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domingo, 12 de novembro de 2023

ANTÓNIO NOBRE - Poeta Lusíada da Saudade

 “Foi o poeta da virgindade, porque os seus olhos ingénuos e límpidos descobriram como nenhuns outros, nas coisas e nas criaturas, o que elas encerram de suprema delicadeza, o seu aspeto mais fino, a sua expressão mais terna, o seu ponto de contacto com a imaterialidade. Ele não alcançou o pleno Espírito e desprezou sempre a Matéria.”

Teixeira de Pascoais

Nota: Abertura em destaque no estudo de Paulo Samuel




MEMÓRIA
À MINHA MÃE
AO MEU PAI

Aquele que partiu no brigue Boa Nova,
E na barca Oliveira, anos depois, voltou;
Aquele santo (que é velhinho e já corcova)
Uma vez, uma vez, linda menina amou:
Tempos depois, por uma certa lua-nova,
Nasci eu… O velhinho ainda cá ficou,
Mas ela disse: — «Vou, ali adiante, à Cova,
António, e volto já…» E ainda não voltou!
António é vosso. Tomai lá a vossa obra!
«Só» é o poeta-nato, o lua, o santo, a cobra!
Trouxe-o dum ventre: não fiz mais do que escrever…
Lede-o e vereis surgir do poente havidas mágoas,
Como quem vê o sol sumir-se, pelas águas,
E sobe aos alcantis para o tornar a ver!

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Anselmo Borges — António Nobre e Francisco


António Nobre escreveu um poema. Dedicado ao Papa Leão XIII. É comovente e foi seleccionado por Eugénio de Andrade para a sua Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa. Diz assim:

"Ó Padre Santo! Meu Irmão! Ó meu amigo/Do velho mundo antigo/- Dá-me consolação, e prova-me que há Deus;/Resolve-me a equação estrelada dos céus;/Admite-me ao Conselho amigo dos Cardeais;/Deixa-me ler, também, na letra dos missais!/Muito que te contar! Não conheces o mundo?/Nunca desceste, Padre!, a esse poço profundo?/Metido nessa cela ideal do Vaticano,/Há quanto tempo tu não vês o Oceano?/Nunca viste um bordel! Sabes o que é a desgraça?/Ouviste acaso o "pschut"! delas, a quem passa?/Sabes que existem, dize, as casas de penhores?/No teu palácio, há, porventura, amores?/Viste passar, acaso, um bêbado na rua?/Já viste o efeito que na lama imprime a lua?/Ouve: tiveste já torturas de dinheiro?/Já viste um brigue no mar? Já viste um marinheiro?/Que ideia fazes das crenças dos rapazes?/Já viste alguém novo, Padre? Que ideia fazes,/Santo Leão, do Boulevard dos Italianos?/Recordas com saudade os teus vinte e três anos?/Ó Leão XIII! Ó Poeta, essa é a minha idade!,/Como tu vês, estou na flor da mocidade!,/Ainda não contei metade de cinquenta./Começa-me a nascer a barba, o mundo tenta/A minha alma: ah, como é lindo esse Demónio!/Nasci em Portugal, chamo-me António;/(...) Em pequenino, Padre, ajoelhado na cama,/A erguer as mãos a Deus, ensinou-me a minha ama:/Sabia de cor mil e trezentas orações,/Mas tudo esqueci no mundo aos trambolhões.../Nossa Senhora te dirá se isto é assim!/ - O que há-de ser de mim?"

Se fosse agora, com o Papa Francisco, António Nobre não se queixaria tanto. Porque Francisco não é o Papa da distância, mas da proximidade. Ele não é prisioneiro dentro do Vaticano: ele vai à rua, fala com os sem-abrigo, abraça os doentes e que "se não deve ter medo da ternura", ele sabe de bordéis e ainda recentemente visitou uma casa de antigas prostitutas, já viu bêbados e amparou-os, tem experiência do que é ter torturas de dinheiro e, por isso, ergue-se contra o cancro da corrupção e prega contra a injustiça e o ídolo do dinheiro, sabe das crenças dos rapazes e das raparigas e das suas lutas e demónios e tem e pede aos padres e bispos compreensão para eles e que a confissão não seja "uma câmara de tortura", vê oceanos nas suas viagens pelo mundo em busca do diálogo e da paz entre os povos...

