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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

A GAFANHA VISTA POR FREDERICO DE MOURA




«Falou-se de marnotos, falou-se de pescadores e mareantes, faltando, apenas, falar dos gafanhões que vieram, por fim, tratar da moldura afeiçoando a terra que debrua a laguna substituindo a desolação da duna e da flora quaresmal que, a medo, aflorava, por uma verdura indizível de milheirais frescos e viçosos e de batatais que lhe corroboram os tons abertos com gradações sublinhantes que parecem oriundas de uma paleta de pintor.
Quando, aí por volta de 1677, os foreiros do Conde de Aveiras, Senhor de Vagos, vieram com os seus enxadões violar a virgindade das lombas para as cultivar, não toparam nelas com nenhuma quentura maternal para as sementes que pretendiam lançar-lhe sobre o dorso, nem lhe sentiram nas entranhas qualquer resquício de matéria orgânica capaz de dar estímulo a uma vontade que não fosse dotada de ganas para teimar independentemente de qualquer aceno indutor.

terça-feira, 28 de junho de 2022

RIA DE AVEIRO vista por Frederico de Moura


(...)
Em certas manhãs, doiradas pelo sol nascente, a Ria parece toda um espelho onde, apenas, um trémulo de evaporação – ténue e vibrátil – põe um vestígio de movimento ritmado.
E, então, os malhadais, os montes de sal, os palheiros exíguos e pintados a zarcão, duplicam-se, invertidos, nas águas quietas onde, de vez em quando, uma gaivota, maleabilíssima e ágil, raspa uma tangente quase imperceptível.
As pálpebras cerram-se sobre a pupila magoada por esta duplicação da luz que se remira no espelho da água e, no silêncio inundado de sol, o chap chap de uns remos, ou o golpe da ponta de uma vara que empurram o barco que desliza, põem uma nota fugidia de onomatopeia.
Um homem de músculos individualizados – como num quadro mural de anatomia – corre sobre a borda de uma bateira mercantel como se andasse sobre o asfalto de uma avenida. Visto de longe, recortado na luz diáfana da manhã que lhe aviva as linhas e delimita os contornos, não sabe a gente se tem na frente um ginasta, se um bailarino. Os pés parece que não pisam e os movimentos de vaivém, desembaraçados e leves, semelham passos coreográficos.»

Frederico de Moura
"Aveiro e o seu Distrito", n.º 5, junho de 1968

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Pela Positiva - Há dez anos


«Se passa, desacanhadamente, da "Escolha de peixe" no sul da Costa Nova para o "Mercado de Cabinda"; se transfere as tintas do glauco da Ria para os amarelos gritantes da seara madura; se da peixeira esbelta resvala para a ceifeira maciça e do pescador ágil e bailarino para o pastor imóvel na paisagem pasmada, isso não lhe obnubila a fidelidade à ambiência onde, pela primeira vez, experimentou os pincéis e a que está ligado por uma afectividade toda tocada de ternura.»

Frederico de Moura

In "Homenagem do Município de Ílhavo – C. Teles – Desenhos"

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Frederico de Moura

A propósito de um texto que publiquei no meu blogue sobre o gafanhão e as dunas, da autoria Frederico de Moura, recebi um comentário de Senos da Fonseca em que me corrigiu, por ter dito que o referido autor era de Vagos, quando teria nascido em Ílhavo. Confirmou, no entanto, que exerceu medicina em Vagos. 
Depois de consultar um dos seus livros, “Pulso Livre”, fiquei então a saber que Frederico de Moura nasceu em 28 de Fevereiro de 1909 na freguesia da Vera Cruz, Aveiro, onde permaneceu até aos 5 anos, altura em que a família se mudou para Ílhavo, onde passou a viver. Depois, sim, é que se fixou em Vagos como médico. 
Porém, as suas ligações a Ílhavo mantiveram-se, tendo assumido as funções de diretor do Museu Marítimo e Regional de Ílhavo. 
A propósito das relações de amizade com Miguel Torga, Senos da Fonseca sublinha que ouviu, daquele multifacetado escritor: — Este Frederico, se trabalhasse, como eu, a escrita era um escritor que eu leria diariamente. De facto, a escrita de Frederico de Moura, dura, logo a seguir afeiçoada, forte e lúcida, penetra e impressiona... » 

F. M. 

Nota: Ver comentários aqui

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Escritores e a Ria de Aveiro — 9



«A Ria entende-se em canais, em esteiros, em valas, em fiozinhos de água, dividindo-se e subdividindo-se até ao capilar, entrando pela terra dentro, recortando-a e irrigando-a de água salgada, ou, pelo menos, salobra, e que se vai adocicando à medida que foge do mar e se estende, por aí fora, a servir de espelho a uma lavoura anfíbia que lança a semente ao chão e penteia o fundo lodoso das cales, que surriba terra até sentir os pés encharcados e pesca pimpões nas valas intercalares nos fugidios momentos de lazer.
Os longes de água são emoldurados por um debrum delgadinho – topo de planície raso povoada de casas alapadas – e tem-se a sugestão de que a terra se envergonha e se humilha perante a imensidade da laguna, esfumando-se e diluindo-se no horizonte de encontro ao perfil violeta dos montes das distância...
(…)

Frederico de Moura
"Aveiro e o seu Distrito", n.º 5, junho de 1968

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Um texto lindo sobre os gafanhões


«Falou-se de marnotos, falou-se de pescadores e mareantes, faltando, apenas, falar dos gafanhões que vieram, por fim, tratar da moldura afeiçoando a terra que debrua laguna substituindo a desolação da duna e da flora quaresmal que, a medo, aflorava, por uma verdura indizível de milheirais frescos e viçosos e de batatais que lhe corroboraram os tons abertos com gradações sublinhantes que parecem oriundas de uma paleta de pintor.»

Frederico de Moura

No Livro "Ressonâncias"

Nota: Conferência lida, no salão Municipal da Cultura, de Aveiro, integrada no número do programa que, com aquele mesmo título [PAISAGEM DE AVEIRO - O Ambiente e o Homem], fez parte dos actos culturais das Festas da Cidade. Em 11 de Maio de 1970.