sábado, 30 de setembro de 2017

MaDonA — Dia Internacional do Coelho - 30 de setembro


Está no imaginário infantil, a história do coelhinho branco que nos encantava, bem como o cartoon do Bugs Bunny, o Pernalonga que mantinha a miudagem grudada à televisão. O coelho visto como uma bolinha de pelo, sempre despertou nas crianças e até nos adultos uma grande ternura, sendo-lhe atribuído vários significados. Tem um dia no calendário, sendo celebrado todos os anos, no último sábado de setembro. 
O seu objetivo é promover a proteção dos coelhos selvagens e domésticos do mundo. São cobaias do homem, na realização de testes para a indústria cosmética e farmacêutica. A sua pele é usada no vestuário, mas nunca vesti um casaco de pele de coelho, nem de raposa, nem de vison, nem de antílope. Sou contra o abate destes animais. 

Ruth Manus — Coisas que o mundo inteiro deveria aprender com Portugal


Portugal é um país muito mais equilibrado do que a média e é muito maior do que parece. Acho que o mundo seria melhor se fosse um pouquinho mais parecido com Portugal.
Dentre as coisas que mais detesto, duas podem ser destacadas: ingratidão e pessimismo. Sou incuravelmente grata e otimista e, comemorando quase 2 anos em Lisboa, sinto que devo a Portugal o reconhecimento de coisas incríveis que existem aqui  - embora pareça-me que muitos nem percebam.
Não estou dizendo que Portugal seja perfeito. Nenhum lugar é. Nem os portugueses são, nem os brasileiros, nem os alemães, nem ninguém. Mas para olharmos defeitos e pontos negativos basta abrir qualquer jornal, como fazemos diariamente. Mas acredito que Portugal tenha certas características nas quais o mundo inteiro deveria inspirar-se.
Para começo de conversa, o mundo deveria aprender a cozinhar com os portugueses. Os franceses aprenderiam que aqueles pratos com porções minúsculas não alegram ninguém. Os alemães descobririam outros acompanhamentos além da batata. Os ingleses aprenderiam tudo do zero. Bacalhau e pastel de nata? Não. Estamos falando de muito mais. Arroz de pato, arroz de polvo, alheira, peixe fresco grelhado, ameijoas, plumas de porco preto, grelos salteados, arroz de tomate, baba de camelo, arroz doce, bolo de bolacha, ovos moles.
Mais do que isso, o mundo deveria aprender a se relacionar com a terra como os portugueses se relacionam. Conhecer a época das cerejas, das castanhas e da vindima. Saber que o porco é alentejano, que o vinho é do douro. Talvez o pequeno território permita que os portugueses conheçam melhor o trajeto dos alimentos até a sua mesa, diferente do que ocorre, por exemplo, no Brasil.

Ler mais aqui 

NOTA: A sugestão de leitura veio do meu amigo João Marçal e eu não a atirei para o lixo. Partilho porque é bom saber o que se pensa de Portugal e dos portugueses.  

sexta-feira, 29 de setembro de 2017

PORTUGAL - O terceiro país mais pacífico do mundo

Pombal
Torreira
Moliceiros
Santuário de Schoenstatt - Gafanha da Nazaré

Confesso que às vezes fico zangado com certas apreciações, pela negativa, feitas ao nosso país. Eu sei que há muita coisa errada a carecer de correção e de alguns saltos rumo a um futuro risonho para os portugueses, muitos dos quais sobrevivem com míseros ordenados e pensões de reforma que são uma vergonha para um país civilizado. Contudo, fico feliz, quando se diz que Portugal está em 3.º lugar na lista dos países mais pacíficos do mundo. Valha-nos isso.

Vi aqui 

Anselmo Borges — Francisco sobre: 2. O sexo e o casamento




Continuo com os diálogos do Papa Francisco e Dominique Wolton: Politique et société.
1. Francisco atira com a afirmação inesperada de João Paulo II: "O sexo é uma coisa boa e bela." E Wolton: "Reconhece que é complicado para leigos ouvir padres, que renunciaram ao amor físico, dizer que o amor físico, carnal, é belo." Francisco: "Renunciar à sexualidade e escolher o caminho da castidade é toda uma vida consagrada." Mas isso só vale se "este caminho levar à paternidade e à maternidade espiritual. Renunciar para estar ao serviço, para contemplar melhor. Um dos males da Igreja são os padres solteirões e as freiras solteironas. Porque estão cheios de azedume". Foi pena que, aqui, Wolton não tenha perguntado sobre o celibato opcional para os padres.

2. Francisco acrescenta: "Os pecados mais leves são os pecados da carne. Estes não são forçosamente (sempre) os mais graves. Porque a carne é fraca." Os pecados mais perigosos e graves são outros, de que se fala menos: "O ódio, a inveja, o orgulho, a vaidade, matar o outro, tirar a vida... Mas os padres tiveram a tentação - não todos, mas muitos - de se concentrar nos pecados da sexualidade: o que eu chamo a "moral da subcintura" (desculpe). Há alguns que, quando ouvem na confissão um pecado deste género, perguntam: "Como fizeste isso, e quando e quanto tempo e quantas vezes?" Fazem um "filme" na cabeça. Mas esses precisam de um psiquiatra."

Georgino Rocha — Pergunta Jesus: Qual dos dois faz a vontade ao pai?





Jesus recorre à pergunta fechada para envolver os que o seguiam e vigiavam e não os deixar apenas como ouvintes indiferentes ou críticos. Tem consigo a elite de Jerusalém que vivia do templo e para o templo, designadamente os sumos-sacerdotes, os escribas e os anciãos do povo. Estão também os discípulos e numerosa multidão de que faziam parte publicanos e prostitutas, marginalizados e proscritos. O contraste vai ser posto em realce na parábola dos dois filhos que respondem ao convite do Pai de modos diferentes, convite para irem trabalhar na vinha. O primeiro diz espontaneamente que não, mas depois pondera, arrepende-se e vai. O segundo, pelo contrário, mostra-se disponível e afirma que sim, mas não aparece, esquece a resposta dada, não é coerente nem honrado. Dois tipos de reacção que constituem um espelho muito actual para tantas situações.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Museu de Aveiro é o 8.º nos 10 melhores de Portugal



A Tripadvisor revelou a lista dos 10 Melhores Museus do mundo, segundo a avaliação de milhões de viajantes, referente ao ano 2017. E no respeitante ao nosso país, o Museu de Aveiro ocupa um honroso 8.º lugar, como pode ser confirmado pela lista divulgada. 

1. Calouste Gulbenkian, Lisboa
2. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa
3. Museu Coleção Berardo, Lisboa
4. Museu Nacional de Machado de Castro, Coimbra
5. Museu do Ar, Sintra
6. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
7. Navio Gil Eanes, Viana do Castelo
8. Museu de Aveiro, Aveiro
9. Museu Monográfico de Conímbriga, Condeixa-a-Nova
10. Museu Nacional dos Coches, Belém, Lisboa

É óbvio que todos nos devemos orgulhar com esta posição, estando ao nosso alcance contribuir para a sua divulgação junto de todas as camadas sociais, a começar pela nossa juventude. Hoje no 8.º lugar e, quem sabe, no futuro um pouco mais acima.

