Mostrar mensagens com a etiqueta Cão. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Cão. Mostrar todas as mensagens

domingo, 19 de novembro de 2017

Um poema de Manuel António Pina — O nome do cão




O NOME DO CÃO

O cão tinha um nome
por que o chamávamos
e por que respondia,

mas qual seria
o seu nome
só o cão obscuramente sabia.

Olhava-nos com uns olhos que havia
nos seus olhos
mas não se via o que ele via,
nem se nos via e nos reconhecia
de algum modo essencial
que nos escapava

ou se via o que de nós passava
e não o que permanecia,
o mistério que nos esclarecia.

Onde nós não alcançávamos
dentro de nós
o cão ia.

E aí adormecia
dum sono sem remorsos
e sem melancolia.

Então sonhava
o sonho sólido que existia.
E não compreendia.

Um dia chamámos pelo cão e ele não estava
onde sempre estivera:
na sua exclusiva vida.

Alguém o chamara por outro nome,
um absoluto nome,
de muito longe.

E o cão partira
ao encontro desse nome
como chegara: só.

E a mãe enterrou-o
sob a buganvília
dizendo: " É a vida..."


Manuel António Pina
primeiros poemas
todas as palavras
poesia reunida
assírio & alvim
2012

Nota: Por sugestão do caderno Economia do EXPRESSO

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Recordando o Boris




Boris 

Não é apoucar a importância do soneto, a sua utilização para enaltecer uma criaturinha de quatro patas! Foi intencional o recurso à mais nobre categoria do género clássico, o soneto petrarquiano. Só assim, se poderá elevar ao nível da imortalidade, esta humilde mas grandiosa criatura, na passagem de um mês, da sua partida!


A âncora que à vida me prendia,
Com um sopro de vento se partiu.
À deriva este barco se sentiu
Na procela da vida que fuia.

Uma alegria sempre renovada!
A cada instante, o amor se pressentia.
Nele, o apego à vida, a energia
Vinha sendo, dia a dia conquistada.

Tão cedo, tu partiste deste mundo
Deixando, neste ser, pesar profundo
Que tão difícil é de mitigar!

Boris, meu amigo Cãopanheiro,
Tenho bem impregnado o teu cheiro,
Teus gestos... e a cauda a abanar!

Mª Donzília Almeida
02.05.2012


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Aventuras de um boxer

Um texto de Maria Donzília Almeida

Antes de... 

Antes de a dona o ter posto fora de casa, 
ele dormia a sesta na espreguiçadeira 
e a noite num sofá! Era um lorde!

Depois... foi dormir para a estufinha das plantas, 
onde a dona colocou a alcofinha, mas ele prefere dormir nas bicas! 
Coisas de cão orgulhoso!



Enjeitado

Por alguns sou rejeitado.

Pela m’nha dona preterido. 
Mas qual será o meu fado...
Um cão que já foi tão querido! 

Ão, ão... p’ra todos, um ano bom! (com sotaque tripeiro). Há muito que não dou um ar da minha graça, mas agora é que estou, sem graça nenhuma! Ando mesmo acabrunhado, a pensar nesta vida de cão, que passei a ter de há uns dias para cá. Antes, tinha uma vida de lorde e todos os cães vadios, que deambulavam pela rua, me invejavam! Antes, dormia na torre do castelo, sossegadinho da vida, confortável, quentinho e com um edredon de penas a aconchegar-me! Agora durmo na estufa das plantas, a coberto da geada, sim, mas bem junto da caruma e dos vasos arrumados a um canto. Ando triste! Quase ia parar às masmorras... alagadas de água no inverno, como o forte de Peniche! Não chegou a tanto, a crueldade desta amiga de Pen----