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segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Será possível fazer a paz entre Israel e a Palestina?

Crónica de Frei Bento Domingues, 
no PÚBLICO


Diria que é possível escolher um caminho para uma paz, onde não haja vencidos nem vencedores. Na situação actual, são todos vencidos

1. Tenho seguido o trabalho notável do PÚBLICO para oferecer, aos seus leitores, diversas perspectivas para a leitura da tragédia actual que está a destruir Israel e a Palestina. Não era, todavia, sobre esta tragédia que tinha pensado na crónica de hoje. Por puro acaso, encontrei um longo texto da minha intervenção na Sessão do Dia Internacional de Solidariedade com a Palestina, em 2009. Nem sabia que esse texto existia. Não o vou reproduzir. Seriam necessárias muitas crónicas. Destaco, apenas, algumas passagens para entender algo deste tempo tenebroso sem ceder ao cinismo e ao pessimismo de que falava Álvaro Vasconcelos e, sobretudo, apontando algum caminho de esperança.
Referi nesse documento que, em 1920, ainda sobre a administração britânica, Einstein escreveu uma carta a um árabe, com uma proposta secreta: nós, árabes e judeus, devemos escolher um conjunto de pessoas, um conselho, em que haja sempre paridade absoluta de um lado e de outro, para fazermos um caminho em conjunto pela autonomia e para reivindicarmos esta terra para nós judeus e árabes. Fez um minirregulamento para que não fosse absorvido pelos dirigentes políticos nem de um lado, nem do outro, nem de judeus, nem de muçulmanos, nem de árabes e nem, claro, pela presença britânica.
Era evidente que o povo palestiniano preferia que não existisse o Estado de Israel e Israel não queria um Estado palestiniano, a não ser que fosse conforme os seus interesses e ia estudando a maneira de o Estado palestiniano ser impossível.

domingo, 21 de maio de 2023

Por uma Igreja em contínua transformação

Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO


Foto Imagem que os arqueólogos do Vaticano
crêem ser a mais antiga do apóstolo S. Paulo,
datada do séc. IV. Encontra-se numa
catacumba de Roma
(REUTERS/Copyright Pontificia
Commissione di Archeologia Sacra)
                                 
1. O tema da conspiração contra o Papa Francisco parece inesgotável. Deparei, na Religión Digital, com uma longa entrevista de Jesus Bonito a Vicens Lozano, autor do livro VaticanGate [1], a investigação que desvenda as raízes e os protagonistas dessa militante oposição. A Espanha estaria à cabeça desse movimento contra Francisco, acompanhada pela Itália e os Estados Unidos. Com grandes recursos económicos, procuram que a Europa volte a ser a “Europa cristã” anterior ao Concílio Vaticano II. O objetivo é que este Papa renuncie, desapareça quanto antes e voltemos a ter uma Igreja tradicional, como Deus manda.
Aqui fica o registo dessa obra, mas não estou nada interessado em alimentar o vício da auto-referencialidade da Igreja.

domingo, 7 de maio de 2023

Tudo por causa da alegria

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

O cristianismo não é propriamente conhecido por ser a religião da alegria e é uma pena. Como escreveu Nietzsche, o cristianismo seria muito mais credível se os cristãos vivessem em alegria.

1. Faz parte da diferença humana a capacidade de perguntar, de investigar, de receber e criar as mais diversas formas de expressão cultural alimentadas pelo sentido do humor. Da consciência da nossa infinita ignorância brota a sabedoria do sorriso perante as vazias promoções do carreirismo, seja em que domínio for. A realidade será sempre mais vasta do que todas as nossas ciências, filosofias e religiões.
É verdade que também faz parte da diferença humana a possibilidade de desenvolver cada vez mais ciências, técnicas e ideologias que destroem as suas melhores criações. Verificamos, a toda a hora, que a chamada globalização não é garantia da universal solidariedade entre os povos. Mas é possível.
O papa Francisco, durante os seus dez anos de pontificado, não desistiu nem desiste de associar pessoas, movimentos cívicos, políticos e religiosos, para fazer deste mundo a casa de todos e para todos.

domingo, 30 de abril de 2023

Viver nas fronteiras

Crónica de Bento Domingues
no Público

Já há 50 anos, havia quem chamasse a atenção para as resistências à mudança das congregações e ordens religiosas: ou se renovam ou morrem dentro de 150 anos. Bergoglio não se resigna.


