Mostrar mensagens com a etiqueta Hans Küng. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Hans Küng. Mostrar todas as mensagens

sábado, 11 de junho de 2022

Economia e política ao serviço da vida

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Pretender que toda a humanidade viva segundo os padrões do mundo mais desenvolvido, tecnocrático, seria pôr fim à própria possibilidade de continuação da História.

Quando se olha para a presente situação do mundo, não é difícil constatar que o que está decisivamente em crise é a razão moderna com o seu imperialismo devastador. Ao contrário do que pensam os seus profetas mais ardentes, após a crise/implosão do chamado "socialismo real", o capitalismo desenfreado, neoliberal, não constituiu de modo nenhum a solução do futuro nem é a palavra mágica, decisiva e definitiva da História. A prova está em que pretender que toda a humanidade viva segundo os padrões do mundo mais desenvolvido, tecnocrático, seria pôr fim à própria possibilidade de continuação da História. O modelo dos países do hemisfério norte, sendo necessário sublinhar que ele se implantou já noutras paragens, não pode estender-se ao mundo inteiro, isto é, não é universalizável, sob pena de pura e simplesmente não haver futuro para o planeta. E, não sendo universalizável, não é ético.

sábado, 4 de junho de 2022

Babel, Pentecostes e uma ética global

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias

A revolução a caminho é a dos pobres e humilhados, que nada têm a perder.

1. Fazemo-nos e construímo-nos uns aos outros; desfazemo-nos e destruímo-nos uns aos outros. Lá está o mito da Torre de Babel, um mito que transporta uma verdade fundamental e dá que pensar, como escreveu o filósofo Paul Ricoeur. Um dia - está escrito no Génesis - os homens disseram: Construamos uma cidade e uma Torre cujo ápice penetre nos céus. A Bíblia vê neste projecto uma iniciativa de arrogância e orgulho insensatos, aquela hybris - desmesura -, que os gregos também condenavam, porque arrastava consigo a maldição e a catástrofe. No meio da arrogância e da desmesura, os seres humanos, em vez de se compreenderem, guerreiam-se e matam-se na barbárie.
A tragédia repete-se constantemente. Quando, por exemplo, um ditador brutal, ignorando o Direito Internacional e as Nações Unidas, invade um país independente com uma guerra de terror, aí está uma Babel, num mundo perigoso, com horrores e catástrofes à vista.

sábado, 18 de dezembro de 2021

Herbert Haag: 20 anos depois

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

O meu querido amigo Herbert Haag, talvez o maior exegeta católico do século XX, morreu fez este ano 20 anos: "partiu" no dia 23 de Agosto de 2001. Era realmente um dos maiores especialistas em ciências bíblicas, até porque dominava, para lá do latim e do grego, o hebraico, o aramaico, o ugarítico, o árabe...
O mistério da morte é que se parte sem deixar endereço. Ele acreditou, e eu com ele, que na morte não cairia no nada; pelo contrário, entraria em plenitude no mistério da infinita misericórdia de Deus, o Deus bom e amável, que Jesus anunciou por palavras e obras. Mas como é ninguém sabe. A morte é o mistério pura e simplesmente. O Absoluto tem duas faces: precisamente a morte e Deus.
Ficou a obra (Liberdade aos cristãos e A Igreja católica ainda tem futuro? estão traduzidos em português), a amizade, a saudade. Saudade, essa palavra que só a língua portuguesa tem e que, se tiver a sua raiz no latim salutem dare, donde vem também saudar, exprime o desejo de que, esteja onde estiver, esteja bem. Se a ligação for com solitate, então exprime a tristeza de quem está só porque o amigo já não está e faz-nos falta.

sábado, 2 de outubro de 2021

Semana Mundial da Harmonia Inter-Religiosa

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias



"Não haverá paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não haverá paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões. Não haverá diálogo entre as religiões sem critérios éticos globais. Não haverá sobrevivência do nosso planeta sem um ethos (atitude ética) global, um ethos mundial."
Hans Küng 

Foi em 2010, na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Antes de iniciar a sua conferência, Jorge Sampaio chamou-me. Para me pedir que não me esquecesse de escrever um texto sobre a Semana Mundial da Harmonia Inter-Religiosa.
Também para relembrar o empenho de Jorge Sampaio no diálogo das civilizações, das culturas, das religiões, retomo o texto de então com pequenas alterações.
Era a primeira vez que se celebrava, de 1 a 7 de Fevereiro (2011), a Semana Mundial da Harmonia Inter-Religiosa, na sequência de uma Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas, tomada por unanimidade no dia 20 de Outubro de 2010 e proclamando a primeira semana de Fevereiro de cada ano a World Interfaith Harmony Week (Semana Mundial da Harmonia Inter-Religiosa), semana da harmonia entre todas as religiões, fés e crenças.

sábado, 12 de junho de 2021

Küng e a fé

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

E também não é fé verdadeira a que se contenta com o cumprimento de rituais religiosos.