Francisco também sabe das dificuldades da fé. Porque a Igreja anda, como dizia o cardeal Carlo Martini, com duzentos anos de atraso, e a teologia tem sido marginalizada, calada e perseguida. Ele conhece concretamente o que o seu companheiro jesuíta José María Castillo escreveu recentemente sobre o tema: de como as ciências e as tecnologias avançam com novos conhecimentos enquanto a teologia fica entregue ao desalento, tolhida, cada vez com menos interesse, incapaz de responder às novas perguntas, empenhada como está em manter, como intocáveis, alegadas "verdades" que não sabe como é possível continuar a defender. E dá exemplos: "Como podemos continuar a falar de Deus, com a segurança com que dizemos o que Ele pensa e quer, sabendo que Deus é o Transcendente, não estando portanto ao nosso alcance? Como é possível falar de Deus sem saber exactamente o que dizemos? Como se pode assegurar que "por um homem entrou o pecado no mundo"? Vamos continuar a apresentar como verdades centrais da nossa fé o que na realidade são mitos que têm mais de quatro mil anos? Com que argumentos se pode assegurar que o pecado de Adão e a redenção desse pecado são verdades centrais da nossa fé? Como é possível defender que a morte de Cristo foi um "sacrifício ritual" de que Deus precisou para nos perdoar as nossas faltas e salvar-nos? Como se pode dizer que o sofrimento, a desgraça, a dor e a morte são "bênçãos" que Deus nos manda? Porque continuamos a manter rituais litúrgicos que têm mais de 1500 anos e que ninguém entende nem sabe por que razão se continua a impor às pessoas? É mesmo verdade que acreditamos no que nos é dito em alguns sermões sobre a morte, o purgatório e o inferno?" E a lista de perguntas sobre doutrinas estranhas e contraditórias poderia continuar. E as igrejas esvaziam-se. E uma das razões é uma teologia paupérrima, tolhida pelo medo.

Aí está uma das razões por que Francisco tem tantos adversários e mesmo inimigos. E ele o que faz? Para abrir o caminho de uma teologia aberta, depôs o cardeal G. Müller de prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e substituiu-o pelo jesuíta L. Ladaria. Continua a ir em frente, procurando pôr em marcha o Evangelho a favor da humanidade. E socorre-se também do bom humor, e todos os dias reza a oração do bom humor, oração de São Thomas More, o autor de A Utopia, que não se esqueceu de levar a gorjeta para o carrasco que ia decapitá-lo. Francisco recomendou-a também aos membros da Cúria Romana, sobretudo aos díscolos:

"Dá-me, Senhor, uma boa digestão e também algo para digerir./ Dá-me um corpo saudável e o bom humor necessário para mantê-lo./Dá-me uma alma simples que sabe valorizar tudo o que é bom/e que não se amedronta facilmente diante do mal,/mas, pelo contrário, encontra os meios para voltar a colocar as coisas no seu lugar./Concede-me, Senhor, uma alma/que não conhece o tédio, /os resmungos,/os suspiros/ e as lamentações,/nem o excesso de stress por causa desse estorvo chamado "Eu"./Dá-me, Senhor, o sentido do bom humor./Concede-me a graça de ser capaz de uma boa piada, uma boa piada para descobrir na vida um pouco de alegria /e poder partilhá-la com os outros./Ámen."

Anselmo Borges no Diário de Notícias de hoje 

domingo, 18 de março de 2012

António Nobre - o poeta de o SÓ

18 de março de 1900

Texto de Maria Donzília Almeida


Desde que reatei a convivialidade, com o Conde da família, que à janela da minha memória, assomam apenas, criaturas nobres! 

A personagem que a seguir se apresenta, povoa o meu imaginário infantil desde tenra idade. O poema apresentado, com o ritmo cadenciado, ao jeito de uma canção de embalar, ficou gravado na minha memória de menina de bibe! 

António Nobre nasceu no Porto, em 1867 e viria a falecer na mesma cidade, no dia 18 de Março de 1900, com apenas 33 anos de idade. Matriculou-se em 1888 no curso de Direito, na Universidade de Coimbra, mas como os estudos lhe corressem mal, partiu para Paris onde frequentou a Escola Livre de Ciências Políticas. Aí, licenciou-se em Ciências Jurídicas. De regresso a Portugal, tenta entrar na carreira diplomática, mas é impedido pela tuberculose. Doente, ocupa o resto dos seus dias, em viagens, a procurar remédio para o seu mal, da Suíça à Madeira. Obras poéticas: , publicada em Paris em 1892, Despedidas, 1902 e Primeiros Versos, 1921, ambas publicadas postumamente. 

