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sábado, 10 de julho de 2021

Quem tem medo da liberdade?

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

A angústia da liberdade e a procura do regaço quente da segurança explicam a facilidade da entrega a poderes totalitários, a seitas cegas, a colonizadores de corpos e de almas, a vendedores de "verdades e certezas" tapadas, tantas vezes malévolas e irracionais.

1. Aparentemente, não há nada que o Homem tanto preze como a liberdade. Mas, frente à necessidade de ter de optar entre a segurança - intelectual, espiritual, psicológica, social, económica, politica, religiosa - e a liberdade, não se sabe quantos ficariam do lado desta e não daquela, do lado da liberdade e não da segurança.
Dostoiévski disse-o de modo ácido e também superior num texto em que também se critica a Igreja de Roma. Fá-lo num dos maiores romances da literatura mundial, Os Irmãos Karamázov, no poema de Ivan intitulado "O Grande Inquisidor".
A história passa-se em Espanha, em Sevilha, nos tempos terríveis da Inquisição, precisamente no dia a seguir a um "magnificente auto-de-fé" em que foram queimados de uma assentada, na presença do rei, da corte, dos cardeais e das damas mais encantadoras da corte e de numerosa população de Sevilha, quase uma centena de hereges. Cristo "apareceu, devagarinho, sem querer dar nas vistas e..., coisa estranha, toda a gente O reconhece." Mas o cardeal inquisidor aponta o dedo e manda que os guardas O prendam. E é num calabouço do Santo Ofício que lhe diz que no dia seguinte O queima na fogueira como ao pior dos hereges. E a razão é que a liberdade de fé tinha sido para Cristo a coisa mais preciosa. Não foi Ele que disse tantas vezes: "Quero tornar-vos livres"?

domingo, 4 de julho de 2021

A alegria de uma nova liberdade

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

A história do Mundo, das Religiões e da Igreja 
não está fechada. Tudo tem de ser recreado.

1. Hans Küng, ao escolher o desafiante modelo cristão para a sua vida, não deixou de se confrontar com outros modelos: hindu, budista, confucionista, judaico e muçulmano. Não para os desvalorizar, mas para permitir um diálogo lúcido entre todos. Tendo aprendido muito com todos, não quis, no entanto, deixar de manifestar a sua preferência. Para ele, a vida, os ensinamentos e a actividade de Jesus de Nazaré sobressaem, claramente, em comparação com outros fundadores de religiões. 
O melhor é dar a palavra ao ilustre investigador: “Jesus não foi uma pessoa formada na corte, como aparentemente foi Moisés, nem filho de príncipe, como Buda. Mas também não foi um erudito e político, como K'ung Fu-tzu, nem um comerciante rico e cosmopolita, como Maomé. É precisamente pela sua condição social ser tão insignificante que a sua importância douradora parece ainda mais espantosa. Ele não defende a validade incondicional de uma lei escrita que se desenvolve sem cessar (Moisés), nem o retiro monástico em ascético ensimesmamento dentro da comunidade regulamentada de uma ordem (Buda), nem a renovação da moral tradicional e da sociedade estabelecida em consonância com uma lei cósmica universal (k’ung Fu-tzu), nem revolucionárias conquistas violentas em luta contra os infiéis e a fundação de um Estado teocrático (Maomé). 

sábado, 3 de julho de 2021

Liberdade e dignidade humana

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

1 A diferença entre o Homem e os outros animais não é meramente de grau, quantitativa. Ela é a qualitativa, essencial.
A razão dessa diferença está fundamentalmente no facto de o Homem não se encontrar na simples continuidade da vida no sentido biológico. Como escreveu o filósofo Max Scheler, o Homem é "o asceta da vida", pois é capaz de dizer não aos impulsos instintivos. Por exemplo, ao contrário dos animais, o ser humano, mesmo com fome, perante um petisco, é capaz de renunciar, por razões de ascese, de generosidade para com um necessitado ou pura e simplesmente para provar a si mesmo que é senhor de si e das suas acções. Precisamente nesta sua capacidade vê o célebre biólogo Francisco J. Ayala "a base biológica da conduta moral da espécie humana, nota essencialmente específica dela." Porque é capaz de renunciar, abster-se, deliberar, optar, o Homem é um animal livre e moral.
Os outros animais também comunicam, mas o Homem tem linguagem duplamente articulada. Aristóteles viu bem, ao definir o Homem como animal que tem logos (razão e linguagem), e, assim, como "animal político". "Só o Homem, entre os animais, possui fala. A voz é uma indicação da dor e do prazer: por isso, têm-na também os outros animais. Pelo contrário, a palavra existe para manifestar o conveniente e o inconveniente bem como o justo e o injusto.

sábado, 31 de outubro de 2020

FRATELLI TUTTI. 4 - A fraternidade e as religiões

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias


"Porque é que hei-de fazer o bem e cuidar do outro em necessidade 
mesmo quando isso agride os meus interesses e me prejudica?" 