Ver aqui 

MaDonA — Dia Internacional do Direito ao Saber - 28 de setembro


Longe vão os tempos do obscurantismo, em que manter um povo analfabeto era condição sine qua non para manter o poder instituído e dar-lhe continuidade. Um povo iletrado não contesta, não reivindica não se queixa e aceita passivamente o status quo. 
Até meados do século XX, quando cheguei a este mundo, o ensino obrigatório era o ministrado, até à quarta classe, nas Escolas Primárias. A sua criação começou a ser regulamentada em 1835, pleno século XIX, mas muita gente ainda lhe escapava. 
Já em 1960, quando ingressei no LNA (Liceu Nacional de Aveiro) o prosseguimento de estudos contemplava uma faixa muito restrita da população, quer por razões económicas quer pelo número limitado de estabelecimentos de ensino públicos. A distância a que ficava a escola, apenas nas capitais de distrito era outro óbice. Graças a Deus e à visão larga do Zé da Rosa de dar um bom futuro aos filhos, eu fiz parte dessa minoria. O meu eterno agradecimento a ambos! 
Esta efeméride enaltece o direito de acesso à informação de toda a gente e as vantagens de um governo transparente. Promover a liberdade de informação como condição essencial para a democracia e para a boa governação foi um dos objetivos traçados em 2002, num encontro de organizações mundiais que trabalham com liberdade de informação, em Sófia, Bulgária. Deste encontro resultou o primeiro Dia Internacional do Direito ao Saber. 
Sendo um direito humano fundamental, neste dia, apela-se à partilha de informação governamental a todos os cidadãos. 
Todos os anos se realizam, nesta data, campanhas de sensibilização para o direito à informação e para conseguir sociedades abertas e democráticas onde o cidadão pode efetivamente participar. 
Realizam-se, neste dia, conferências, concertos, competições, peças de teatro, filmes, abertura de novos de sites, lançamento de livros, etc. Podem participar todos os cidadãos, com destaque para os jornalistas, os professores, os ativistas, os funcionários públicos, os membros de organizações não-governamentais e os membros das organizações civis. 
Neste âmbito, os mass media desempenham um papel de relevo na apresentação e divulgação da informação. 
A liberdade de expressão, como veículo da informação, foi uma das conquistas da Revolução de abril. Usemo-la com discernimento e não como arma de arremesso. 

MaDonA, 28 de setembro de 2017 

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

ELEIÇÕES: O futuro está sempre nas nossas mãos




O futuro está nas nossas mãos, mas nem sempre assumimos, com vontade firme e consciente, o direito de escolher quem deve governar o país, o concelho ou a freguesia. Ficarmos alheios na hora de decidir, por comodismo ou por não nos envolvermos no estudo das propostas que nos são feitas em nome dos diversos partidos, é atitude de má cidadania. Ficamos pela rama do que ouvimos aqui ou ali, também não será nada aconselhável. E depois, feitas as escolhas, muitos enveredam por acusações, ofensas, críticas e maledicências, como se tivessem moral para isso. Só têm moral para criticar e contestar as decisões dos eleitos os que tomaram parte ativa nas escolhas dos partidos e pessoas, com  estudo, busca de informação e reflexão. E com o voto depositado nas urnas!
Vem isto a propósito do ato eleitoral para as autarquias que está programado para o próximo dia 1 de outubro, em todo o país. Nesse dia, está nas nossas mãos o dever de votar, livre e conscientemente, nos partidos e nas pessoas que se apresentam a sufrágio. Eu vou votar e a partir daí não deixarei de estar atento às promessas eleitorais que tenho em mãos e que foram amplamente difundidas de porta-a-porta.

Fernando Martins

Museu Marítimo de Ílhavo — Homens e Navios do Bacalhau


Graças às novas tecnologias da comunicação, já temos à nossa disposição, em qualquer parte do mundo, a possibilidade de consultar, à distância de um clique, muito do que diz respeito a Homens e Navios do Bacalhau. O mesmo se diga de outras áreas. Hoje, ajudo quem consulta ou passa pelo meu blogue a pesquisar o que se refere a navios e homens da pesca do bacalhau . Veja aqui.

domingo, 24 de setembro de 2017

Faleceu um grande Bispo — Dom Manuel Martins


“Nascido em Matosinhos, no norte de Portugal, D. Manuel Martins sempre manteve a fidelidade aos princípios e valores distintivos daquela região do país: o sentido de serviço aos outros, a dedicação ao trabalho e a preocupação permanente com a justiça social”, escreve Marcelo Rebelo de Sousa, num texto divulgado pela Presidência da República.

Diz assim o registo do Presidente Marcelo:

«O senhor Dom Manuel Martins, representou, para a Igreja Portuguesa, a projeção da linhagem do senhor Dom António Ferreira Gomes no mundo do trabalho, em áreas sociais particularmente complexas, sempre atento à luta pela liberdade contra a opressão e pela igualdade contra a injustiça. Em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa.
Como já referido na mensagem por ocasião dos seus 90 anos, o seu testemunho foi particularmente impressivo à frente da Diocese de Setúbal. Mas, ao dar vida aos princípios evangélicos, em tempos de crise e de enormes desafios comunitários, não serviu apenas a Igreja Católica, serviu Portugal.
O Presidente da República evoca, com saudosa e respeitosa amizade, uma personalidade singular, que tudo fez na sua vida para contribuir para um Portugal mais livre e mais justo, e, por isso, mais democrático»

Mais uma tristeza para todos os que defendem ou defenderam, ao longo dos tempos,  os valores da justiça social, da liberdade  e da paz. Disse um dia, D. Manuel Martins que o mundo era o verdadeiro altar da Igreja (estou a citar de cor),  onde sofre imensa gente que espera gestos de fraternidade. O Senhor de todos os dons já o tem junto de Si, como prémio pela frontalidade de um Bispo perante os poderosos deste mundo.
Paz à sua alma. 

FM

Bento Domingues — Um Deus distraído?



1. Não têm conta as vezes que me fizeram, e fazem, a pergunta do título desta crónica. Sei que não tenho o exclusivo.
Não escondo que me divertem as pessoas religiosas e teólogas que dão a ideia — pelo que dizem e escrevem, pelo que aconselham ou mandam — que conhecem a vontade de Deus e os seus misteriosos caminhos. A tudo dizem: foi a vontade de Deus, mesmo quando essa expressão, pretensamente piedosa, é o pior insulto que Lhe podem fazer.
Por outro lado, são, por vezes, as mesmas pessoas que, pelas suas repetidas e abundantes orações, supõem que Deus ande mal-informado. As chamadas orações dos fiéis nas Celebrações Eucarísticas, mais ou menos gemidas, tentam lembrar a Jesus a sua responsabilidade pela péssima situação mundial.
Parece que todas as religiões, ou a maioria, têm fórmulas e livros de orações. Basta ir ao Google e, a partir da palavra oração, podemos ficar minimamente referenciados acerca desse mundo, ora sublime ora ridículo.
A nossa ligação fervorosa a Deus deveria estar atenta à nossa radical ignorância. Nunca me posso esquecer que S. Tomás de Aquino, depois de expor a sua epistemologia teológica e de apresentar as razões que tinha para afirmar que Deus existe, empenhou-se em mostrar, imediatamente, que não podemos saber como é Deus. A teologia dele é, sobretudo, uma luta contra as idolatrias que se insinuam em todas as atitudes e discursos religiosos.
Julgo que a religião — embora seja uma palavra de origem latina — nasce da consciência, mais ou menos explicita, do ser humano como realidade limitada. Precisa do outro para nascer, para crescer, para viver e para morrer. Não é auto-suficiente. É, por natureza, carente de cultura e de afectos. É uma realidade em permanente processo. Vai sendo através dos mil contactos cultivados ao longo da vida. É, estruturalmente, um ser aberto. Neste mundo multicultural e multirreligioso desenvolve-se bem ou mal, na recusa ou na aceitação. Quando se fecha aos outros, perde-se e afoga-se em si mesmo.
As boas relações humanas são as de acolhimento e cooperação. As más são as de dominação psicológica, económica, política e religiosa. Por isso, a pergunta mais sagrada, mais religiosa, em todas as situações, talvez seja esta: em que posso ajudar?
Não é por acaso que a primeira grande pergunta que Deus faz, logo no Génesis [1], seja esta: que fizeste ao teu irmão, e seja também a última que julgará a nossa história, segundo o Evangelho de S. Mateus [2].
Mas, então, devemos ou não rezar?

