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domingo, 9 de julho de 2023

Carlos Matos expõe no salão da Igreja Matriz

Exposição encerra na terça-feira

Carlos Matos junto de trabalhos seus






Depois da participação na Eucaristia de hoje, na Igreja Matriz da Gafanha da Nazaré, desci apressado para apreciar e meditar sobre uma exposição de um artista da nossa terra, Carlos Matos, que conheço há anos. No final da celebração, o nosso prior, Pe. César, recomendou aos participantes, aliás, que não deixassem de visitar a exposição, patente num espaço anexo ao Salão Paroquial.
Dirigi-me para lá, não só para dar um abraço ao artista, mas também para me deliciar com a sua expressão artística, onde sobressai, com grande nitidez, uma espiritualidade que nos envolve plenamente. Escultura em madeira e pintura que ornamentam qualquer espaço de uma casa de bom gosto.
Recomendo que passem por lá quanto antes, porque a exposição encerra na próxima terça-feira. Porém, se não puderem, têm como alternativa visitar o seu atelier, “Nicho D’Artes” , Rua João dos Santos, Gafanha da Nazaré.

Nota: Sobre Carlos Matos pode ler mais aqui 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Carlos Matos na primeira pessoa

Não trocava este meu cantinho 
pela vida do Cristiano Ronaldo

O artista exibe um Cristo e chama a atenção para alguns pormenores

Cristos, Nossa Senhora e Presépios 

Uma espiritualidade sempre presente

O artista junto das suas peças

A arte de retirar a tinta

A arte de retirar a tinta

Aprazado o encontro, dirigimo-nos para o local indicado. Entrámos pela rua João dos Santos, em homenagem ao antigo presidente da Junta de Freguesia e industrial da Gafanha da Nazaré, mesmo ao lado de uma pastelaria. Alguns passos andados, sem pressas, chegámos ao armazém com o seu grande portão de ferro, como nos tinha sido dito. No cimo, lá estava a placa que dizia “NICHO D’ARTES”. Uma campainha com intercomunicador era o único sinal de modernidade. Tocámos e identificámo-nos. O Carlos Matos, de bata branca, recebeu-nos com a lhaneza esperada. Num recanto do armazém, do lado direito, lá estava o nicho. Espaço de trabalho e zona expositora bem definidos, mas contíguos. Registámos o silêncio que revestia o ambiente. Nem televisão, nem rádio, nem telemóvel a perturbar aquela paz tão propícia à criatividade. 
O branco das paredes emoldurava quadros e motivos escultóricos de diversas tonalidades e formas. A sensibilidade do artista plástico está bem patente no que os nossos olhos captaram. E algumas peças até nos emocionaram. Como é possível ficarmos indiferentes à arte expressiva e multiforme de um gafanhão, que se especializou, durante muitos anos, na decoração de interiores? Mas o melhor é seguir o Carlos Matos na primeira pessoa e depois visitar quanto antes o seu recanto. Entrevista conduzida por Fernando Martins.