1. O Papa Francisco tem um sentido muito agudo do tempo. Repete que já não estamos em regime de cristandade. Estamos a viver, não simplesmente uma época de mudanças, mas uma mudança de época e lembra a afirmação de Newman: “Aqui, na terra, viver é mudar.”
Não se trata de procurar a mudança pela mudança nem de seguir as modas, mas é preciso ir recuperando o tempo perdido. Assumiu a observação do cardeal Martini: a Igreja ficou atrasada 200 anos [1].
Já há 50 anos, havia quem chamasse a atenção para as resistências à mudança das congregações e ordens religiosas: ou se renovam ou morrem dentro de 150 anos. Bergoglio não se resigna.

domingo, 23 de abril de 2023

Um estranho companheiro de viagem

Bento Domingues 
no PÚBLICO

Neste domingo, somos confrontados com uma construção literária da presença clandestina e declarada de Cristo.

1. Há 49 anos foi derrubada a ditadura em Portugal. As comemorações dos 50 anos do 25 de Abril já começaram. Frei Luís de França, O.P. (1936-2016) teve o cuidado de reunir os textos de grupos e individualidades do mundo católico não oficial que maior influência tiveram no período, a vários títulos único, que decorreu entre o 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975. Por razões de ordem pessoal, não quis aparecer como autor dessa rigorosa colheita de 394 páginas [1].Esta publicação foi precedida de outra muito mais breve, fruto de um grupo de cristãos que, desde os primeiros dias do 25 de Abril, se reuniu, de modo informal e semanalmente, para reflectir sobre o modo de ser cristão e ser Igreja nesse tempo novo. Para se abalançar a uma reflexão de conjunto sobre a Igreja e a política, nesse mesmo período, o grupo resolveu estudar de modo paralelo e cronológico esses dois mundos.Esse estudo iniciado em 20 de Outubro de 1975 vai até ao começo do Verão de 1976. Foi um trabalho que deixou abertas muitas interrogações [2].São duas obras que não pretendiam fechar a informação e o debate sobre os cristãos e a Igreja, no interior do novo desafio político.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

A grande mentira

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

Os temas litúrgicos não podem esquecer as condições pessoais e sociais da sua verdade ou da sua grande mentira.

1. Não sou historiador do processo da reforma litúrgica desencadeada por Pio XII, em 1946, de forma mais ou menos clandestina para não ter de enfrentar aqueles que, perante qualquer reforma, levantam o muro da repetição do passado: sempre assim foi, sempre assim será. Essa tendência ainda não foi completamente vencida, mas é legítimo dizer que, a partir de 1955, tornou-se irreversível a chamada Reforma da Semana Santa de Pio XII e continuada por João XXIII (1962). Não foi por acaso que o primeiro documento aprovado, no Vaticano II, foi o Sacrosanctum concilium, sobre a Liturgia (4/12/1963). Não sou historiador, mas fui testemunha entusiasta desta reforma.

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Um crime antipascal

Crónica de Bento Domingues 

Como é possível esquecer que foram mulheres as escolhidas pelo Ressuscitado para evangelizar os próprios Doze que tinham fugido perante o desastre da cruz?

