sábado, 12 de setembro de 2015

Teólogos e recasados

Crónica de Anselmo Borges 

«O Evangelho manda, 
segundo os Actos dos Apóstolos, 
"não impor um jugo que nem os nossos pais 
nem nós somos capazes de suportar"»


1. A pensar no confronto do Sínodo de Outubro, 18 teólogos espanhóis de renome, como Torres Queiruga, González Faus, J.A. Pagola, escreveram uma carta de petição ao Papa querendo "completar, pelo outro lado, o escrito de meio milhão de fiéis no qual te pedem com afinco que "reafirmes categoricamente os ensinamentos da Igreja de que os católicos divorciados e que voltam a casar pelo civil não podem receber a sagrada comunhão". Dei conta aqui desse escrito no sábado passado. Na carta, a assinar por quem achar bem (já assinei), dão razões a justificar que "a prudência pastoral não só permite como reclama hoje uma mudança de posição" quanto à comunhão para os recasados.
A primeira é que as palavras de Jesus "Não separe o homem o que Deus uniu" têm de ser lidas no seu contexto. Elas dizem directamente respeito ao marido, que podia abandonar a mulher por qualquer motivo, até porque viu outra mais bonita. São, pois, palavras dirigidas primariamente à "defesa da mulher".

Depois, no tempo de Jesus, "não se conhecia a situação de um casamento que (talvez por culpa dos dois ou por uma incompatibilidade de modos de ser, descoberta só depois) fracassa no seu projecto de casal. Dada a situação da mulher em relação ao marido, na Palestina do século I essa hipótese era impensável". Assim, não se deve aplicar as palavras de Jesus a uma situação desconhecida no seu tempo: agora, "o que há não é o abandono de uma parte, mas um fracasso dos dois".
Segundo o Evangelho de São Mateus, referindo as transgressões da lei por parte de Jesus, o decisivo é salvaguardar o espírito. "E o espírito fundamental de toda a lei evangélica é a misericórdia: evidentemente, uma misericórdia exigente. De qualquer modo, não uma exigência sem misericórdia." Para ser fiel ao espírito da lei, a Igreja primitiva abandonou a circuncisão, "depois de fortes discussões e contra a opinião de alguns que julgavam ser mais fiéis a Deus e, na realidade, buscavam a sua própria segurança". Essa decisão, que hoje nos parece evidente e abriu as portas à evangelização do mundo inteiro, "foi escandalosa para muitos".
O Evangelho manda, segundo os Actos dos Apóstolos, "não impor um jugo que nem os nossos pais nem nós somos capazes de suportar". "Este é um dos maiores pecados que a Igreja pode cometer. E é muito discutível que pessoas celibatárias possam compreender o que significa conviver cada dia íntima e pacificamente com outra pessoa com a qual não há a mínima sintonia. Como é discutível que pessoas celibatárias pudessem abster-se de manter relações sexuais com uma pessoa com quem se convive dia e noite e que se ama." Aqui, permito-me repetir a pergunta que já aqui fiz: No Sínodo, são 250 bispos, solteiros e sem família, pouco jovens, que vão decidir sobre as questões tão complexas da família e da sexualidade? E, por favor - perdoe-se-me o atrevimento -, não venham com o exemplo idealizado da Sagrada Família de Nazaré, com um pai putativo, uma mãe virgem e um filho único.
Contra o que dirão os defensores do rigor, uma "disciplina de misericórdia" não significa "abrir as portas ao relaxamento moral ou que a Igreja aceita sobre o divórcio os mesmos critérios que a nossa sociedade pagã". De facto, "não se põe em questão a indissolubilidade do casamento", e a disciplina de misericórdia "reclama arrependimento, reconhecimento de culpa e propósito firme de emenda. Do que se trata é de não deixar só e sem ajuda quem fracassou. Como Jesus, que comia com pecadores, não porque fossem bons, mas para que pudessem sê-lo".

2. Falando de teólogos, cito: o casamento é indissolúvel. Mas quando "um primeiro casamento se rompeu há já algum tempo" e de modo irreparável, e quando "um segundo enlace se vem manifestando como uma realidade moral e está presidido pela fé, especialmente no que concerne à educação dos filhos (de tal maneira que a destruição deste segundo casamento acabaria por destroçar uma realidade moral e provocaria danos morais irreparáveis), neste caso - mediante uma via extrajudicial -, contando com o parecer do pároco e dos membros da comunidade, dever-se-ia consentir a aproximação da comunhão aos que assim vivem". Texto de 1972 do professor J. Ratzinger, mais tarde Bento XVI, citado pelo cardeal W. Kasper, ao propor aos cardeais uma solução de misericórdia, mas que acaba de ser retirado por ocasião da sua publicação no 4.º volume das obras completas de Ratzinger.
A Conferência Episcopal Alemã propôs, nas respostas ao questionário pré-sinodal, permitir o acesso à comunhão, se a vida comum no casamento fracassou definitivamente, se se esclareceram as obrigações do primeiro casamento, se há arrependimento e vontade genuína de viver o segundo casamento na fé e educar os filhos de acordo com a fé. E que os homossexuais não sejam excluídos.
De facto, nestes casos, na Alemanha, e não só, já se dá a comunhão e mesmo uma bênção.

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