Carlos Matos


Frequentei Arquitetura no Porto durante três anos. Depois a vida não me deixou acabar o curso. Dediquei-me à decoração de interiores e fiz projetos para o país inteiro, de Norte a Sul. Decorei casas particulares e centros comerciais até aos 63 anos. Com a reforma, assumi a minha vida como artista plástico, sem seguir a linha seja de quem for; procuro criar a minha própria bandeira, garantindo que as peças que crio são únicas e irrepetíveis. Não faço serigrafias nem cópias, seja do que for, porque dessa forma estaria a tirar o valor à peça original. As obras encomendadas são peças únicas e jamais haverá qualquer trabalho semelhante.
Faço mobiliário urbano por encomenda, exigindo sempre a propriedade da patente, com todos os direitos. Há painéis meus um pouco por todo o lado, nomeadamente no cemitério de Ílhavo, onde criei um mural. Entendo que a arte é uma maneira de ser, de estar e de gostar. Por isso as peças de arte não têm de ser explicadas. Cada apreciador faz a leitura do que vê. E quando olhamos para figuras estilizadas, o importante é gostar do que se contempla, do conjunto cromático que o artista concebeu e executou. 
Quando as pessoas nascem com alguma vocação artística, talvez nem saibam que têm arte dentro de si. A arte acontece naturalmente. E até se questionam como eu me questionei: — Como é que eu consegui fazer isto? Como é que eu fui capaz? Será que eu sou um artista?
Desde a escola secundária fui sempre o melhor aluno na turma de desenho e o meu professor, Eng. Pascoal, até chegou a enviar desenhos meus, onde não faltavam barcos, ao Comandante Tenreiro, o “patrão” da pesca do Bacalhau. Também gostei de brincar com as coisas nos trabalhos manuais. E nos trabalhos de decoração já criava, já pintava as casas à minha maneira. Mas um dia senti o clique.
A arte pode ser inata, mas precisa de ser burilada, aceitando o artista o desafio de contornar as dificuldades que surgem no dia a dia. A mistura das tintas nem sempre bate certa. Quando trabalho a madeira, se uma peça esgalha onde não quero, tenho mais um motivo para contornar e avançar. E a peça será naturalmente diferente da que estava projetada. Ano a ano vou reunindo um conjunto de técnicas e de saberes, mas reconheço que a evolução é contínua. Com qualquer coisinha estou sempre a aprender.
Por vezes fico louco quando vejo pessoas da minha idade sentadas em jardins a falar de doenças, política e futebol, e quando as desafio, dizem muitas vezes: — Tu és tolo! Eu agora a meter-me em trabalhos. Isto confunde-me um bocado; enquanto eu puder andar e mexer-me, continuarei a criar. Para mim, não existem limites e impossíveis. 
Não tenho duas peças de arte iguais; nem eu nem ninguém. Tenho ali aqueles Cristos todos diferentes; quando eu estou a fazer uma cara não posso fazer a outra. Quem compra uma peça aqui, compra uma peça na Gafanha. Noutra parte do mundo há outras, mas nunca são iguais às que eu faço e vendo. Mais baratas noutros sítios? Talvez, mas não passam de peças feitas em série, rigorosamente iguais. 
A vida sem arte não faz sentido. Aliás, a natureza é que nos ensina, mas temos de descobrir a arte que está nela. E nessa descoberta está a sensibilidade do artista ou das pessoas. Quem nos ensina a pintar a água é a própria água; quem nos ensina a pintar o céu é o próprio céu. Água e céu que são todos os dias diferentes. O céu que eu pinto é o de um momento concreto; se eu o mostrar no dia seguinte, direi que é o céu de ontem. E nunca mais vejo outro céu igual na vida. Na natureza nada é igual e tudo está em mutação constante. 
É curioso como tão pouca gente sabe que eu tenho este meu recanto. Nem muitos dos meus amigos com quem tomo café todos os dias me perguntam por que razão é que eu ando de bata; nem sequer me perguntam o que é que eu faço e muito menos manifestam a intenção de ver os meus trabalhos. No entanto, tenho peças na República Checa, no Brasil, em Angola, nos Estados Unidos e em diversas regiões o nosso país. Não os motivo? Nunca gostei de falar aos outros das minhas artes. Nunca gostei de me insinuar.
Acho piada à falta de curiosidade das pessoas que me conhecem. Nunca se sentiram estimuladas ou suficientemente informadas sobre os meus trabalhos. 
Eu não posso viver sem arte e se a deixar o que é que estou aqui a fazer? Eu consigo fechar-me neste meu recanto ao domingo se tiver trabalhos para acabar; estou até às duas da manhã, se for preciso. Quando venho para aqui estou morto por chegar; quando estou para sair estou danado por ter de ir embora. E não trocava este meu cantinho pela vida do Cristiano Ronaldo! Este é o cantinho que eu criei, que eu fui comprando peça a peça, que eu fui burilando; é aqui que eu me sinto bem a olhar para os meus Cristos.

NOTA: Entrevista publicada no jornal Timoneiro