1. As duas grandes festas cristãs são o Natal e a Páscoa. Além das celebrações litúrgicas, as suas expressões populares eram e são muito diferentes de país para país, assim como no interior de cada região cultural.
Em Portugal, o Natal era essencialmente uma festa no interior da família, ao passo que a Páscoa envolvia toda a aldeia ou vila e com algumas manifestações citadinas.
Estou a escrever como se fossem realidades do passado acessíveis apenas aos movimentos de recuperação da memória, reino dos historiadores e curiosidade de alguns meios de comunicação, em determinadas épocas do ano. Como ainda conheci muitas dessas expressões populares, não escondo alguma nostalgia por certas dimensões desse mundo essencialmente rural ferido pela sua rápida desertificação.

segunda-feira, 27 de março de 2023

PARALISAR A TEOLOGIA? (1)

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO


"O Papa Francisco não esperou por ver resolvida a referida declaração
de João Paulo II para nomear 17 mulheres muito qualificadas
para várias funções na reforma da Cúria romana."

1. Para perceber o contexto da minha intervenção sobre o Papa Francisco e o lugar da mulher na Igreja [1], recomendo a leitura de Um apelo urgente à ação no Dia Internacional das Mulheres, feito por António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas [2], assim como os dez pensamentos do Papa Francisco para o mesmo dia [3].
Não me parece muito produtivo centrar o debate sobre a ordenação sacerdotal das mulheres, pois o que deve ser discutido é a própria sacralização dos ministérios (serviços) na Igreja.
Como mostrou Frei José Nunes, O.P., a história da Igreja dá conta de uma evolução na compreensão e vivência dos ministérios, cuja chave de interpretação é a de um princípio de clericalização ou sacerdotalização dos mesmos, perdendo-se progressivamente a consciência duma evocação ministerial de toda a comunidade, evidente na Igreja das origens.

segunda-feira, 6 de março de 2023

QUARESMA PARA A TRANSFIGURAÇÃO DA IGREJA

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO


A grande transfiguração de que precisamos 
é de escutar de novo o Evangelho 
– no contexto dos problemas actuais – 
e ouvir sobretudo as vítimas dos abusos sexuais na Igreja.


1. A este título acrescento: ao serviço da transfiguração do mundo. É evidente que sem a transfiguração da Igreja nada feito. Se ela deixar de ser o sal da terra e a luz do mundo, não serve para nada, torna-se desprezível, como o próprio Jesus afirmou. João Eleutério coordenou um projecto designado Uma anatomia do poder eclesiástico, tentando identificar as estruturas e formas de clericalismo na Igreja contemporânea, em particular na realidade portuguesa. O debate está aberto [1]. Parabéns.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

ENTRE O CARNAVAL E AS CINZAS

Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO


1. O jornal PÚBLICO, no Domingo passado, foi à missa, em Lisboa e no Porto [1], e ficou surpreendido por não encontrar os respectivos bispos a presidir à celebração. Na Sé de Lisboa, encontrou um jovem padre, José André, capelão do Hospital de Santa Maria e do Hospital de São Francisco Xavier, que, a propósito dos abusos sexuais na Igreja, citou uma conversa com o pároco da Sé: "Olha Zé, aguentar nós aguentamos, mas nós não fomos feitos para aguentar, fomos feitos para sermos felizes. Aguentar ciclos viciosos em que nos torturamos mutuamente não nos conduz à felicidade."
Baltazar Martins Jesuíno tem realçado, de várias maneiras, a educação para a felicidade [2]. São Tomás de Aquino antecede a sua ética teológica de um tratado de cinco questões sobre a felicidade, princípio e fim do agir humano [3]. Distancia-se dos seus contemporâneos que colocam essa questão apenas no fim e parece encontrar-se com Aristóteles, que fala da felicidade no primeiro e no último livro da Ética, embora se distancie dele na definição que dá de felicidade. Longe de se situar sob o signo da obrigação, como fazia a imensa maioria dos outros teólogos moralistas, a de Tomás é colocada sob a conquista da felicidade. Longe de ser regida pelo imperativo da obediência a uma lei exterior, não conhece outra lei a não ser a do amor. O mestre Tomás vai ao ponto de dizer que uma forma de agir que não fosse mais do que uma obediência à lei faltava-lhe uma dimensão essencial à virtude, que é para a pessoa ser atraída pelo bem, por ele mesmo, e não por ser coagida. É uma moral da liberdade colocada inteiramente sob o signo da realização evangélica do sujeito [4].