2. Não faltam, mesmo no Novo Testamento, recomendações de que devemos rezar sempre e em toda a parte. Não de qualquer maneira. Nem foi a primeira preocupação de Jesus. Consta, no Evangelho de S. Lucas, que os discípulos se sentiam um grupo um bocado abandonado, nesse aspecto. “Estando [Jesus] num certo lugar a rezar, ao terminar, um dos seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a orar como João ensinou aos seus discípulos.” [3] Daí, resultou uma longa conversa e uma parábola que termina de forma paradoxal: a única coisa garantida é que o Pai dos Céus dará o seu Espírito aos que o pedirem. S. Mateus põe na boca de Jesus a recomendação: “Nas vossas orações não useis de vãs repetições, como fazem os gentios, porque entendem que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. Não sejais como eles, porque o vosso Pai sabe do que tendes necessidade, antes de lho pedirdes.” De facto, deixou-nos apenas pistas muito gerais, no Pai-Nosso [4].
Estas indicações básicas atribuídas a Jesus deveriam merecer mais atenção. A Liturgia das Horas, rezadas em coro em muitas congregações religiosas, serve-se da recitação dos Salmos do Antigo Testamento. É precisa uma grande dose de paciência para aguentar a divisão entre o povo de Deus e os outros povos que não sabemos de quem são, geralmente inimigos. Esse Deus tem o encargo de defender e ajudar o seu povo e de atacar os outros povos. É um mundo pouco edificante de amigos e inimigos. É preciso, depois de Jesus Cristo, estar sempre a fazer descontos na oração.
Fazem parte de cenários em que se põe na boca do Senhor, Deus de Israel, uma narrativa na qual, depois de muitas bem-feitorias ao seu povo, que, finalmente, atravessou o Jordão e chegou a Jericó, faz esta declaração fantástica, coroa de muitas outras: “Combateram contra vós os que dominavam a cidade — os amorreus e os perezeus, os cananeus e os ititas, os girgasitas, os hevitas e os jebuseus — mas Eu entreguei-os nas vossas mãos. [...] Não foi com a vossa espada nem com o vosso arco que tudo isto foi feito. Dei-vos uma terra que não cultivastes, cidades que não construístes e onde agora habitais, vinhas e olivais que não plantastes e de que vos alimentais.” [5]
Pode um cristão rezar a um Deus destes?

3. Anda o Papa Francisco a dizer que não se pode matar em nome de Deus e, depois, louvá-Lo por ser um terrorista, porque eterno é o seu amor?
O diálogo inter-religioso, para não ser um teatro de mau-gosto, deve incluir a crítica das expressões religiosas que ofendem a Divindade maltratando os seres humanos.
Em Assis, já diversas vezes, os representantes de diferentes religiões foram rezar juntos. Nenhum tem o direito de criticar a forma de rezar dos outros, mas todos se deveriam sentir responsabilizados a contribuir, no âmbito da sua religião, para reverem as respectivas formas de rezar.
Por outro lado, se o ser humano é religioso pela interpretação que faz do seu limite, tem de cuidar de não transpor para Deus a sua responsabilidade. Quando se diz, de forma metafórica, que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança, isso significa que o ser humano, por ser livre, é responsável pelo seu mundo, pela casa comum.
O Papa Francisco não se cansa de repetir que já estamos, de modo fragmentado, na terceira guerra mundial. Existem sistemas económicos que devem fazer a guerra para sobreviver. Ao fabricar e vender armas sacrificam, nos balanços económicos, o ser humano no altar do deus dinheiro.
Gosto da sua forma de rezar: Queridas irmãs e irmãos, eleva-se de todos os lugares da terra, de cada povo, de cada coração e dos movimentos populares, o grito da paz: guerra, nunca mais! [6]
Não é a um Deus distraído que ele reza. Reza para diminuir o mundo dos distraídos.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Gn 4, 1-15
[2] Mt 25, 31-46
[3] Lc 11, 1-13
[4] Mt 6, 5-15
[5] Cf. Js 24, 1-13
[6] Politique et société, du Pape François (Rencontres avec Dominique Wolton), Editions de L’Observatoire/Humensis, 2017, p. 11.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

No Outono da vida



Estamos no outono da vida sem cansaços nem desânimos. A vida continua em nós e irradia, indelevelmente, para os que nos cercam. A primavera e o verão deram-nos o aconchego necessário para mantermos o sorriso da felicidade vivida com esperança de continuidade. Eis-nos no outono do calendário com a mesma disposição de sempre, de espírito aberto a quem nos ouve e quer bem. Também a tantos com quem nos cruzamos nas inquietudes dos tempos incertos, porém enriquecidos pelos encantos que a natureza se encarrega de matizar os nossos dias. Não há nem pode haver pessimismos entre nós. O otimismo é norma de vida constante.
A natureza dá-nos lições extraordinárias que nem sempre captamos com a pressa dos dias. Floresce na primavera, frutifica no verão, fica depenada no outono e adormece em sono semelhante ao da morte no inverno. E depois, como que por milagre, salta para a luz do dia... 
Os seres vivos são assim. Nascem, crescem, reproduzem-se, envelhecem e morrem. Os humanos, contudo, preservam memórias e deixam rastos de luz ou de sombras nos que lhes sucedem. Bom seria que todos deixássemos apenas luz. 
No outono da vida os humanos têm a sua riqueza: revivem o passado, sentem-se membros ativos da família e da sociedade, oferecem experiências, partilham saberes e sabores, recomendam atitudes benfazejas, estabelecem uniões, constroem pontes, dão e recebem amor. E esperam pacientemente o inverno, com a grata certeza de que fizeram o melhor que souberam e puderam durante a longa existência. 
Bom outono para todos.

Fernando Martins

Anselmo Borges — Francisco sobre: 1. si próprio


Quem é e o que pensa e quer verdadeiramente o Papa Francisco para a Igreja e para a humanidade?
Durante mais de um ano, na discrição, Dominique Wolton, um intelectual francês, laico, director de investigação no CNRS (Centro Nacional de Investigação Científica), especialista em comunicação, e o Papa Francisco encontraram-se 12 vezes para diálogos sobre os temas mais candentes do nosso tempo e da existência humana: a paz e a guerra, a política e as religiões, a Europa e os imigrantes, a mundialização e a diversidade cultural, os fundamentalismos e a laicidade, a ecologia, as desigualdades, o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, a alteridade, a família, a ideologia do género, o tempo, a alegria. Desses encontros resultou uma obra inédita e surpreendente. Acaba de ser publicada com o título: Politique et Société e a que dedicarei algumas crónicas. Hoje, a primeira, precisamente sobre Francisco, que se confessa.

O que é que mais o marca? "Há algo que, mesmo quando era criança, sempre me fez sofrer. É o ódio, a guerra." O que é que mais o comove? "Os actos de ternura fazem-me sempre bem, a compreensão, o perdão... Mas não só no campo religioso. Em toda a parte. A ternura é qualquer coisa que me traz muita paz." Por isso, fala do "analfabetismo afectivo". O que é que lhe provoca cólera? "A injustiça. As pessoas egoístas. E eu próprio, quando estou nessa situação. Preciso de muito tempo para convencer-me de que o Senhor me perdoou, depois pedir perdão à pessoa e fazer alguma coisa para reparar essa injustiça. Mas há o irreparável." O seu maior defeito? "É um pouco o oposto do que se julga de mim. Tenho uma certa tendência para a facilidade e para a preguiça." E a qualidade principal? "A qualidade... eu diria simplesmente que gosto de escutar os outros. Porque descubro que cada vida é diferente. E que cada pessoa tem o seu caminho." É feliz? "Sim. Sou feliz. Eu sou feliz. Não por ser Papa, mas o Senhor deu-me isto e rezo para não cometer asneiras... Mas cometo."

