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domingo, 15 de outubro de 2023

Plantas da Bíblia - A Oliveira

«E eis que pela tarde a pomba voltou, trazendo no bico uma folha verde de oliveira. Assim Noé compreendeu que as águas tinham baixado sobre a terra.»

O azeite na Igreja Católica

Atualmente utilizado em 4 sacramentos: unção batismal, unção dos doentes, unção do crisma e unção sacerdotal, para além de surgir ainda na consagração dos altares da Eucaristia.

Nota: De vez em quando voltarei ao livro "Plantas da Bíblia" para evocar a importância das plantas na simbologia religiosa.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

ACOLHE A MISSÃO QUE JESUS TE CONFIA

Reflexão de Georgino Rocha 
para a Festa da Ascensão do Senhor

“Ide e ensinai”, ordena Jesus, com toda a sua autoridade, na declaração final que precede a sua Ascensão. Os discípulos vivem um “feixe” de sentimentos que vão da dúvida ao reconhecimento e à adoração. Acolhem a ordem/envio com docilidade e “temor” pois os horizontes da missão são desproporcionados às suas forças e capacidades. Ir por todo o mundo, ensinar todas as nações, fazer discípulos de todos os povos, baptizar os que acreditam, constituem expressões que configuram a amplitude da sua nova responsabilidade. E eles, seres humanos frágeis e hesitantes, limitados nas capacidades e nos conhecimentos, marcados e formatados pelos hábitos de trabalho duro e da cultura judaica, eles a sentirem a desproporção do que lhes é incumbido e a realidade das suas forças, sem contar com a adversidade de certas e surpreendentes circunstâncias. Mt 28, 16-20.
Quem se atreveria a aceitar tal mandato ou, pelo menos, não pediria algum esclarecimento? Quem não sentiria a tentação da debandada, deixando o lugar vago à espera que outros viessem fazer o que era da sua responsabilidade? Quem não hesitaria em fazer “ouvidos moucos” a tal imperativo, ainda que se retardasse o ritmo do que estava planeado? Estas e outras interrogações trespassariam qualquer coração humano que contasse apenas com os seus recursos. A probabilidade do fracasso era grande.
Mas os discípulos não dão sinais de reagir desfavoravelmente, não manifestam qualquer temor e dispõem-se a tudo. Reconforta-os, sem dúvida, a promessa/garantia de Jesus: “Eu estou sempre convosco até ao fim dos tempos” e ainda: Enviar-vos-ei o Espírito para que esteja em vós e habite convosco.

sábado, 30 de novembro de 2019

Livro de Jorge Arroteia: "Migrações Bíblicas"


O LIVRO

“Migrações bíblicas” (Ed. Tempo Novo; 400 páginas; PVP: 15 euros) é um estudo sobre os movimentos de pessoas e povos nas terras bíblicas (Médio Oriente).

“Através de uma narrativa dinâmica que nos coloca em contacto com o mistério insondável da natureza humana, escutando o ruído do homem nas rotas descritas na Bíblia, o autor analisa esses diversos percursos, levando-nos ao encontro de protagonistas individuais e coletivos, triunfantes e oprimidos; somos confrontados, através deste contributo analítico, com momentos dramáticos da história do povo hebreu, de uma história tecida de sofrimento e glória” (do Prefácio, assinado por Cassiano Reimão).

Ler mais aqui 

domingo, 24 de novembro de 2019

BÍBLIA - Tradução de Frederico Lourenço

Adquiri hoje o Tomo 2 do IV Volume da BÍBLIA, numa tradução do grego de Frederico Lourenço. Para mim, é um prazer enorme reler a BÍBLIA nesta edição da Quetzal, enriquecida pelos comentários do tradutor, oportunos e esclarecedores. Frederico Lourenço não é um tradutor qualquer, pelo que sei. E também é um escritor de mérito. É mesmo especialista e docente universitário  de Literatura Grega. 
A Bíblia faz parte da minha biblioteca desde que os livros começaram a despertar-me interesse. Direi mesmo uma certa e salutar paixão que se tem mantido viva e atuante. 
Gosto de ler o Livro Sagrado ao ritmo da maré. Serenamente, sem provocar cansaço e na perspetiva de saborear a presença de Deus no mundo... Ele anda por aí. 

«O importante é esta Bíblia, um grande livro que decerto perdurará muitos, muitos anos na reduzida prateleira da Grande Arte da nossa Literatura, pelo seu rigor, pela sua beleza, pela sua absoluta e luminosa fidelidade. Como português agradeço do coração a Frederico Lourenço. Como escritor agradeço-lhe do fundo da alma. A Arte não é um desporto de competição e a Casa do Pai tem muitas moradas.» 

[António Lobo Antunes] 

Na cinta do livro 

Para onde irei, longe do Teu espírito? 
E longe do Teu rosto para onde fugirei? 
Se eu subir ao céu, Tu estás lá; 
se eu descer ao Hades, estás presente. 
Se eu tomar as minhas asas de madrugada 
E habitar nas extremidades do mar, 
Também aí a Tua mão me conduzirá; 
E a Tua dextra me segurará. 
E eu disse: «Então escuridão me espezinhará; 
E a noite será iluminação no meu prazer.» 
Porque escuridão não será escurecida devido a Ti; 
E noite como dia será iluminada. 

Salmo 138 (= 139 BH), 7-12 

Capa da contracapa

domingo, 25 de novembro de 2018

Não há soluções prontas a servir

Frei Bento Domingues

«É verdade que ninguém dispõe de soluções prontas a servir a dignidade humana de todos. Mas ninguém devia dispensar a pergunta: eu não posso mesmo fazer nada? 
O Papa Francisco faz o que pode, mas não nos pode substituir.»