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

DOMINAÇÃO E OCULTAÇÃO

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO 

O que se pretende é que a Igreja seja de todos e para todos, sinodal: comunhão, participação e missão. Só numa Igreja aberta ao mundo, sem segredos, será possível erradicar os abusos.

1. Os negacionistas, que atribuíam a intenções malévolas as notícias sobre os abusos sexuais do clero, já não podem ignorar o Relatório Final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa (CI). Está publicado e muito acessível.
Esta comissão não foi constituída contra a Igreja. Pelo contrário, é fruto de um convite dirigido a Pedro Strecht, médico pedopsiquiatra, no final de 2021, por parte de D. José Ornelas, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). A equipa de trabalho foi escolhida por Pedro Strecht e organizada de forma paritária, multidisciplinar, integrando profissionais de reconhecido mérito e com diferentes percursos de vida. Iniciou os seus trabalhos em Janeiro de 2022, definindo o tempo de um ano como prazo de duração dos mesmos, com a apresentação final de um relatório que acaba de ser apresentado e publicado, na Fundação Calouste Gulbenkian. Foi entregue a D. José Ornelas, que se mostrou muito agradecido, mas só no dia 3 de Março haverá uma assembleia extraordinária da CEP para análise desse relatório, sabendo-se já que vários bispos não ajudaram nada o trabalho exemplar da dita comissão.

domingo, 25 de dezembro de 2022

Natal de Deus, Nosso Natal: Deus Connosco

Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO

Teimamos em contrariar o desígnio de Cristo e seguir o reino da estupidez, o império da guerra. Continuamos, no entanto, a acreditar que a paz vencerá. Por isso, Boas Festas!
 
1. Quase todos os anos, quando chegava o Natal, procurava e procuro não confundir o Jesus da história e o Cristo da fé. Por Jesus histórico, a obra monumental de John P. Meier (1942-2022) referia-se ao Jesus que podemos resgatar ou reconstruir, utilizando os instrumentos científicos da moderna pesquisa histórica. Considerando-se o estado fragmentário das nossas fontes e da natureza, muitas vezes indirecta, dos argumentos que devemos usar, este Jesus histórico será sempre um constructo científico, uma abstracção teórica que não coincide, nem pode coincidir, com a realidade plena do Jesus de Nazaré que, de facto, viveu e trabalhou na Palestina, no primeiro século da nossa era. Com a iluminação da fé sentimo-lo como nosso contemporâneo e vida da nossa vida mais profunda. O Jesus histórico não é o Jesus real. A própria noção de real é enganosa. Como observa o investigador citado, com humor, existem tantos livros sobre Jesus que dariam para três vidas e um budista pecador poderia muito bem ser condenado a passar as próximas três incarnações lendo-os todos [1].

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Provocações do Natal

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

Vai e reconstrói a minha Igreja, uma Igreja despida da dominação económica, política e religiosa. É esta a verdadeira provocação do Natal.
 
1. Não vale a pena gastar energias a lamentar no que se transformou o Natal de Alguém que nasceu num curral. É melhor cuidar de crianças e adultos que não têm quem cuide deles. De tanto falar do que falta fazer, nem sequer olhamos para o que muitas pessoas estão a realizar.Existe um critério evocado por Jesus: é pelo fruto que se conhece a árvore. Os Anjos da nossa consciência fazem-nos ver o contraste entre os que têm tudo e os que não têm nem o mínimo suficiente para viverem com dignidade. A nossa consciência está povoada de Anjos sufocados.
A própria publicidade natalícia do comércio mostra aquilo a que uns podem ter acesso e o que falta a muitas pessoas que nem um curral têm para dormir. Nesta publicidade, nem tudo é sempre negativo. Pode suscitar o alarme social contra essa clamorosa injustiça, não suscitando, apenas, um cabaz de Natal que se esgota naquele dia e acabou, mas desencadeando movimentos e associações de voluntários que cuidam da dignidade dos pobres e dos sem-abrigo, durante o ano inteiro. Não é para perpetuar situações desumanas, mediante atitudes assistencialistas, mas para promover, simultaneamente, atitudes de cidadania participativa.

domingo, 11 de dezembro de 2022

Alegria partilhada

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO de hoje

Quando ouvi "Deus cuida de mim", lembrei-me que, desde o Génesis ao Apocalipse, passando pelo capítulo 25 de S. Mateus e pelo capítulo 10 de S. Lucas, entre outros, me pede para eu não me esquecer desta sua interrogação: que fizeste do teu irmão?