Para comunicar humanamente, é preciso "baixar-se, colocar-se ao nível do outro. Baixar-se, não porque o outro é inferior, mas por humildade..., trata-se de um acto que consiste em "ir à casa do outro". Sou eu que devo ir lá."
Em casa ouvia-se ópera e "comecei a falar de música tinha eu 15, 16 anos... Pus-me a sonhar como gostaria de ser chefe de orquestra".

E o papel das mulheres na sua vida? "Agradeço pessoalmente a Deus por ter conhecido verdadeiras mulheres na minha vida. As minhas duas avós eram muito diferentes, mas ambas verdadeiras mulheres... Depois, a minha mãe. A minha mãe. Era uma mulher, uma mãe. Depois, as irmãs. É importante para um homem ter irmãs, muito importante... Depois, houve as amigas da adolescência, as "namoraditas"... Estar sempre em relação com as mulheres enriqueceu-me. Aprendi, mesmo na idade adulta, que as mulheres vêem as coisas de um modo diferente do dos homens. Porque, perante uma decisão a tomar, perante um problema, é importante escutar os dois."

Depois da adolescência houve alguma mulher que o tenha marcado particularmente? "Sim. Houve uma que me ensinou a pensar a realidade política. Era comunista. Foi morta durante a ditadura. Era química, chefe do departamento onde eu trabalhava, no laboratório de bromatologia. Esther Ballestrino de Careaga. Deu-me livros, todos comunistas, mas ensinou-me a pensar a política. Devo tanto a essa mulher."

Qual o lugar das mulheres na Igreja? "É muito importante. Com a reforma da Cúria, haverá muitas mulheres que terão um poder de decisão, não apenas de aconselhamento." Qual é o problema da reforma da Cúria? "O poder." Vai conseguir? "Sim... ouvi um velho cardeal dizer-me: "Não desanimes, porque o caminho da reforma da Cúria é difícil. E que a Cúria não deve ser reformada, ela deve ser suprimida [risos]. No gozo, evidentemente. É impensável, a Cúria é indispensável."

E consultou uma psicanalista. "A um dado momento da minha vida em que tive necessidade de consultar. E consultei uma psicanalista judia. Durante seis meses fui a casa dela uma vez por semana para esclarecer certas coisas. Ela foi muito boa. Muito profissional como médica e psicanalista. Manteve-se sempre no seu lugar. Depois, quando estava já para morrer, chamou-me. Não para os sacramentos, pois era judia, mas para um diálogo espiritual. Durante seis meses, ajudou-me muito, tinha eu na altura 42 anos."

Bem-aventurada a pessoa que, como Francisco, pode dizer: "Sou livre. Sinto-me livre. Isso não quer dizer que faço o que quero, não. Mas não me sinto prisioneiro, na gaiola. Na gaiola aqui, no Vaticano, sim, mas não espiritualmente. Não sei se é assim... A mim nada me mete medo. Talvez seja inconsciência ou imaturidade! Sim, as coisas são assim, faz-se o que se pode, as coisas assumem-se como são, algumas andam para a frente, outras não... Talvez seja superficialidade, não sei. Não sei como chamar a isso. Sinto-me como um peixe na água."

P.S. Quando foi nomeado para bispo do Porto, escrevi aqui que até no nome era Francisco: António Francisco dos Santos. Um homem humilde, afável, próximo, discreto. Um cristão. Há prioridades, alertou, aquando da sua entrada na diocese: "Os pobres não podem esperar." Contou-me como uma vez, após uma missa pontifical, lhe apareceu um sem-abrigo a pedir dinheiro para comer. Convidou-o para almoçar com ele no paço episcopal. No fim, também lhe pediu dinheiro para cortar o cabelo. Mandou-o ao barbeiro dele, um conterrâneo, que um dia lhe telefonou: "Está aqui um mendigo a dizer que foste tu que lhe disseste para vir aqui, que tu pagavas..." "É verdade, faz como se fosse para mim!" Morreu inesperadamente, também por causa da sua inexcedível bondade incompreendida e não correspondida.

Anselmo Borges no DN 

Georgino Rocha — Tens inveja por eu ser bondoso?



Esta pergunta é feita pelo dono da vinha que mostra a sua bondade ao pagar por igual aos trabalhadores contratados. Os queixosos começam a murmurar e questionam abertamente o seu proceder. Aduzem diferenças de horário e de condições do tempo variáveis ao longo da jornada. E desabafam dizendo: “Suportámos o peso do dia e o calor”. E era verdade, pois vêem os que trabalharam apenas uma hora receberem a mesma paga.
Aquela pergunta é a última de três. “Amigo, diz a um deles, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?”

Jesus conta parábolas que são histórias da vida corrente, acessíveis e cheias de sabedoria, para ajudar os ouvintes a descobrir a novidade que anuncia ou seja que o proceder de Deus é surpreendente e desconcertante, que os seus critérios de avaliação são diferentes em relação aos nossos, que a sua preocupação maior é o bem de todas as pessoas e não apenas o interesse de algumas. Mateus, hábil narrador, faz um belo relato do que terá acontecido e tem particular impacto nas comunidades a que dirige o seu Evangelho. Um dos maiores problemas estava relacionado com os judeus ouvirem dizer que outros povos receberiam as mesmas bênçãos de Deus, teriam acesso aos bens do Reino, seriam considerados herdeiros das promessas. Mesmo convertendo-se, mas sem passarem pelas práticas religiosas judaicas. A fidelidade às tradições impede-os de se abrirem à novidade que surge em Jesus de Nazaré e de começarem a acolher um Deus diferente na sua relação com todas as pessoas. Simplesmente porque é bom e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas, como reza o salmo hoje recitado.

A bondade como prática pastoral prolonga este modo de ser e de agir do nosso Deus. A Igreja, que somos nós em comunhão de irmãos com o nosso Bispo e o Papa Francisco, tem aqui a regra de ouro para o seu proceder e a sociedade a pauta da verdade para o robustecimento da cidadania. Dom António Francisco dos Santos deu rosto humano irradiante à bondade e deixa-nos a certeza de que: "Só pela bondade aprenderemos a fazer do poder um serviço, da autoridade uma proximidade e do ministério uma paixão pela missão de anunciar a alegria do evangelho".

A parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20, 1-16a) é muito rica de sentidos e tem um alcance enorme para desvendar o projecto de salvação que Deus oferece à humanidade ao longo dos tempos. João Paulo II faz-lhe um comentário magistral ao apresentar a Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo, em 1988. Diz o Papa logo na introdução: “A parábola do Evangelho abre aos nossos olhos a imensa vinha do Senhor e a multidão de pessoas, homens e mulheres, que Ele chama e envia para trabalhar nela. A vinha é o mundo inteiro (Cf Mt 13,8), que deve ser transformado segundo o plano de Deus em ordem ao advento definitivo do Reino de Deus”. “O convite do Senhor Jesus «Ide vós também para a minha vinha» continua, desde esse longínquo dia, a fazer-se ouvir ao longo da história: dirige-se a todo o homem que vem a este mundo”.