1. Vamo-nos enganando e já não é pouco! Foi o comentário de um amigo à minha homilia de apresentação da Mensagem do Papa para o II Dia Mundial dos Pobres, no passado Domingo. Procurou fazer-me uma breve catequese de bom senso, pois ninguém tem uma receita eficaz para curar a história da nossa desumanidade. Mergulhados no mistério do tempo, cada um de nós vive, apenas, o pequeno intervalo entre o nascimento e a morte. Tanto vale acreditar que o mundo vai mudar para melhor como repetir que irá sempre de mal a pior. Os anúncios do avanço das ciências e das técnicas deixaram, há muito, de o entusiasmar. A quem vão eles servir? Oferecem, aos donos dos grandes negócios, novos instrumentos e condições para desenvolverem a concentração da riqueza e do poder económico, bélico e político. O mundo de todos em mãos de poucos. 
Insistiu comigo: aquilo que o Papa diz e tenta fazer não resolve nada. O próprio Cristo, num momento de grande lucidez, arrumou com todas essas veleidades: pobres sempre os tereis entre vós! Estava escrito na Bíblia o que ele bem conhecia: não “haja pobres entre vós” e, no entanto, Jerusalém, a cidade santa, tinha-se tornado um grande centro de mendicidade. 
Sei que as atitudes, os gestos e as palavras de Bergoglio não resolvem nada, mas também sei que ajudam muitas pessoas a resolverem-se a abandonar o cepticismo estéril e a interrogar-se: que posso eu fazer? Impede-nos de tapar os olhos e os ouvidos e de dizermos que não sabemos bem o que se passa. Recusando ou aceitando somos cúmplices, aliados ou indiferentes. O Papa não consente que forjemos um Deus que nos substitua e, por isso, há crianças, adolescentes, jovens e adultos que para serem felizes optam por hierarquizar as suas necessidades e desenvolver os seus talentos para vencerem a solidão e as situações difíceis de outras pessoas. Descobriram que havia estilos de vida mais divertidos e entusiasmantes do que o culto da estupidez consumista. Um estilo sóbrio de vida pode e deve ser mais divertido do que a peregrinação obrigatória a todos os restaurantes do Guia Michelin. 

terça-feira, 3 de julho de 2018

Há tempo para tudo



HÁ TEMPO PARA TUDO

Tudo neste mundo tem seu tempo;
cada coisa tem sua ocasião.

Há um tempo de nascer e tempo de morrer;
tempo de plantar e tempo de arrancar;
tempo de matar e tempo de curar;
tempo de derrubar e tempo de construir.

Há tempo de ficar triste e tempo de se alegrar;
tempo de chorar e tempo de dançar;
tempo de espalhar pedras e tempo de as juntar;
tempo de abraçar e tempo de afastar.

Há tempo de procurar e tempo de perder;
tempo de economizar e tempo de desperdiçar;
tempo de rasgar e tempo de remendar;
tempo de ficar calado e tempo de falar.

Há tempo de amar e tempo de odiar;
tempo de guerra e tempo de paz.

Ecle. 3, 1-8

domingo, 5 de novembro de 2017

Bento Domingues — A ignorância não é um dever



1. Lutero não passou por Portugal. Na revista Brotéria, de Outubro, tentei explicar porque lhe negaram o passaporte. Apesar disso, de vez em quando, surgem acontecimentos que levam os meios de comunicação a lembrar que existe uma coisa muito antiga chamada Bíblia, que ele próprio traduziu para alemão. Agora parece que foi invocada, juntamente com o código penal de 1886, pelos juízes Neto Moura e Maria Luísa Arantes, para atenuar um crime horroroso contra uma mulher adúltera.
Não admira, dizia-me um leitor de Saramago. A Bíblia está cheia de histórias escandalosas e de maus exemplos. O diabo não precisa de ser muito pior do que um deus que mata e manda matar. Esse livro parece escrito por um bipolar: passa facilmente do sublime ao detestável, por vezes no mesmo salmo. No entanto, cuidadosamente encadernado fica bem numa sala, ainda que pouco frequente numa casa portuguesa. Entre as dificuldades em ler e interpretar esses textos antigos figura uma insistente ignorância ou esquecimento: a Bíblia não é um livro!
Habituados, como estamos, a ver as Sagradas Escrituras cristãs num só volume e a dar-lhes um nome no singular, a Bíblia, somos levados a imaginar que é uma obra que um autor divino escreveu, de fio-a-pavio, mas com mais heterónimos do que Fernando Pessoa. 
Na verdade, não se trata de um livro, mas de uma biblioteca formada por 73 ou 74 obras, segundo o cânone da Igreja católica, e 66, segundo o cânone das Igrejas reformadas. Foi escrita ao longo de vários séculos em diversos contextos geográficos, sociais e culturais.
Sem poder entrar aqui em pormenores, convém lembrar o seguinte: quase dois terços dos livros da Bíblia cristã são comuns ao cristianismo e ao judaísmo rabínico, herdeiro imediato das escrituras do judaísmo antigo. Na verdade, o Antigo Testamento (AT) católico é mais vasto e variado do que o TaNak e o AT das Igrejas reformadas que adoptaram o cânone judaico. A escrita dos livros do AT católico durou cerca de um milénio. Teve como quadro essencial a Palestina. É possível que alguns livros tenham sido escritos, em parte, na Babilónia e outros no Egipto (em Alexandria).
A exegese histórico-crítica mostrou que figuram no AT diferentes géneros literários e temas que são documentados nas outras literaturas próximo-orientais do primeiro milénio a.C., em particular, nas literaturas dos demais povos semitas [1].