1. Não sabemos qual será o futuro do Cristianismo na Europa. A conjugação da liberdade religiosa com os movimentos migratórios está a modificar, continuamente, o seu panorama religioso, embora a ritmos diferentes segundo os países. Espero que os cristãos acordem para a afirmação da sua identidade, como nos lembrou o Papa Francisco, desde o manifesto do seu pontificado, com a fervorosa e lúcida exortação apostólica, A Alegria do Evangelho.
O Presépio, inspirado nos chamados “Evangelhos da Infância” (começo dos evangelhos de S. Mateus e de S. Lucas), é obra de S. Francisco de Assis. Tomás de Celano, o seu primeiro biógrafo, revelou que ele se referia ao Natal como a “festa das festas” e celebrava-a com “devoção inenarrável”. Três anos antes de morrer, em 1223, começou a representar o nascimento de Jesus com o fervor poético da sua imaginação cristificada. Refigurado e desfigurado ao longo dos tempos, o presépio nunca mais foi esquecido.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Tornar possível o Advento da paz

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO 

Perante os conflitos que surgem entre grupos, países e continentes, quais serão os melhores caminhos para instaurar a paz? Parece evidente que o país agredido tem o direito e o dever de se defender.

1. A crónica do domingo passado tinha por título Advento de um mundo outro e podia acrescentar, por uma Igreja outra e por outro comportamento de todas as religiões e de todos os cidadãos religiosos ou não. É, com efeito, para um mundo outro que se devem dirigir todos os esforços dos cristãos que o sejam de verdade, isto é, pacificadores.
É, por isso, duplamente escandalosa a guerra entre os que se dizem cristãos. Esse escândalo obriga a interrogar todas as orações, todas as liturgias, todas as formas de culto. Sem ética são vazios os cuidados com a indispensável qualidade estética da liturgia dominical. O que verdadeiramente conta é o seu contributo para mudar a vida, em todas as suas dimensões, sob o ponto de vista individual e comunitário (1).

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Advento de um mundo outro

Crónica de Bento Domingues 
no Público

A Igreja faz-se e renova-se, não a partir de espectáculos de publicidade, mas através da vida concreta das comunidades cristãs, em processos de conversão, capazes de abrir caminhos de futuro, comunidades de Advento.

1. Este ano avizinha-se do fim, mas a importância dos acontecimentos que o marcaram e as questões que suscitou não encontraram verdadeiros caminhos de solução. Será trabalho para os próximos anos, se não quisermos que tudo fique cada vez pior.
Assistimos, durante este mês de Novembro, a uma espécie de aceleração da história. Entre as muitas coisas que aconteceram é importante lembrar algumas que não ficaram registadas nos grandes meios de comunicação.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Dilatar os horizontes

Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO de domingo
 
1. Na crónica anterior, sobre a Jornada Mundial dos Pobres, disse que a Viagem Apostólica do Papa ao Bahrein, para o fórum de diálogo Oriente e Ocidente pela convivência humana, exigia outra crónica. Nesse momento, só tinha em vista o seu famoso discurso no final desse encontro. Entretanto, o próprio Papa veio esclarecer e explicar o sentido dessa sua viagem, na Audiência Geral do passado dia 9, na Praça de S. Pedro [1]. Essa apresentação foi tão incisiva e clarificadora que seria ridículo substituir as palavras do Papa pelas minhas. Com as transcrições que vou recortar nessa apresentação, procuro cumprir a minha promessa, com o título, Dilatar os Horizontes.
Não é meu este título, mas do Papa. Julgo preferível dar-lhe a palavra sobre as razões e motivações que o levaram a acolher a oferta feita pelo rei desta monarquia de dois mares, com a alegria da pequena, mas ecuménica, comunidade cristã.
Ele próprio reconhece que é natural que as pessoas se interroguem: por que quis o Papa visitar esse pequeno país de maioria islâmica? Há muitos países cristãos, por que não vais primeiro a um ou a outro? “Gostaria de responder com três palavras: diálogo, encontro, caminho.”