Trata-se, de facto, em especial no caso de Só, de uma obra emblemática em si mesma e do fim-de-século português, combinando a herança romântica com a estética do Decadentismo e do Simbolismo, que o poeta bem conhecia (como aliás a geração coimbrã a que pertence): a sobreposição desses modelos, o seu universo pessoal e o seu talento de poeta fazem nascer uma voz original, tecendo o sábio trabalho sobre os tipos de verso e de estrofe mais diversos, sobre o ritmo e formas poéticas clássicas como o soneto ou outras, com destaque para o poema longo e de construção dialógica (por exemplo, em “António” ou “Os figos pretos”). Do ponto de vista técnico, trata-se de uma poesia que parece muito próxima da oralidade, mas tal é desmontado quer por referências temáticas de requintada estesia, quer pelo uso de versos como o alexandrino e o decassílabo, a par de outras medidas, combinando com mestria ritmos sofisticados, ao modo simbolista, mas sem criar a opacidade que se pode ler em poetas seus contemporâneos (v.g. Eugénio de Castro), antes mantendo uma cadência cantabile, que qualquer leitor consegue acompanhar - o que não será alheio ao sucesso atestado pelas múltiplas reedições.

domingo, 11 de setembro de 2011

Gafanha da Nazaré: Rua António Nobre




“O livro mais triste que há em Portugal”


A Rua António Nobre fica situada perto da igreja matriz da Gafanha da Nazaré e liga a Av. José Estêvão à Rua Gago Coutinho. É uma rua pequena, mas muito movimentada, já que está na zona central da cidade.
Quando olho para as ruas e seus nomes de batismo, não consigo fugir à tentação de comparar, por vezes, a pequenez e simplicidade de algumas vias com a grandeza dos nomes que ostentam. Aqui, essa sensação acentua-se, pois António Nobre merecia mais, no meu entender. Contudo, não é fácil fazer coincidir a importância de uma rua com a pessoa homenageada.
Este poeta ultra-romântico e saudosista nasceu no Porto em 16 de agosto de 1867 e faleceu na Foz do Douro, em casa de seu irmão Augusto Nobre, cientista, político e professor da Universidade do Porto, em 18 de março de 1900, curiosamente o ano do falecimento de Eça de Queirós, com quem se cruzou na vida, em Paris, onde o escritor de "A cidade e as serras" era Cônsul de Portugal.
António Nobre frequentou o curso de Direito da Universidade de Coimbra. Desistiu e seguiu para Paris, tendo frequentado a Escola Livre de Ciências Políticas, onde se licenciou em Ciências Jurídicas. De regresso a Portugal, não pôde iniciar qualquer carreira profissional, por motivo de doença. A tuberculose levou-o a procurar alívio na Suíça e na Madeira.
Este poeta publicou em vida um único livro de poemas, intitulado "Só", no qual deixa transparecer sentimentos de tristeza e de nostalgia, talvez provocados pela doença de que sofria e que ele sabia ser fatal. Morreu cedo, aos 33 anos, mas deixou outros escritos que vieram a lume a título póstumo, nomeadamente, "Despedidas"(1902) e "Primeiros Versos" (1921). Mais tarde, ainda foram publicadas “Cartas Inéditas de António Nobre” (1934), “Cartas e Bilhetes Postais a Justino Montalvão” (1956) e “Correspondência” (1967).
"Só", obra que na minha juventude foi muito lida e apreciada, não deixou de ser considerada pelo autor como "o livro mais triste que há em Portugal". E quando o lemos, poema a poema, sentimos a dor que lhe ia na alma.

Fernando Martins

********************

Georges! anda ver o meu país de Marinheiros
O meu país das naus, de esquadras e de frotas!

Oh as lanchas dos poveiros
A saírem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
À espera de maré,
Que não tarda aí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o com toda a força,
Clamam todas à uma: «Agôra! agôra! agôra!»
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(Às vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento e todas, à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas…
(…)

Do livro "SÓ"