam e impulsionam a “ir mais longe”, ao encontro do Pai, a escutar com redobrada atenção a palavra do Filho, a deixar-se envolver progressivamente pelo amor do Espírito Santo. O coração humano espelha, a seu modo, e irradia, a seu jeito, a relação que torna acessível, a comunhão entre a Trindade das pessoas divinas que constituem a “família” original. O nosso coração tem uma matrizfamiliar; dela provém e para ela tende. Por isso, nela quer viver.

Jesus ordena aos seus discípulos que vão por todas as nações anunciar esta novidade única: Deus não é um solitário, um surdo-mudo fechado em eterno silêncio, um ausente distante e indiferente à sorte da humanidade, um rival concorrente da autonomia do ser humano. É antes uma comunidade santa, próxima e familiar, que nos convida a entrar em relação consigo mesma, a beneficiar dos seus dons, a cooperar na realização da sua proposta de salvação. Convida-nos a descobrir o autêntico rosto de Deus que em Jesus se manifesta como Pai bondoso, como Filho apaixonado pela felicidade humana, como Espírito solícito que nos inspira o gosto pela verdade que liberta. Convida-nos a fazermos parte da sua família e a apaixonarmo-nos pelas realidades terrestres, como jardineiro fiel, a quem é entregue o cuidado de velar pela harmonia da variedade das suas flores e perfumes.

“Deste modo (assumir o conflito e transformá-lo em elo de ligação de um novo processo), torna-se possível desenvolver uma comunhão nas diferenças, que pode ser facilitada por pessoas magnânimas que têm a coragem de ultrapassar a superfície conflitual e consideram os outros na sua dignidade mais profunda” – afirma o Papa Francisco (EC 228).

Ide e fazei discípulos, continua Jesus a dizer-nos com amor solícito. A festa da Trindade é a festa da humanidade que reconhece a matriz original donde “procede”, sobretudo a Igreja de Jesus de quem é testemunha qualificada e agente mandatada. A festa da Trindade revela-nos a dignidade do ser humano, especialmente do ser cristão, imagem e semelhança de um Deus comunhão de pessoas, chamadas a viver na confiança filial, na amizade fraterna e na doação generosa. Por isso, está em sintonia com o dinamismo trinitário quem vive do amor que se faz serviço incondicional e generoso.

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