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Jornada Mundial dos Pobres Contra a Pobreza

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

Continua a verificar-se a triste lamentação do Nazareno perante a visão mesquinha dos seus discípulos: “Pobres sempre tereis entre vós!”


1. Durante muito tempo, a Igreja só era notícia devido aos crimes eclesiásticos da pedofilia. Foi e continua a ser uma questão fundamental e que nunca deverá ser esquecida, como acaba de revelar a Conferência Episcopal Francesa. No entanto, se a Igreja Católica sofreu e sofre por esses factos e pelas suas consequências, esperamos que a Comissão Independente continue o seu trabalho e tenha cada vez mais apoio de todas as instâncias do mundo católico.
Seria, no entanto, um erro grave que essa desgraça paralisasse os movimentos de revisão de vida, de conversão e de inovação missionária. O Papa Francisco é o primeiro a dar o exemplo de prosseguir simultaneamente a renovação da Cúria com o inédito contributo das mulheres, em lugares de decisão, de praticar novas formas de intervir na sociedade, na defesa dos mais esquecidos, na escuta e apoio dos movimentos populares. Suscita iniciativas criadoras no campo do diálogo inter-religioso, na procura de novos caminhos para a paz no meio dos conflitos e violências das guerras e das suas trágicas consequências.

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Deus não faz acepção de pessoas

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

É atribuída a Einstein uma frase curiosa: “Só há duas coisas infinitas: o Universo e a estupidez humana, mas não estou muito seguro da primeira. Da segunda pode-se observar como nos destruímos só para demonstrar quem pode mais”. De facto, esta estupidez continua. Como vencer o desejo de dominação pelo gosto de servir?

1. Na crónica do Domingo passado, referi uma das mais recentes obras do fecundo teólogo checo, Tomáš Halík, com o título A tarde do cristianismo. O tempo da transformação [1]. O autor confessa que recebeu a inspiração para este título da metáfora escolhida por Carl Gustav Jung, fundador da psicologia analítica, para descrever a dinâmica de uma vida humana individual, no curso de um dia: manhã, meio-dia e tarde. Procurou aplicar, com algumas inflexões, esta metáfora à história do Cristianismo. Embora a República Checa seja considerada a mais secularizada da Europa, observa que “a secularização não foi afinal o fim da história da religião; não foi, como imaginavam os ideólogos do secularismo, a vitória da luz da razão sobre as trevas da religião. Pelo contrário, foi uma transformação da religião e um passo mais no caminho para uma fé mais madura. Uma das tarefas deste livro é encorajar-nos a aproveitar ao máximo essa oportunidade” [2].

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

NÃO AO FUNDAMENTALISMO BÍBLICO

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

Cirilo, Patriarca Ortodoxo da Rússia, ficou colado a este nacionalismo bíblico que é, apenas, a pior face do iaveísmo da política guerreira, que nada tem a ver com o iaveísmo da sabedoria bíblica universalista.

1. Graças ao trabalho incansável de Frederico Lourenço que além das traduções da literatura clássica grega, de uma nova gramática latina, já realizou não só a tradução de quase toda a Bíblia (dita dos Setenta) como apareceu agora na Quetzal com a publicação bilingue dos Evangelhos Apócrifos. Para conforto da teologia feminista, noto que O Evangelho de Pedro emprega uma palavra que nunca ocorre nos evangelhos canónicos: discípula. No único evangelho cuja autoria é atribuída a uma mulher (o Evangelho de Maria), a pessoa a quem Jesus confia a sua doutrina não é nem a Pedro nem João, mas Maria Madalena.