2. Os juízes, se queriam referir-se à relação de homens e mulheres na Bíblia, teriam de se aconselhar com o trabalho de investigação e de militância das feministas que reexaminam não só a própria Bíblia, mas também a interpretação que os homens fazem dela, tentando, muitas vezes, justificar e perpetuar uma dominação ancestral, própria de sociedades patriarcais. A mulher era propriedade do marido; a virgem, antes do noivado, propriedade do pai. O adultério da mulher e a defloração de uma rapariga eram, antes de mais, um atentado contra o direito de propriedade [2].
A exegese bíblica feminista assume-se como instrumento de luta pela igualdade social. O seu objectivo expressa-se em termos de emancipação ou de libertação das mulheres. Desse ponto de vista, a leitura feminista da Bíblia é comparada e, em parte, comparável ao trabalho da Teologia da Libertação.
Contrariamente ao que às vezes se afirma, não foi a Bíblia que deu origem à subordinação das mulheres na civilização ocidental. A subordinação era um traço das civilizações europeias antes da chegada da Bíblia. Essas civilizações tinham esse traço em comum com as civilizações do Próximo Oriente de que a Bíblia é uma expressão. O que a Bíblia fez foi dar a essa prática a sua legitimação religiosa.
Sendo fruto da civilização ocidental, o próprio feminismo é herdeiro da mesma Bíblia que deu caução religiosa à supremacia dos homens sobre as mulheres. Por isso, é natural que a Bíblia ocupe um lugar muito importante nos estudos feministas, mas as mulheres ainda estão longe da paridade com os homens. Na Igreja Católica, intérprete autorizada da Bíblia, a hierarquia continua a ser formada só por homens e, além disso, celibatários [3].
O NT não legitima as atitudes dominadoras do AT em relação às mulheres. Pelo contrário, elas estão incluídas no espantoso universalismo cristão, sublinhado por Paulo: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” [4]. No Evangelho de Marcos, mostra-se que o homem pode ser adúltero contra a mulher. Como nota Frederico Lourenço, trata-se de “um desenvolvimento notável rumo à igualdade de género” [5].
Quanto à atitude de Jesus em relação ao apedrejamento de uma mulher apanhada em adultério, aconselho a leitura das admiráveis observações do mesmo autor ao texto atribuído ao evangelista João [6].
Se houve mulheres que se emanciparam para servir o projecto de Jesus, é porque esse projecto as incluía. O Ressuscitado encarregou-as de evangelizar os próprios apóstolos. Daí que a Maria Madalena tivesse sido designada como Apóstola dos Apóstolos.

3. Frederico Lourenço entregou-se a um empreendimento que julguei impossível, quando foi anunciado: traduzir, do texto grego, o conjunto da Bíblia, tradicionalmente conhecido pelo nome de Septuaginta, com apresentação, introdução e notas dos vários livros. Sobre a significação, a originalidade e as explicações acerca da Bíblia Grega, o tradutor encarregou-se de nos elucidar logo no Vol. I, consagrado aos Quatro Evangelhos, em 2016. Em 2017, surgiram o Vol. II, Apóstolos, Epístolas, Apocalipse, e o Vol. III, Os Livros Proféticos. Este, em Outubro. É o segundo acontecimento mais importante do ano para todos os que julgam que a ignorância do mundo bíblico não é obrigatória.
Francolino Gonçalves, O.P., morreu a 15 de Junho deste ano, na Escola Bíblica de Jerusalém, na qual viveu, investigou e ensinou, durante mais de 40 anos. Segundo alguns confrades, sofreu muito por não poder continuar as investigações do AT, que tinha em mãos, especialmente do universo profético, bíblico e extra bíblico, de que era um reconhecido especialista. Tenho muita pena que ele não pudesse acompanhar a obra impressionante de Frederico Lourenço, que lhe daria grande alegria.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Para as informações fundamentais sobre os mundos em que se formou e desenvolveu essa biblioteca, ver o amplo e rigoroso estudo de Francolino J. Gonçalves, Mundos bíblicos, Cadernos ISTA, n.º 18, 2005, pp 7-34.
[2] Ex 20,14; 22,15-16; Lv 20,10; Dt 5,21; 22, 22-29; Ez 16, 38-40.
[3] Cf. Francolino J. Gonçalves, professor da Escola Bíblica de Jerusalém e membro da Comissão Bíblica Pontifícia, As mulheres na Bíblia, Cadernos ISTA, n.21 (2008), pp 109-158
[4] Gal 3, 25-28
[5] Mc 10, 1-12 e nota ao v. 11.
[6] Jo 8, 1-11; cf. Frederico Lourenço, Bíblia, Vol. I, pp.357-360

domingo, 30 de julho de 2017

Bento Domingues — Jesus não gostava de broa? (2)