Tendo presente este horizonte tão rasgado, vale a pena mergulhar na realidade em que vivem os judeus e fazer brilhar alguma centelha de luz para a nossa situação actual. O trabalho aí está a interpelar profundamente a consciência humana, as leis laborais e a organização da sociedade. Os direitos adquiridos com o seu cortejo de exigências em que sobressai sempre o interesse individual, impõe-se sem piedade, quebra todos os laços de solidariedade e acaba por desumanizar as pessoas. Os critérios de rentabilidade invadiram a cultura actual que faz ecoar por toda a parte: “quanto vale”, “para que serve”, “só o útil merece a pena” eliminam o gratuito, o dom, o amor solidário e oblativo, isto é, reduzem a pessoa a um objecto prestes a ser substituído por um robot ou um drone. A economia de mercado cresceria em humanidade se tivesse em conta a economia solidária, de comunhão, do dom de Deus que nos é legado. “O Evangelho é norma de sabedoria e critério determinante de humanidade” (J.M. Castillo, La Religión de Jesús, p. 397).

Tens inveja por eu ser bondoso? Pergunta que desafia a mente humana e, sobretudo o coração dorido por tantas vítimas “sobrantes” como os últimos convidados da parábola. O proceder do dono da vinha é justo, segue à risca o que contratou de forma explícita e estende a sua bondade àqueles que, sem o salário da jorna, não tinham o indispensável para o dia seguinte. O contexto ajuda a medir o alcance da parábola: Respeitar a justiça e dar largas à generosidade compassiva. Bela lição!

Georgino Rocha

Miguel Torga — Outono

OUTONO

Tarde pintada
Por não sei que pintor.
Nunca vi tanta cor
Tão colorida!
Se é de morte ou de vida,
Não é comigo.
Eu, simplesmente, digo
Que há tanta fantasia
Neste dia,
Que o mundo me parece
Vestido por ciganas adivinhas,
E que gosto de o ver, e me apetece
Ter folhas, como as vinhas.

Miguel Torga,
in Poesia Completa, pág. 754

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Divorciados recasados pedem à Igreja a bênção de Deus




“Não deixa de ser estranho que a Igreja no seu Ritual de Bênçãos contemple tanta diversidade de pessoas, de animais e de coisas e mostre relutância em atender o pedido de divorciados recasados que as desejam para a sua nova situação”, diz-me um amigo de velha data familiarizado com esta temática. Estou de acordo com ele, embora para suavizar a intensidade da queixa lhe lembre que é para evitar confusões com os ritos do matrimónio sacramental. Ele prossegue: “Por medo a confusões e ao risco, a história dá-nos lições de profecia, vendo a realidade cultural a avançar e certas instâncias da Igreja a ficarem paradas no tempo ou mesmo a entrar em conflito com as novas realidades”. E o Papa Francisco a proclamar que prefere uma Igreja acidentada, hospital de campanha…

Festa dos Bacalhoeiros — 23 de setembro


«Para assinalar o 80.º aniversário da sua fundação, o Museu Marítimo de Ílhavo organiza a Festa dos Bacalhoeiros, um encontro entre gerações de homens de todo o país que andaram ao bacalhau nos mares gelados do Atlântico Norte, com relatos de vivências, visitas ao Museu e ao Navio-Museu Santo André, bem como um almoço partilhado no Jardim Oudinot. Durante o dia será apresentada a versão final do Portal Homens e Navios do Bacalhau, uma ferramenta digital de recolha e de partilha da memória coletiva da grande pesca, que permite a inclusão, pelos familiares ou pela comunidade, de novas informações, imagens, vídeos ou documentos. Este portal é fruto da junção de duas preciosas bases de dados – as fichas de inscrição do Grémio dos Armadores dos Navios da Pesca do Bacalhau e a base de dados Frota Bacalhoeira Portuguesa 1835-2005 – resultando num museu virtual do património humano da pesca do bacalhau que relaciona dois elementos fundamentais para a pesca do bacalhau: os homens e os navios.»


Nota: Texto e foto do MMI

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Senos da Fonseca — “Saga Maior - Os «ílhavos» no marear da vida litoral fora”




“Saga Maior — Os «ílhavos» no marear da vida litoral fora (Séc. XVIII a Séc. XX)”, de Senos da Fonseca, foi um dos livros do meu habitual período de férias. Li-o com a serenidade devida a obra tão esperada e elucidativa sobre a diáspora dos ílhavos pelo litoral português, onde deixaram «uma marca indelével de traços identitários, ainda hoje bem perdurantes da cultura ilhavense», como sublinha o autor. 
Para abrir o apetite, Senos da Fonseca brinda os leitores com um saboroso naco de prosa poética de Maia Alcoforado, de que transcrevo apenas o último parágrafo: «E a embrulhar-lhe o peito [do ílhavo, claro], mais rijo que um cepo, o blusão de flanela salpicado de cores, onde arrecada a onça mail’o cachimbo, os lumes e o lenço d’Alcobaça — quase tão grande como as bandeiras do mariato».
Senos da Fonseca é um apaixonado pela sua terra. Emociona-se e empolga-se com o historial da Saga Maior, não se cansando de ouvir «noites e noites a fio» histórias dessa saga que lhe deixaram marcas profundas na alma, de tal modo que correu meio mundo para registar ao vivo vestígios palpáveis desse passado, para as doar, de mão beijada, às gerações atuais e futuras, como herança que urge preservar. 
A diáspora dos ílhavos pelo litoral português não foi fruto apenas do espírito de aventura, mas resultou das circunstâncias impostas pela natureza. Laguna de águas estagnadas e sem acesso ao mar ditaram a sentença e a demanda de novos desafio tornou-os migrantes. «E num exercício de prodigiosa temeridade, lançaram-se à pancada do mar, a procurar sustento para sobrevivência», refere o autor.
Tejo e Douro foram desafios para os primeiros ílhavos, como desafios também foram as artes de pesca que souberam implementar e adaptar, influenciados pela Catalunha, «via Galiza». E neste trabalho, profusamente ilustrado, o autor disseca barcos e redes, brindando-nos com pormenores enciclopédicos, para mim, pelo menos, que sou leigo em tais matérias.
Li capítulo a capítulo, página a página, debrucei-me sobre as muitas fotografias e desenhos técnicos, e fiquei a saber mais do que o suficiente sobre a chegada de Luís Barreto à Costa Nova, a presença dos ílhavos em Cova e Costa de Lavos, os Palheiros de Mira e da Tocha, Leirosa e Pedrógão, os Avieiros e Costa da Caparica, Costa da Lagoa de Santo André, Buarcos, Peniche e Sesimbra, Nazaré e Algarve, entre outras povoações. Por todas estas terras, de Norte a Sul de Portugal, Senos da Fonseca registou motivos identitários, embarcações, Capelas, naufrágios, mestres e figuras marcantes da gesta ilhavense. 
Destaque ainda para o linguajar do litoral e para a bibliografia e glossário, sempre fundamentais em obras deste género. 
O autor contou com o apoio à edição de Ana Maria Lopes.

Fernando Martins

Da Alegria e da Tristeza



«Alguns de entre vós dizem: “A alegria é maior que a tristeza”, e outros dizem: “Não, a tristeza é maior». Mas eu vos digo que elas são inseparáveis. 
Juntas elas surgem e, quando uma se senta sozinha convosco à mesa, recordai-vos de que a outra está a dormir na vossa cama.»