1 Hans Küng, um dos maiores teólogos católicos e um pensador de influência mundial, deixou-nos. Fica a sua teologia com os novos horizontes que abriu no sentido de uma esperança que formulou assim na sua última lição na Universidade de Tubinga, em 1996: "Spero unitatem ecclesiarum, espero a unidade das Igrejas. Spero pacem religionum, espero a paz entre as religiões. Spero communitatem nationum, espero uma verdadeira comunidade das nações." Fica também como inspiração a sua reflexão epistemológica, introduzindo na Teologia "a teoria de mudança de paradigmas", a partir da obra famosa de Thomas Kuhn: The Structure of Scientific Revolutions, sobre o desenvolvimento da ciência (lembro a definição de paradigma de Kuhn: "Uma constelação total de crenças, valores, técnicas, etc., partilhada por uma determinada comunidade"). Também na Teologia há paradigmas: o paradigma paleocristão apocalíptico, o helenístico da Igreja antiga, o católico-romano medieval, o protestante reformado, o iluminista moderno, estando presentemente a esboçar-se um novo paradigma, o paradigma de uma "teologia ecuménica crítica", com duas constantes ou pólos, em "correlação critica" - a primeira constante, pólo ou horizonte é "o nosso mundo presente de experiência em toda a sua ambivalência, contingência e mutabilidade"; a segunda constante, pólo ou norma essencial é "a tradição judeo-cristã, que, em última análise, se funda na mensagem cristã, no Evangelho de Jesus Cristo" -, e duas orientações: ad intra, isto é, ecuménica, no sentido do ecumenismo intracristão, e ad extra, enquanto dirigida para as religiões do mundo e para toda a Terra habitada.

sábado, 5 de junho de 2021

Hans Küng e Francisco

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

A Igreja não pode entender-se como um aparelho de poder ou uma empresa religiosa, mas como povo de Deus e comunidade do Espírito nos diferentes lugares do mundo

1 Faz amanhã dois meses que, como aqui dei a devida notícia, morreu Hans Küng, o teólogo católico mais conhecido dos últimos decénios e um pensador de influência mundial.
Küng tinha imensa esperança no Papa Francisco, que lhe escreveu duas vezes, inclusivamente a dizer que a infalibilidade pontifícia era questão a estudar, e lhe enviou uma bênção antes da morte. Lamentavelmente, talvez para não ferir Bento XVI, não o reabilitou de modo oficial. De qualquer forma, julgo que é inegável a influência do seu pensamento na primavera da Igreja prosseguida por Francisco, não só por causa das suas investigações sobre o cristianismo primitivo mas também do seu contributo incalculável para o encontro da fé com o mundo moderno e pós-moderno e um ethos (nova atitude ética) global.

domingo, 18 de abril de 2021

Hans Küng: o teólogo mais católico, o mais universal

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO



"Hans Küng realizou-se como verdadeiro e apaixonado teólogo católico. Ao tentar calá-lo, o Vaticano perdeu a voz que o tentava alertar para aquilo que era urgente corrigir."

1. Há filósofos e teólogos famosos que dão trabalho para serem entendidos em vida e, sobretudo, depois da morte. Suscitam, por isso, obras de iniciação ao seu hermético pensamento e alimentam gerações e gerações de comentadores que se julgam donos da boa interpretação do mestre venerado.
Seria injusto dizer que todos os autores difíceis escreveram para não serem entendidos. Existem, de facto, obras de tal profundidade, riqueza e complexidade que se tornam fontes de inesgotáveis e criativas interpretações. Despertam sempre para novos horizontes e para dimensões ocultadas ou descuidadas da existência humana. São mil vezes preferíveis aos produtos do contrabando da publicidade de êxito fácil, que rapidamente se esgotam na sua brilhante superficialidade. Isto para não falar da abundante literatura de espiritualidade, à qual falta sobretudo Espírito Criador.
Hans Küng não pertence a nenhum desses mundos. Miguel Esteves Cardoso, num pequeno texto, bem-humorado, O milagre de Küng [1], tocou no essencial: “Na verdade, a obra de Küng presta-se a simplificações. A razão é só uma: porque ele próprio fez por isso, fartando-se de trabalhar para atingir uma simplicidade cintilante. (…) Não são livros pequenos, porque não podem ser. Mas têm uma virtude que se pode dizer mais do que divina, porque o próprio Deus não a tem: clareza.”