1. Vivemos, hoje, um momento de extraordinárias possibilidades na Igreja Católica e o Papa Francisco é, a muitos títulos, uma bênção mundial.
Os participantes no G20, em Hamburgo, nos dias 7 e 8 de Julho, tinham um tema: “Dar forma a um mundo interligado.” Na sua mensagem, o Bispo de Roma lembrou quatro princípios de acção, recolhidos da sabedoria multissecular, para a construção de sociedades fraternas, justas e pacíficas: o tempo é superior ao espaço; a unidade prevalece sobre o conflito; a realidade é mais importante do que a ideia; o todo é superior às partes.
Já tinha assumido essa sabedoria no seu programa pastoral Evangelii gaudium, pois a Igreja não deve aprender apenas na escola da Bíblia e das suas tradições, mas na de todos os povos e culturas, do passado e do presente. Para poder ser “mãe e mestra”, tem de ser filha e aluna atenta a todos os mundos. Antes de falar é necessário ouvir, como indica o ritual do Baptismo.
Na sua mensagem aos mais ricos e poderosos, Bergoglio abordou cada um desses temas de forma extremamente rigorosa e concreta, mas sempre com um objectivo muito preciso: dar prioridade absoluta aos pobres, aos refugiados, aos sofredores, aos deslocados e aos excluídos, sem distinção de nação, raça, religião ou cultura e rejeitar os conflitos armados.
Possibilidades semelhantes tinham sido abertas pelo Papa João XXIII, ao convocar o concílio Vaticano II (1962-1965), uma espantosa Primavera traída por algo que ainda hoje é inquietante: o adiamento da reforma das mediações concretas e a sua substituição por remendos de pano velho e irrecuperável.
A decepção criou gerações de católicos decepcionados, “não praticantes”, periféricos e um catolicismo do abandono da Eucaristia, cuja gravidade está ainda longe de ser reconhecida. Pela longa cegueira e medo de se tocar na Cúria, foi impedida a reforma radical dos ministérios ordenados que continua a ser uma urgência adiada.
Foi-se pronto a impedir a ordenação das mulheres, invocando razões teológicas ininteligíveis. Para os homens casados, dizem que não há nenhum obstáculo teológico, mas o resultado é o mesmo. Como o actual modelo de acesso a esses serviços está falido, os dons ministeriais de serviço sacramental da Igreja não têm quem os possa receber.
Em várias dioceses, o clero das Congregações religiosas vai procurando tapar o sol com a peneira, traindo a sua vocação específica. Certas Congregações femininas, multiplicando retiros e cursos de formação, ao rejeitarem as transformações das suas estruturas, estão em progressiva e inútil agonia.

2. A Igreja Católica não pode prescindir das mediações sacramentais e litúrgicas. Fazem parte das celebrações existenciais da Fé. O modo como celebra não é indiferente. Celebrar mal é pior do que não celebrar: fomenta alergias inúteis. O domingo, na linguagem cristã, não pertence ao “fim de semana”, mas à grande festa do seu primeiro dia. Nasceu como possibilidade, muito bela, de rejuvenescer e transformar a vida, resistindo às tendências negativistas e niilistas.
A religião ética é uma forma de resistência à alienação e ao pessimismo. É um protesto para abrir caminhos na floresta dos enganos. Por isso, a experiência da finitude é caminho de abertura à transcendência, que se exprime, sobretudo, na linguagem simbólica de gestos e palavras.

3. Tomás de Aquino, na primeira fase do seu ensino, estava marcado por uma concepção dos Sacramentos como causas da graça. Na Suma Teológica abandonou essa perspectiva e situou os Sacramentos no mundo da simbologia. São essencialmente signos, sensíveis, terrestres da graça actuante de Cristo. É uma mudança radical que ainda hoje está longe de ser assumida em todas as consequências. O primeiro cuidado com a sua celebração não é a fidelidade às rúbricas de um ritual, mas a realização de uma festa significativa da Fé pelo envolvimento de todos os participantes, mulheres e homens, grandes e pequenos.
É tríplice a sua significação: remetem para todo o percurso de Jesus Cristo até ao dom do Espírito Santo à Igreja, mas não são uma romagem de saudade, não fixam a comunidade naquele tempo. Cristo ressuscitado não pode ser amputado da sua vida terrestre, mas é celebrado como presença actual e transformante da comunidade, abrindo-lhe um futuro de esperança.
Seria engano ver nesta estrutura simbólica — causam o que significam — apenas actos de Cristo, como um automatismo ritual. Não se pode esquecer a correlação íntima entre essa actuação e as experiências de vida da assembleia celebrante. Estas são essenciais ao acontecimento sacramental e precisam de ter expressão pública.
Dizer que foi Cristo que instituiu os sacramentos e, especialmente, a Eucaristia, não se pode pensar como se ainda estivéssemos no mundo cultural da época de Jesus. Pensar dessa maneira é amputar o cristianismo da sua significação universal e da sua capacidade de inculturação em todos os povos e culturas. Quem, no seu perfeito juízo, pode hoje supor que na chamada celebração da última Ceia, Jesus tenha dito: fazei isto em memória de mim, mas só com pão de trigo, ázimo e a bebida só pode ser vinho?
Dir-se-á que hoje os comerciantes do trigo podem assegurar esse cereal em qualquer parte do mundo. Não tenho dúvidas. Todos sabemos das imposições culinárias da grande indústria. Não me parece que seja essa a missão da Igreja.
A simbólica da Eucaristia é a mesa partilhada, por isso, quando se convida alguém para jantar não se lhe pode dizer: vem, mas não comas.
Uma das grandes tarefas das Igrejas locais consiste em exprimir a identidade da Fé cristã nas linguagens das suas culturas.
Sarah, com as suas exigências culinárias, mesmo com risco para a saúde, anulou a simbólica essencial da Eucaristia, como mesa cristã de todos os povos. A base dos Sacramentos é terrestre, é sensível, mas é a sua tríplice significação do mistério cristão que mais conta. O cardeal atirou fora a simbologia e ficou, apenas, com as coisas, retirou-se da sacramentalidade.
Não sei se Jesus gostava ou não de broa. Talvez até nem soubesse que existia. Mas imaginar que ficaria atrapalhado, nos lugares em que o trigo não é o principal alimento, em celebrar com broa ou com arroz é duvidar do poder de Cristo.