Khalil Gibran,
in “O Profeta”

Manuel António Assunção — D. António Francisco: um tributo


A partida prematura do Bispo do Porto determinou, inexoravelmente, a minha crónica de hoje. Honrou-me D. António Francisco com a sua amizade. Mas mais do que isso, privilegiou-me com o seu convívio, com a partilha de tantos episódios emocionalmente ricos, principalmente com a vivência das suas ideias e das suas práticas.
É difícil imaginar um homem tão autêntico no seu modo de ser e tão genuíno na sua essência. Eu não encontrei muitos, se é que encontrei algum. Era uma pessoa intrinsecamente boa, um ser humano de primeira grandeza. Lembro-me de uma das primeiras vezes em que estivemos juntos, uma bênção de finalistas na Universidade de Aveiro. A cerimónia prolongou-se em excesso e de uma forma que pôs em causa a dignidade do ato e o respeito devido pela presença do então bispo de Aveiro. D. António, imperturbável, prosseguiu no seu caminho de conceder a cada representante de curso a palavra devida com a bonomia que o caracterizava, no tempo e no modo programados. E no fim ainda me veio agradecer, reconhecido pelo que entendeu ser a minha resistência solidária para com ele. Marcou-me muito este seu saber estar, ao mesmo tempo tão inteligente e tão humilde.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Divorciados recasados fazem caminho


Constitui uma fonte preciosa o legado de D. António Francisco dos Santos em vários âmbitos do agir pastoral da Igreja. No caso presente da relação a promover com os divorciados recasados. Em entrevista de 2015 para a revista “Vida Nueva” afirma: “Diante da Igreja e na Igreja todas as pessoas têm nome, rosto, alma e coração. Muitas vezes, um coração partido, a sofrer, dorido, por muitas desventuras! Mas a Igreja tem de saber acolher e fazer um caminho em comum nesse sentido” E mais adianta, como informa António Marujo: “Temos também de saber reflectir com eles, não apenas acolher. Importa saber ouvir e decidir com os casais divorciados recasados os caminhos de cada um no empenhamento concreto na vida da Igreja. Mesmo com aqueles que estejam em situações de ruptura ou de não aceitação das orientações da Igreja, sabemos que nunca podem ser marginalizados e que podem sempre encontrar a Igreja aberta.”

domingo, 17 de setembro de 2017

Miguel Torga — Um poema


UM POEMA

Um poema, poeta!
É o que a vida te pede.
A fome diligente
Colhe
E recolhe
Os frutos e a semente
Doutros frutos.
Junta à fecundidade
Da natureza
Os frutos da beleza...
Versos grados e doces
Na festa do pomar!
Versos, como se fosses
Mais um ramo, a vergar.


Miguel Torga,
in "Poesia Completa"

Ilustração da rede global

Bento Domingues — Este Papa é uma decepção!



1. Num dos períodos de conflito armado mais ameaçador e de medo generalizado, dei aulas e fiz conferências de teologia em Bogotá e Medellin. Depois de 50 anos de horror, comoveu-me a coragem e o empenhamento do papa Francisco, no meio de muitas dificuldades locais, em intensificar e tornar irreversível o processo de paz na Colômbia.
Bergoglio não foi celebrar um país reconciliado, sem traumas nem ressentimentos. Quis contribuir para que todos desejem que o diálogo e a reconciliação se tornem o estilo de vida do país.
É difícil aceitar que o ressentimento do ex-presidente Álvaro Uribe — que se confessa um fervoroso católico — o tenha tornado alérgico à iniciativa do Papa, que declarou aos colombianos: “Foi demasiado o tempo que passaram no ódio e na violência; não queremos que mais nenhuma vida seja anulada ou restringida.” A conversão não é um acontecimento impossível.
Bergoglio não escolheu apenas o nome de Francisco de Assis. Em todo o lado, na Europa, no Oriente, em África, nas Américas, na Ásia, a sua vontade é realizar a oração que dele recebeu: “Senhor, fazei de mim um instrumento da vossa paz; onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver discórdia, que eu leve a união; (...); pois é dando que se recebe; é perdoando, que se é perdoado; é morrendo que se vive para a vida eterna.”
Mas se este é o espírito e o comportamento do Papa, porque suscitará ele tanta oposição?

2. Uma revista jesuíta [1] resolveu divulgar um texto de um biblista italiano, Alberto Maggi, membro da Ordem dos Servos de Maria, intitulado Desilusão. O autor desenhou uma tipologia que alguns julgarão simplista, mas talvez seja apenas tão exacta que lhe baste ser simples.
Segundo ele, tudo começou com um murmúrio discreto, que se tornou uma queixa e se foi ampliando. Agora, a resistência já é declarada: um confronto público, por vezes uma provocação acompanhada de ameaças de um cisma.
Francisco, em pouco tempo, conseguiu decepcionar quase todos. Esta decepção de ressentimento encapotado converteu-se em algo que está à vista de quem quiser ver. Alguns dos cardeais que o elegeram estão desiludidos. Parecia o homem ideal, sem esqueletos nos armários, doutrinalmente conservador, mas aberto às novas ideias. Com ele poder-se-ia garantir um tempo de paz no meio dos escândalos da Igreja, um período sem turbulências nem divisões.
Nunca imaginaram que Bergoglio tivesse a intenção de reformar a Cúria Romana, de acabar com os seus privilégios e fustigar as vaidades do clero. A sua presença, simples e espontânea, é uma acusação constante aos prelados pomposos, faraónicos, anacrónicos, cheios de si mesmos.
Os bispos carreiristas estão decepcionados. A nomeação para uma cidade era só um passo para uma posição de maior prestígio. Estavam prontos a clonar-se com o pontífice de serviço, imitá-lo sempre em tudo, desde os gestos externos até aos doutrinais, fazer qualquer coisa para lhe agradar e obter os seus favores. Agora, vem este Papa e convida os bispos ambiciosos e vaidosos a ter o cheiro das suas ovelhas... Que horror!
Uma parte do clero também está decepcionada. Esse clero sente-se perdido. Criado no estrito cumprimento da doutrina, indiferente ao povo de Deus, já não sabe que fazer. Tem de recuperar um sentido de “humanidade” que o escrupuloso cumprimento das normas da Igreja tinha atrofiado. Pensava que estava, como “sacerdote” (presbítero), acima dos fiéis e, agora, este Papa convida-o a descer e a colocar-se ao serviço dos últimos...
Decepcionados também estão os leigos empenhados na renovação da Igreja, assim como os tradicionalistas superapegados ao passado. Para estes últimos, o Papa é um traidor, a ruína da Igreja. Para os primeiros, não está a fazer o suficiente, não muda nem as regras nem as leis que já não estão em sintonia com os tempos, não legisla, não usa a sua autoridade como “comandante” da Igreja...
Os mais entusiasmados com ele são os pobres, os marginalizados e invisíveis e também aqueles cardeais, bispos, padres e leigos que, durante décadas, estiveram afastados por causa da sua fidelidade ao Evangelho, encarados com suspeita e perseguidos por causa da sua mania louca de ligar mais à Sagrada Escritura do que à tradição.
Aquilo que só haviam esperado, sonhado ou imaginado converteu-se numa realidade com Francisco, o Papa que fez descobrir ao mundo a beleza do Evangelho.

3. Alberto Maggi não tinha de falar de tudo. Os leitores portugueses podem e devem completar os mapas locais e o mundo das suas relações cujas percepções serão, naturalmente, muito variadas.
Pelo que ouço dizer e observo, em Portugal existem movimentos e orientações paroquiais, discretamente empenhados em contrariar as consequências dos gestos, das palavras e das intervenções do Papa. Quando ele diz que a reforma litúrgica é irreversível, esses movimentos, organizações e personalidades não fazem declarações públicas de que estão contra ela. Adoptam gestos e devoções que a contrariam. Isto sem falar nos textos que escrevem para mostrar que o Papa é um homem de boa vontade, mas incompetente do ponto de vista teológico, para orientar a Igreja. O que lhe falta em teologia sobra-lhe em atrevimento e falta de respeito pelo Direito Canónico.
No meu ponto de vista, seria péssimo que os gestos e as atitudes do Papa não fossem discutidos. O uso da liberdade de expressão na Igreja é um direito e um dever. Aliás, é o que este Papa mais exerce e mais deseja para todos. O que é inaceitável é que aqueles que sempre atacaram a liberdade no passado usem todos os meios para restaurar um tempo em que só eles e os da sua tendência tinham direito de expressão. Servir-se de um tempo de liberdade para a destruir não é o caminho da ética humana e cristã mais respeitável.