sábado, 19 de setembro de 2020

CONVERSA COM HANS KÜNG. 2

Crónica de Anselmo Borges no Diário de Notícias


Continuo a conversa com Hans Küng em 1979, incidindo sobre a esperança para lá da morte. 

Para si, Jesus Cristo é o determinante na vida e na morte, o Filho de Deus. Pergunto-lhe: é Deus que nos salva ou é Cristo? 
É o próprio Deus que nos salva através de Cristo. Não podemos de modo nenhum ver Cristo sem Deus. De contrário, não teria sentido para nós. Como também não podemos, enquanto cristãos, ver Deus sem Cristo. Caso contrário, Deus torna-se vago para nós. 

Mas somos nós, os cristãos, que somos salvos através de Cristo ou são todos os homens? Isto é, mesmo aqueles que pertencem a outras religiões são salvos através de Cristo? 
É claro que os homens que pertencem a outras religiões se podem salvar. E é evidente que só se podem salvar através do único Deus, pois há um só Deus. Em terceiro lugar, só se podem salvar através do Deus que nos foi revelado em Cristo, que, portanto, é o Deus da misericórdia, o Deus da graça, que Cristo nos revelou. 

A ressurreição de Cristo é essencial no cristianismo... 
Se Cristo não tivesse ressuscitado, a nossa fé seria vã, diz o apóstolo Paulo. E esta é também a minha convicção. 
Mas é necessário não tomar à letra e como narrações históricas todas as representações que se referem à vida nova de Cristo. O importante e decisivo é concentrar-se no essencial da Boa Nova da Ressurreição. Ora, o que é o essencial da Boa Nova da Ressurreição? A Boa Nova da Páscoa significa isto: este Crucificado, que realmente morreu, não morreu para o nada, mas foi assumido na vida eterna de Deus. Ele vive com Deus seu Pai, através dEle e nEle. E isto significa para nós uma esperança. 

sábado, 12 de setembro de 2020

Conversa com Hans Küng. 1

 Crónica de Anselmo Borges no DN

Hans Küng

Na sequência das crónicas sobre J. Ratzinger/Bento XVI, revisitei a conversa que tive em 1979, em Estugarda, com o célebre teólogo Hans Küng sobre o Deus de Jesus. Foi assim: 

Continua fascinado por Cristo. Quero perguntar-lhe: o que pode, na sua opinião, significar hoje o cristianismo? 
Dou-lhe uma resposta simples. Para mim, ser cristão tem ainda hoje sentido, pois, com o cristianismo, pode-se ser Homem num sentido mais profundo e radical. 
Esta afirmação já não é suspeita, pois foi feita também — é com alegria que o digo — pelo novo Papa (João Paulo II). Escrevi um livro com o título Ser cristão. Ora, alguns criticaram-no, porque diziam que nele se falava demasiado do Homem. Mas hoje vê-se cada vez melhor que o cristianismo não é uma pura ideologia para si mesmo. A Igreja não tem a sua finalidade em si mesma. O cristianismo deve ajudar o Homem a ser Homem melhor e mais radicalmente. 
Mais radicalmente em que sentido? 

sábado, 14 de junho de 2014

JERUSALÉM E ROMA

Crónica de Anselmo Borges
no DN

1 A política está em tudo mas não é tudo. A oração também pode ser força política. E condição essencial para a paz é a conversão interior, do coração. Por outro lado, a História não está pré-escrita em parte alguma e, por isso, é preciso construí-la e ao mesmo tempo ter a capacidade de se deixar surpreender por ela. Cá está: quem poderia supor há apenas um mês que seria possível o Presidente de Israel, Shimon Peres, e o Presidente da Palestina, Mahmoud Abbas, encontrarem-se no Vaticano para rezar? Mas o inesperado, o que se diria impossível, aconteceu.