Sou levemente alérgico a estas crónicas durante o mês de Agosto. Até Setembro

Frei Bento Domingues, no PÚBLICO 

domingo, 25 de junho de 2017

Bento Domingues — Francolino Gonçalves, Um investigador original

Frei Francolino Gonçalves
1. Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925) diz que, no período medieval, “a literatura portuguesa, em matéria de traduções bíblicas, é de uma pobreza desesperada”. Esta afirmação tem sido repetida, mas nunca desmentida. A primeira tradução da Bíblia, a partir de hebraico e do grego, foi realizada por João Ferreira d’Almeida, que tinha passado, aos 14 anos, do catolicismo ao protestantismo (Igreja Reformada Holandesa). A sua tradução foi publicada e corrigida entre os séculos XVII e XVIII.
José Nunes Carreira sintetizou a história da Exegese Bíblica em Portugal [1] nos seus momentos altos e baixos. Frei Francolino Gonçalves foi um dos seus momentos mais importantes. Fez parte dos grandes investigadores da famosa Escola Bíblica de Jerusalém (EBJ), a responsável, desde os finais do séc. XIX, pelo estudo científico da Bíblia, no campo católico. Para dar a conhecer as dificuldades desse grande salto, aconselhou que fosse editada, em Portugal, uma obra incontornável do seu fundador, Marie-Joseph Lagrange, O.P. [2]
Frei Francolino morreu, em Jerusalém, no dia 15 de Junho. Nasceu em Curujas, Macedo de Cavaleiros, a 28 de Março de 1943. Professou na Ordem Dominicana em 1960.
Nunca procurou fazer carreira. Seguiu o caminho de preparação para ser uma testemunha lúcida do Evangelho. Depois dos estudos curriculares, em filosofia e teologia, em Portugal e no Canadá, foi enviado para a EBJ. Aí e durante 43 anos, trabalhou como investigador e professor. Considerou-se, até ao fim, como um estudante. Foi solicitado para fazer cursos e conferências em Paris, Berlim, Salamanca, Roma, Portugal, Tóquio, Quebec, Cusco, Lima, Santiago do Chile, México, mas as suas responsabilidades de investigador, de preparação de novos investigadores e de publicações científicas estiveram sempre ligadas à EBJ. Era a sua casa, de vida e trabalho, num contexto de atentados permanentes contra os direitos humanos.
Reconhecido nos meios da investigação bíblica como uma das suas grandes figuras, de alcance internacional. Ao ser convidado para Membro da Comissão Bíblica Pontifícia, e reconduzido pelo Papa Francisco, alguns meios de comunicação católica portuguesa acordaram para uma realidade que ignoravam.
Em Portugal, foi premiado, em 2011, pela Academia Pedro Hispano, é membro da Academia Portuguesa de História, do conselho científico de CADMO, da Revista Lusófona Ciências das Religiões, do ISTA e da Associação Bíblica Portuguesa.
Quem desejar conhecer a sua bibliografia pode recorrer ao site Bibliothèque St Étienne de Jérusalem – École Biblique et Archéologique Française [3]. Em Portugal foi, sobretudo, nos Cadernos ISTA que publicou alguns dos seus estudos mais significativos [4].
Espero que, em breve, sejam publicados em livros. Todas as vezes que tentei que isso acontecesse, dizia-me sempre que gostaria ainda de rever o conjunto, como obra unificada. A sua insatisfação nada pôde contra a morte.
2. Frei José Nunes, O.P., na celebração da Eucaristia de evocação de Frei Francolino, referiu-se a um dos seus estudos decisivos e inovadores sobre as representações de Deus nas duas religiões iaveístas do Antigo Testamento (AT) [5], isto é, a existência de dois iaveísmos diferentes. Esse estudo é muito extenso e muito analítico. A eleição de Israel, a sua libertação do Egipto e a aliança que Iavé fez com ele são os artigos fundamentais da fé iaveísta.
Esta era a opinião comum que fazia das relações entre Iavé e Israel a matriz do iaveísmo. Tornou-se, para vários autores, uma posição insustentável. Era contestada a opinião corrente liderada por uma grande figura da exegese, von Rad. A própria constituição dogmática Dei Verbum, do Vaticano II, deve muito à teologia desse teólogo luterano. Mas, na sequência de outros investigadores, Frei Francolino mostrou, pelo contrário, que o AT contém duas representações diferentes de Iavé. Segundo uma, ele é o Deus criador que abençoa todos os seres vivos; segundo a outra, ele é o Deus que está ligado a Israel, o seu povo, a quem protege e salva.
Segundo o Fr. Francolino, os exegetas não prestaram a atenção que mereciam estas vozes discordantes. A esmagadora maioria parece nem as ter ouvido. Por isso, ficaram sem eco, não tendo chegado ao conhecimento dos teólogos, dos pastores nem, por maioria de razão, do público cristão. “As minhas pesquisas, nesta matéria, confirmaram, essencialmente, os resultados dos estudos que referi e, além disso, levaram-me a propor uma hipótese de interpretação do conjunto dos fenómenos religiosos do AT, que é nova. A meu ver, o AT documenta a existência de dois sistemas iaveístas diferentes: um fundamenta-se no mito da criação e o outro, na história da relação de Iavé com Israel. Simplificando, poderia chamar-se iaveísmo cósmico ao primeiro e iaveísmo histórico ao segundo. Contrariamente à opinião comum, a fé na criação não é um elemento recente, mas constitui a vaga de fundo do universo religioso do AT.”

3. Qual é a importância da descoberta de dois iaveísmos? Julgo-a de grande alcance para todos os leitores do AT e considero-a uma das raízes do universalismo cristão. É a diferença entre um Deus universalista, Deus de todos os seres humanos e da criação, casa comum de todos, e a representação de um Deus nacionalista que confunde o Mundo com os interesses de um povo, capaz não só de o defender, mas de se tornar inimigo dos outros povos, podendo até mandá-los exterminar.
É esta distinção que nos pode ajudar a compreender o sentido e o absurdo da violência de muitas páginas da biblioteca do povo de Israel. Colocou-se na boca de Deus os interesses de um povo contra os outros povos. Não pode ter sido o Deus do Universo a escrever essas blasfémias.
Quando tropeçamos nessas passagens, devemos perguntar: que causas e interesses defendem?