P.S.: Foi no dia em que escrevi esta crónica que soube da morte do bispo do Porto, António Francisco dos Santos, o bispo português de quem mais gostava e que sempre me acolheu com muita amizade.

[1] http://www.jesuitas.co/21780.html

Frei Bento Domingues no Público 

sábado, 16 de setembro de 2017

Papa nomeia D. Manuel para Bispo de Aveiro

1962-IX-16

O Papa João XXIII nomeou bispo de Aveiro D. Manuel de Almeida Trindade, que o Santo Padre, na bula, cognominou de «sacerdote de verdadeira e sólida piedade e de invulgar talento e experiência» (Correio do Vouga, 18-9-1962 e 8-12-1962) – J.

"Calendário Histórico de Aveiro" 
de António Christo e João Gonçalves Gaspar

Bispo de Aveiro: 
D. Manuel de Almeida Trindade


Com o falecimento de D. Domingos da Apresentação Fernandes, o novo Bispo de Aveiro veio do Seminário de Coimbra, onde era Reitor conceituado desde muito novo. Embora de ascendência anadiense, estava muito ligado a Coimbra, onde se formou e onde recebeu a ordenação presbiteral e episcopal.
Conhecido pela sua serenidade, prudência e sabedoria, soube pacificar comunidades paroquiais, enquanto dinamizou as Semanas de Estudos Pastorais. Bispo dialogante e próximo, tanto junto dos sacerdotes como dos leigos, participou no Vaticano II e deste concílio soube dar testemunho, tendo participado em inúmeros encontros sobre o essencial da renovação da Igreja Católica.
Desempenhou, também, durante seis triénios, entre 1970 e 1987, os cargos de presidente e vice-presidente do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa. Teve, entre muitas outras tarefas próprias do seu múnus pastoral, um envolvimento muito significativo e corajoso, durante a Revolução do 25 de Abril, na defesa da liberdade. Nesse sentido apoiou e participou, em espírito de liderança, numa grandiosa manifestação de cristãos, em defesa das liberdades democráticas e pela dignificação das pessoas e da sociedade em geral.
Durante o seu ministério episcopal, D. Manuel promoveu a fundação do Carmelo de Cristo Redentor, a criação do CUFC — Centro Universitário Fé e Cultura, da Casa Diocesana de Nossa Senhora do Socorro e do Círculo de Cultura Católica. Ainda promoveu a formação do primeiro grupo de Diáconos Permanentes.
Escreveu diversos livros, de que destaco, entre outros, “O padre Luís Lopes de Melo”, “Pessoas e Acontecimentos”, “Memórias de um Bispo”, “Apontamentos de Retiros” e “Sinfonia — Notas biográficas sobre o Padre Arménio Alves da Costa Júnior”.

Fernando Martins,
In “Gafanha da Nazaré — 100 anos de vida”

Georgino Rocha — Legado de D. António Francisco: Bem precioso a irradiar

D. António e P. Georgino

A celebração do funeral de D. António Francisco está revestida de uma simplicidade sóbria e digna, de uma eloquência exuberante e sábia. As pessoas, em número de multidão impressionante, trouxeram à luz do dia e fizeram brilhar as sementes fecundas do seu modo de ser e de agir, do seu saber estar e comunicar, do seu rosto de bondade e do seu coração de pastor. São sementes que no silêncio de tantas consciências iam germinando e, agora, como em plena manhã de primavera, se abrem à carícia do sol irradiante, à frescura do ambiente saudável, diáfano de luz e amor. São sementes portadoras de uma seiva divina e de um vigor missionário “imparável”.

Vivi esta celebração pascal como o coroar de uma vida plena que só na morte manifesta a sua riqueza transbordante, como a mais bela catequese que D. António Francisco podia realizar e a que os responsáveis da organização do funeral deram o indispensável suporte comunicativo: a urna no chão sobre uma carpete, com apenas a bíblia e a mitra, a sobriedade da zona envolvente, a atenção solícita dos presentes na Sé, nos claustros e no terreiro, o desenrolar do programa celebrativo, a participação sentida da numerosa assembleia, a clareza apelativa das orientações à assembleia orante, a mensagem diáfana da homilia, a dignidade dos ritos…tudo convergiu para que D. António Francisco fizesse ouvir a voz do seu silêncio apelativo, o clarão de esperança que irradia da sua vida nova.

Seleciono três mensagens que, por esta ocasião, me chegaram e deixaram marcas indeléveis. Parecem-me muito acertadas para avivar a sua memória abençoada: a do Papa Francisco, a dos sem-abrigo e a do grupo de jovens que veio de Paris tomar parte no funeral.

A mensagem do Papa Francisco manifesta “o seu pesar e a sua solidariedade à comunidade diocesana do Porto, bem como aos seus familiares em luto”, evoca o falecido bispo do Porto como um “pastor afável, generoso”, que colocou os seus dons “ao serviço dos irmãos”, e reafirma que o Santo Padre reza pelo “incansável servidor do Evangelho e da Igreja”, associando-se à Liturgia exequial e concedendo a sua bênção apostólica. O jeito de ser pastor tem muitos traços em comum entre o bispo de Roma e o do Porto, agora defunto.

Um amigo de Viseu, que toma parte na celebração, escreve no mural do seu facebook: “Deparo com um numeroso grupo de pobres sem abrigo que estavam presentes no adro da Catedral e de sua boca só se ouvia dizer: «morreu o nosso pai, o nosso grande amigo, (que) sorria sempre para nós, falava sempre connosco, perguntava a nossa história e porque éramos sem abrigo». Além destas referências carinhosas, «muitas outras coisas proferiam sobre o santo bispo que ficará na memória de milhares de pessoas, crentes e não crentes. Porque afinal o povo ainda sabe quem são os bons pastores”. Mais tarde, diz-me que na peregrinação da diocese do Porto a Fátima realizada a 9 de Setembro corrente, participaram 50 sem abrigo por indicação de D. António Francisco.

O porta-voz do grupo de jovens parisienses desabafa nestes termos: “Estou em choque. Foi ele que me casou, que batizou o meu filho. É um irmão, um santo. Perdi um amigo mas a Igreja ganhou mais um santo”.

Nos anos 70 do século XX, o então padre António Francisco assistia a uma comunidade portuguesa de emigrantes em Paris e fazia estudos universitários. A relação criada era tão forte que se concretizava em visitas periódicas. E o grupo avisado da morte daquele que foi seu “orientador e diretor espiritual”, torna-se presente no funeral e dá à Ecclesia o seu testemunho sobre o prelado “uma das melhores pessoas” que conheceu.

“A noite não tem cancelas”, dizia de vez em quando D. António Francisco chamado a acompanhar uma equipa de casais de Aveiro, após a morte de D. António Marcelino. É verdade. Para quem ama, nem noite nem o dia, nem o relógio nem a agenda, nem a lonjura dos caminhos ou a proximidade da vizinhança, nem o ritmo do coração que sintoniza com a hora de Deus. Precioso legado. Demos-lhe a melhor sorte! 

Georgino Rocha

17.º Festival da Canção Vida


O Festival da Canção Vida vai realizar-se no dia 18 de novembro, sábado, na Casa da Cultura de Ílhavo, estando abertas as inscrições até ao dia 28 de outubro. A data dos CTT não pode ultrapassar o dia 25 do mesmo mês. Trata-se de uma organização de A Tulha da Gafanha de Aquém, freguesia de S. Salvador, Ílhavo. 
Para além dos prémios, os participantes têm a ganhar ainda a riqueza do desafio que lhes é lançado pela associação A Tulha. O regulamento pode ser lido em www.atulha.com.