Frei Bento Domingues, O. P.
no PÚBLICO deste domingo

NOTA: Poderá encontrar mais referências a Frei Fracolino e à sua obra no Google

[1] Exegese Bíblica, Dicionário de História Religiosa de Portugal, C-I, Círculo de Leitores, 2000, pp 221-229
[2] Recordações pessoais. O Padre Lagrange ao serviço da Bíblia, Biblioteca Dominicana, Tenacitas, 2017
[3] http://biblio.ebaf.info/cgi-bin/koha/opac-search.pl?q=au:Gon%C3%A7alves%20Francolino%20J
[4] http://www.ista.pt/1/upload/ista_25_2012.pdf, pp 92-136; Artigos Fr. Francolino, p117
[5] Iavé, Deus de justiça e de bênção, Deus de amor e salvação, ISTA, n.º 22, 2009, pp 107-152, ver, sobretudo, pp 114-115

domingo, 9 de abril de 2017

A Bíblia em praça pública


O projecto de Frederico Lourenço, assumido pela Quetzal, não se limita a uma nova tradução do Novo Testamento mas à tradução de toda a Bíblia Grega, judaica e cristã.


1. Como escreveu, em 2016, o Prof. José Augusto Ramos, o universo cultural, editorial, científico e académico português foi recentemente presenteado com o aparecimento do primeiro volume de uma tradução da Bíblia grega, conceito que nos tem sido estranho, desde há muitos séculos [1]. Este ano, nos finais de Março, Frederico Lourenço inundou todas as livrarias com o segundo volume da tradução da Bíblia grega, o Novo Testamento completo, escrito há quase 2000 anos, cujo original é irrecuperável. Esta tradução está baseada no texto fixado por Nestle-Aland [2].
Para F. Lourenço, a leitura comparativa dos evangelhos canónicos e dos restos que nos chegaram dos apócrifos não deixa qualquer dúvida quanto à imprescindibilidade de Marcos, Mateus, Lucas e João, talvez os livros mais extraordinários da História da Humanidade.
Um padre, espantado com este fenómeno, perguntou-me: mas esse tradutor é padre? Quando lhe respondi que não era padre nem ex-padre, não era católico nem protestante e que neste trabalho prescinde, metodologicamente, de pressupostos religiosos, mostrou-se desconfiado. Aí há gato!

sexta-feira, 24 de março de 2017

2.º Volume da Bíblia de Frederico Lourenço

Já nas livrarias 

Ainda não terminei a leitura do 1.º volume, que inclui os quatro Evangelhos, e já chegou às livrarias o 2.º volume, para completar o Novo Testamento. Tenho muito que ler, sem contar outras novidades literárias que estão à minha espera.

Frederico Lourenço, sublinha, conforme li no Diário de Notícias: «A tradução completa do Novo Testamento é o melhor trabalho que fiz até hoje.» E sobre as críticas referentes ao 1.º volume, diz: «Nenhuma me irritou porque senti que o acolhimento foi muito positivo. Houve a expressão de um ponto de vista previsível, vindo de um determinado setor religioso, mas isso é normal. Cada denominação do cristianismo tem a sua maneira de abordar a Bíblia. A minha tradução não está pensada para nenhuma delas, portanto tem potencial para desagradar igualmente a católicos, a protestantes, a mórmones ou a Testemunhas de Jeová. Ao mesmo tempo, dentro desses quadrantes religiosos, houve pessoas que se interessaram pela minha abordagem e que acham que esta Bíblia não-dogmática pode ser complementar à abordagem teológica e religiosa. Penso que as pessoas já perceberam que ler a Bíblia dentro de uma Igreja é diferente de a ler numa universidade laica, como é a de Coimbra - são duas realidades. Os historiadores e os linguistas não fazem a mesma leitura da Bíblia que farão os teólogos católicos e protestantes. Tudo isso é normal.»

Ler entrevista aqui

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Saber escolher para viver em plenitude

Reflexão de Georgino Rocha


Jesus recorre ao contraste para realçar a novidade de vida dos discípulos. Lembra sentenças da Lei e dos Profetas muito apreciadas pelos judeus fiéis e faz-lhes uma interpretação radical em que desvenda o seu alcance genuíno e sentido integral. Justifica a sua atitude dizendo: “Não vim anular, mas dar plenitude”. E enumera os preceitos referentes ao homicídio, ao adultério, ao divórcio, ao juramento, à não violência e ao amor aos inimigos. Visualiza assim o novo rosto de quem é luz do mundo e sal da terra, irradiando felicidade. (Mt 5, 17-37).