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Da beleza



"Depois, um poeta disse-lhe: Fala-nos da beleza.

E ele respondeu:
Onde procurareis a beleza e como a encontrareis se ela não for o vosso caminho e o vosso guia?
E como falareis dela se ela não for o artesão que tece os vossos discursos?"

Khalil Gibran
in "O Profeta"

Palmeira do Zé da Branca

Um símbolo que desaparece





Um símbolo, um ícone, um marco da nossa Terra “tombou”.   A velha palmeira do Zé da Branca, com 126 anos, sucumbiu à praga do Escaravelho da Palmeira e ao corte cirúrgico duma motosserra. Durante mais de um século a marcar um Lugar, a Cambeia, que toda a gente designava como o Sítio da Palmeira.
Abrigou muitos  Reis Magnos que, em Janeiro de cada ano, aí se encontravam, para planearem a viagem à descoberta do Menino.E quantos de nós, aproveitando a sua sombra benfazeja, desfiávamos os sonhos de meninos…
Pois um insecto conseguiu murchá-la, destruí-la… e uma serra, no dia 13 de Setembro de 2017, desceu-a do pedestal, ficando reduzida a um pequeno tronco seco, mirrado, que apenas nos recorda, com saudade, a Palmeira do Zé da Branca.

HRocha

Anselmo Borges — Livros das férias (2)




Continuo com reflexões a partir do livro de Celso Alcaína Roma Veduta. Monseñor Se Desnuda, ele próprio reflectindo sobre a Igreja e o seu futuro, a partir dos oito anos passados na Cúria, concretamente na Congregação para a Doutrina da Fé.

1. O Concílio Vaticano II constituiu uma viragem e uma enorme esperança para a Igreja e para o mundo. Foi na sua sequência que, por exemplo, em 1966 acabou o Index Librorum Prohibitorum (o catálogo dos livros proibidos). Em 1967, foi criada a Comissão Teológica Internacional, que teria temas múltiplos para estudar, como: "O valor e oportunidade do dogmatismo, o primado e magistério (incluída a infalibilidade) do bispo de Roma, a colegialidade episcopal, a relação permanente entre razão e fé, o evolucionismo, a divindade de Jesus, a fundação da Igreja como sociedade hierárquica permanente, a revisão e formulação dos dogmas com especial incidência nos marianos, o valor e a interpretação da Bíblia, o valor da tradição, a transubstanciação eucarística, o sacramento da penitência, a indissolubilidade do matrimónio, o pecado original, o pluralismo teológico, o papel do laicado, o celibato obrigatório." Mas "a Cúria atemorizou-se e essas propostas caíram em saco roto". Com João Paulo II, fez-se marcha atrás, voltou-se ao centralismo romano e as condenações de teólogos contam-se às dezenas.

Na impossibilidade de reflectir sobre todas essas problemáticas, volto à questão do celibato. A sua obrigatoriedade só muito lentamente se impôs. Durante o primeiro milénio houve inclusivamente papas casados. Foi o papa Gregório VII, no século XI, que impôs ao mesmo tempo essa obrigatoriedade e o centralismo papal. Mesmo assim, foi só no Concílio de Trento, no século XVI, que foi ratificado com carácter universal, isto é, obrigatório para todos os padres, no Ocidente. Mas, de facto, com a tolerância de muitos bispos. Como ficou dito, Paulo VI empenhou-se a favor do celibato opcional, sem o conseguir. João Paulo II previu a abolição da obrigatoriedade, com estas palavras: "Sinto que acontecerá, mas que não seja eu a vê-la."

Os escândalos sucederam-se. Diz-se, por exemplo, que no Concílio de Constança (1414-1418), compareceram 700 prostitutas. Houve papas filhos de papas. "Inclusivamente depois da lei do celibato obrigatório, nos séculos XV e XVI, foram vários os papas que geraram filhos, quer já papas quer na sua condição anterior de bispos: Inocêncio III, Alexandre VI, Júlio II, Gregório XIII..." Alcaína refere que durante os seus oito anos de actividade no Vaticano foi comissário-juiz para a redução de sacerdotes ao estado laical: "Mais de mil casos passaram pelas minhas mãos", clérigos que se tinham enamorado... Há hoje mais de cem mil padres casados, que formaram família e tiveram de abandonar o sacerdócio e eu pergunto porque é que a Igreja não aproveita tantos deles, que quereriam e têm qualidades para o exercício do ministério.

Alcaína nota que os filhos de clérigos, segundo uma norma que vem da Baixa Idade Média, serão chamados sobrinhos. Neste contexto, chamo a atenção para que no passado mês de Agosto foram dadas a conhecer normas dos bispos irlandeses sobre a situação dos padres com filhos: o bem-estar da criança é primordial e a mãe deve ser respeitada, devendo o sacerdote "assumir as suas responsabilidades pessoais, legais, morais e financeiras".

2. E Francisco? O que pensa dele Alcaína?

Ao contrário de Ratzinger, Bergoglio não é "um teólogo profissional. Não tem escola teológica própria. É de esperar que não pretenda impor uma concepção enviesada do cristianismo e que fomentará o progresso teológico. Francisco transmitiu desde o princípio sinais de humildade, também doutrinal. Antepôs a acção à ideologia: o nome eloquente que escolheu, o seu respeito pelas convicções dos ouvintes, a sua simplicidade com gestos nada teatrais, a sua posição manifesta a favor de uma Igreja pobre, o seu confessado amor aos pobres, as suas alocuções nada pontificais, o seu cuidado em evitar ser chamado com títulos pomposos para lá de "bispo de Roma", o seu beijo espontâneo a uma mulher perante as câmaras, nem sapatos vermelhos nem anel em ouro nem púrpura... Tudo faz pressagiar uma primavera de esperança".

Mas o jesuíta Francisco não conseguiu reformas visíveis e fundas. Escandalizou com canonizações, algumas endogâmicas, como no caso de João Paulo II. Reconheceu milagres, que implicariam um Deus arbitrário, a favor de uns e não de outros. "Criou cardeais, em reconhecimento de um arcaico Colégio Cardinalício, historicamente desprestigiado e eclesiasticamente artificial", que impede uma eleição mais democrática do papa: não se deve esquecer que no primeiro milénio, "como no resto das Igrejas locais, era o clero (e os delegados do povo) de Roma que elegia o seu bispo" e o Papa era primus inter pares (o primeiro entre iguais). "Não subscreveu a Declaração Universal de Direitos Humanos nem outras 15 convenções da ONU na linha da mesma Declaração." Não teve força para contradizer "a misógina decisão de João Paulo II quanto ao sacerdócio feminino". Não suavizou o verticalismo centralista nas nomeações episcopais. E há outras questões essenciais para quem trabalha por uma Igreja diferente: "Jesuânica, exemplar, autêntica." Ora, dentro do âmbito das suas actuais competências, Francisco pode fazê-lo. Há aquele dito: "Potuit, voluit ergo fecit" (podia, quis e, por isso, fez). "Aparentemente, Bergoglio quer; há dúvidas se Francisco quer; legalmente, canonicamente, o Papa pode. FIAT (Faça-se)."

Aqui, digo eu: certamente, Alcaína não ignora que o Papa Francisco não pode nem quer criar cismas na Igreja. Sobretudo, há a Cúria, que ele conhece como poucos, e que, repito com o jesuíta J.I. González Faus, é responsável por mais ateus do que Marx, Nietzsche e Freud juntos.