A lei é precisa para congregar vontades e definir regras de convivência; mas, sem amor de doação, a vida desumaniza-se e a sociedade perde vitalidade. As normas são indispensáveis para gerar a harmonia na família e noutras formas gregárias, mas sem misericórdia compassiva e tolerante, a relação humana degrada-se e o egoísmo impõe-se. Os códigos têm valor enquanto regulam interesses e articulam funções nas organizações, mas sem atenção respeitosa à pessoa e ao bem comum, o conjunto desfigura-se e perde o sentido de serviço público. De facto, as Escrituras registam mandamentos e sentenças que definem o comportamento fiel do povo eleito para viver segundo a vontade de Deus. A situação actual reforça a importância desta urgente conjugação que dá rosto humano à realidade e segurança à liberdade.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Quem era a serpente do Paraíso? (2)

Crónica de Anselmo Borges 


Na continuação do livro de Ariel Álvarez, 
com a pergunta acima e mais 19 sobre a Bíblia

1. "Porque é que Noé amaldiçoou o filho que o viu nu?" Uma cena estranha: Noé, que aparece na Bíblia a cultivar a vinha, "a mais preciosa e nobre de todas as plantas da Bíblia", adormeceu por causa de uma bebedeira e acaba por amaldiçoar o filho Cam, que entrou na tenda e o viu nu. O que se passou realmente? Neste caso, não se trata de homossexualidade.
Este relato tem sobretudo uma finalidade política, passando-se o mesmo com a narrativa das duas filhas de Lot, que, para não ficarem sem filhos, embebedaram o pai para terem relações com ele. Cam é o pai de Canaã e Noé não amaldiçoa Cam, mas o seu neto Canaã, porque será um filho gerado num incesto: o texto diz que Cam viu a nudez do pai, o que significa que dormiu com a esposa do pai, ou seja, com a sua própria mãe. Quem é maldito é Canaã. O texto amaldiçoa os cananeus escravizados e quer explicar as relações tensas entre Israel e os moabitas e os amonitas, também filhos de um incesto.
Havia três irmãos: Sem, Cam e Jafet. Um terminou escravo e os outros dois, livres. E "é a primeira vez que a Bíblia fala de escravidão, a instituição mais horrenda que o ser humano inventou, na qual alguém é um morto em vida, não pode decidir por si mesmo, nem fazer aquilo de que gosta, nem ir aonde quer, nem ter amigos nem ser feliz". A Bíblia falará muitas vezes do tornar-se escravo pelo pecado.

Estilo de vida alegre e feliz

Reflexão de Georgino Rocha


O sermão das bem-aventuranças abre os ensinamentos de Jesus sobre a novidade que vem anunciar, o reino de Deus. Constitui uma espécie de iniciação ao estilo de vida feliz e alegre que os discípulos são convidados a apreciar e a transmitir, a cultivar e a celebrar. Faz a “ponte” entre o modo de agir de Deus e as aspirações mais genuínas do coração humano. Ponte que Jesus evidencia em opções claras e atitudes coerentes. Nele, o humano é tão singular que irradia o divino que o habita. Nele, cada bem-aventurança tem a marca do seu rosto e ritmo do seu coração. Nele, brilha com admirável naturalidade o reino de Deus, o pulsar do amor que se faz serviço de misericórdia.

Mateus, o evangelista narrador, compõe o seu discurso com sentenças colhidas em várias passagens bíblicas e dá-lhes um colorido entusiasta e assertivo, uma energia suplementar para quem tem de enfrentar e assumir situações contrastantes e de risco. De facto, “o mundo” vai por outro caminho, distancia-se e considera desumana, alienante e sedativa a mensagem das bem-aventuranças. O choque parece inevitável. E surgem perguntas como estas: de que felicidade se trata? Que alegria nos humaniza? Que estilo de vida sacia a nossa fome e a nossa sede de dignidade constante e de realização integral? Terão razão homens e mulheres como Madre Teresa de Calcutá, o Padre Américo do Gaiato, o Papa Francisco, as Criaditas dos Pobres, os voluntários silenciosos de todas as periferias?

sábado, 24 de dezembro de 2016

Natal. Traduções da Bíblia

Crónica de Anselmo Borges 



«Estou convencido 
de que o desconhecimento da Bíblia 
e a proibição da sua leitura 
foram uma das causas 
do atraso cultural de Portugal.»

1 "A Bíblia é o poema colectivo mais longo criado até agora pela humanidade. Nele se espelham as várias batalhas que os homens engendram na sua demanda pelo amor absoluto. Não admira que a literatura ocidental nele tenha encontrado os seus modelos de narração amorosa mais fortes e que os seus mitos continuem a servir de moldura para o pensamento em torno da liberdade e da paz" (Lídia Jorge).

Ernst Bloch, marxista heterodoxo e ateu religioso, ainda na antiga República Democrática Alemã, dizia nas suas aulas, para escândalo do governo comunista, que os nazis, ao recusarem a Bíblia, já "não puderam compreender a cultura alemã". De facto, sem a Bíblia, não podemos compreender os cânticos de Natal, da Páscoa, costumes populares..., não conseguimos entender o gótico, a Idade Média, Dante, Rembrandt, Händel, Bach... "Sim, sem a Bíblia, o que é que ainda podemos compreender?" Sem a Bíblia, não entendemos a Missa Solemnis de Beethoven, um requiem, "garnichts" (nada mesmo).
Como entender os ideais da Revolução Francesa? Karl Marx, exilado, levou consigo a Bíblia. Bertolt Brecht encontrava inspiração na Bíblia. No século XIX, não havia analfabetos na Noruega e a razão é que as mães liam a Bíblia e uma mãe que sabe ler não permite que os filhos fiquem analfabetos...
Entretanto, a gente pasma, quando lê que, em 1713, o papa Clemente XI, na Constituição "Unigenitus Dei Filius", declarou serem falsas afirmações como: "A leitura da Sagrada Escritura é para todos", "é útil e necessário" todos terem acesso ao estudo e conhecimento da Bíblia.

Estou convencido de que o desconhecimento da Bíblia e a proibição da sua leitura foram uma das causas do atraso cultural de Portugal.

sábado, 15 de outubro de 2016

O vinho na Bíblia

Crónica de Anselmo Borges 



Em tempo de vindimas e vinho novo, 
fica aí uma alusão ao vinho na Bíblia.


1. O vinho é tão importante, com funções tão significativas no convívio social e na vida toda, que os antigos até pensavam que ele era uma criação dos deuses. Dioniso - Baco para os romanos - era o deus do vinho, que ensinou aos homens a arte do cultivo da videira e da preparação do vinho. Ele é de tal modo exaltante que, na leitura dos clássicos, da grande literatura, como belos poemas, grandes tragédias, romances geniais, dizemos que ficamos "inebriados". Diante do esplendor da beleza - o maior exemplo, para mim, é sempre a música, a grande música -, há quem exclame: "Uma bebedeira de beleza!" Num dos mais extraordinários diálogos filosóficos de sempre sobre o amor - o Banquete (Simpósio), de Platão -, lá está o vinho. Na Bíblia, as referências ao vinho são muitas. Tanto no Antigo como no Novo Testamento.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Uma Bíblia que “não esconde as realidades inconvenientes”

ANTÓNIO GUERREIRO no PÚBLICO 



«Frederico Lourenço lançou-se sozinho num empreendimento que, pela sua grandeza, foi muitas vezes resultado de um trabalho de equipa: a tradução, do grego, dos 80 livros da Bíblia, o Velho e o Novo Testamento, oferecendo a mais completa tradução da Bíblia que alguma vez foi feita em língua portuguesa. O primeiro volume, contendo os quatro evangelhos, de Mateus, Marcos, Lucas e João, acaba de ser editado. A este seguir-se-ão mais cinco volumes, com os quais se completará a tradução integral da Bíblia Grega.»

Ler texto aqui 

Frederico Lourenço traduziu o Novo Testamento do grego

A minientrevista publicada na revista Sábado 


Frederico Lourenço

O professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra traduziu o Novo Testamento a partir do grego. Até 2020 debruçar-se-á também sobre o Antigo Testamento para completar os cinco volumes da Bíblia, a editar pela Quetzal.

“Um desafio intelectual”

Porque começou com o Novo Testamento? 

O meu projecto inicial era traduzir apenas o Novo Testamento. Mas comecei a interessar-me pela versão grega do Antigo Testamento.

Quais são as principais diferenças relativamente a outras traduções?

No Novo Testamento é a procura de maior exactidão no processo de passar as palavras gregas para português. No Antigo Testamento é o facto de a versão grega (que é a mais longa e completa) nunca ter sido traduzida para português. A latina e a hebraica foram; mas a grega não.

Quais são as escolhas mais difíceis?

A maior dificuldade para todos os tradutores do Novo Testamento são as epístolas de São Paulo, porque estão escritas numa linguagem densa e bastante complexa. Achei um texto muito difícil, mas extraordinário, pelo desafio intelectual que coloca.

A sua tradução tem duas versões do Pai-Nosso (Mateus e Lucas). O que lhe têm dito sobre estas diferenças? 

As diferenças já estão no mais antigo manuscrito completo do Novo Testamento, que é do século IV.

S.C.

Publicado na revista Sábado
Foto do google

domingo, 25 de setembro de 2016

A Bíblia ainda valerá a pena?

Crónica de Frei Bento Domingues 



1. Ao longo destas crónicas, referi, muitas vezes, os trabalhos de exegetas de língua portuguesa ou não, que vão multiplicando investigações, cursos e livros de introdução à leitura da Bíblia. Encadernada num só volume, pode esconder a realidade de uma biblioteca de diversos autores, estilos e géneros literários muito diferentes, construída ao longo de vários séculos da antiguidade judaica e cristã. Lida e interpretada por judeus e cristãos em contextos culturais e religiosos muito diferentes, não é uma literatura morta, como a ignorância supõe.
A minha preferência, quanto às obras de introdução, vai para um precioso livro de J. T. Barrera [1] que oferece uma visão abrangente da investigação sobre a história da Bíblia. Segundo o autor, o seu conteúdo foi amadurecendo lentamente na preparação de cursos de “Literatura do Antigo Testamento”, ministrados no Departamento de Hebraico e Aramaico da Universidade Complutense de Madrid. Incorpora também materiais de trabalho em vários cursos de Doutoramento sobre “Os Manuscritos do Mar Morto”. É um livro-texto com características de uma obra enciclopédica em muitos casos e de ensaio científico noutros. Avisa: o enciclopédico nunca pode ser exaustivo e o ensaio científico nunca é definitivo. Uma obra aberta.
De André Paul [2], foi traduzida para português a história da génese cultural da Bíblia. O autor descreve o percurso simultaneamente religioso, literário e político que fez da Bíblia a verdadeira criação cultural do Ocidente.

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Faz-te pessoa de bem ao jeito de Jesus

Reflexão de Georgino Rocha


Jesus tem um propósito muito claro na sua missão pública: dar a conhecer que Deus é Pai rico em misericórdia. Enfrenta toda a espécie de situações e recorre às mais diversas formas de transmissão da mensagem. Junto do povo simples, dos discípulos, dos grupos religiosos. Nos campos, nas aldeias, nas cidades por onde passa a caminho de Jerusalém.
Hoje, segundo Lucas, o evangelista narrador, a sua comunicação é apresentada na parábola do rico avarento e do pobre Lázaro. Parábola que realça o contraste entre os protagonistas: um, com vida regalada, tudo de bom, a gozar do melhor a cada instante, “orgulhosamente só”, numa indiferença ostensiva, consciência anestesiada, coração adormecido, sem nome; outro, identificado com nome próprio, Lázaro que quer dizer “aquele que Deus ajuda”, na mais completa miséria, tendo por companhia uns cães que vinham limpar-lhe as feridas. Um abismo incomensurável a separar o que jaz às portas do palácio de quem se banqueteia diariamente.
 Este modo de vida no presente não augura nada de bom no futuro. E a segunda parte da parábola é contundente anunciando uma reviravolta completa.