1. Do tríptico: liberdade, igualdade e fraternidade, é a fraternidade que, sem a referência à transcendência, tem dificuldade em encontrar um fundamento último sólido. Por isso, Francisco escreve: “Como crentes, pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos, não pode haver razões sólidas e estáveis para o apelo à fraternidade. Estamos convencidos de que só com esta consciência de filhos que não são órfãos podemos viver em paz entre nós. Com efeito, a razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade.” 
A própria ética, embora autónoma, terá dificuldade em estabelecer um fundamento inabalável, sem essa abertura à transcendência. De facto, o ser humano é terrivelmente carente e, por isso, irracionalmente egoísta e está sempre sob o perigo de ser subrepticiamente assaltado pela pergunta: porque é que hei-de fazer o bem e cuidar do outro em necessidade mesmo quando isso agride os meus interesses e me prejudica? Neste contexto, Francisco continua, derrubando a acusação feita por católicos conservadores de fomentar o relativismo: “Quero lembrar um texto memorável de João Paulo II: ‘Se não existe uma verdade transcendente, na obediência à qual o homem adquire a sua plena identidade, então não há qualquer princípio seguro que garanta relações justas entre os homens. Com efeito, o seu interesse de classe, de grupo, de nação contrapõe-nos inevitavelmente uns aos outros. Se não se reconhece a verdade transcendente, triunfa a força do poder, e cada um tende a aproveitar-se ao máximo dos meios à sua disposição para impor o próprio interesse ou opinião, sem atender aos direitos do outro. A raiz do totalitarismo moderno deve ser individuada na negação da transcendente dignidade da pessoa humana, imagem visível de Deus invisível, e precisamente por isso, pela sua própria natureza, sujeito de direitos que ninguém pode violar: indivíduo, grupo, classe, nação ou Estado. Nem tampouco o pode fazer a maioria de um corpo social lançando-se contra a minoria.” 

sábado, 17 de outubro de 2020

FRATELLI TUTTI. 2 - Uma outra Economia

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias 


Como pôr a Economia a funcionar, 
salvaguardando a dignidade de todos?

1. Ninguém é uma ilha. Só somos uns com os outros e precisamos de amor e de reconhecimento. Que importa a existência se ninguém nos reconhecer, se não valermos para alguém? Não é desse reconhecimento que todos andam à procura? Só o valer para alguém é que justifica a existência. E, quando se descobre que valemos para Deus, que Deus nos dá valor e nos reconhece, então a vida está salva, encontrando a plenitude de sentido. 
Um dos pressupostos na nova encíclica — “Todos irmãos e irmãs” — é exactamente esta verdade fundamental: “Ninguém pode experienciar o valor de viver sem rostos concretos a amar. Aqui reside um segredo da verdadeira existência humana.” E daqui arranca a revolução de Francisco, a da dinâmica da fraternidade universal. Este é um ponto de partida, porque esta experiência, se autêntica, irradia e torna-se contagiante, num contágio bom de felicidade: começa-se por baixo, por um, pela família, e vai-se “pugnando pelo mais concreto e local, até ao último recanto da pátria e do mundo. Mas não o façamos sós, individualmente. Todos, retomando a parábola do bom samaritano, somos responsáveis pelo ferido que é o próprio povo e os povos todos da Terra.” Quem na vida foi meu próximo e de quem é que eu fui e sou próximo? Vai-se dando assim o encontro entre o concreto local e o universal, evitando tanto um localismo individualista fechado como um universalismo abstracto, homogeneizante e dominador. Realiza-se, pelo contrário, aquele ideal do poliedro, tão caro a Francisco: a unidade que floresce na variedade da riqueza de perspectivas, do tesouro de cada cultura, um mundo com “o seu colorido variado, a sua beleza e, em última análise, a sua humanidade”. 

sábado, 27 de julho de 2019

Há dias assim...



LIBERDADE

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Frei Bento Domingues - Espiritualidade, mas que espiritualidade?

Bento Domingues

«Quem anuncia um curso de teologia não pode esperar grande adesão, mas se propõe um curso sobre uma espiritualidade desconhecida terá aos seus pés um mundo de curiosos de todas as novidades esotéricas.»

1. Será verdade que, no Ocidente, as religiões com os seus dogmas, catecismos, normas morais, esgotaram o prestígio que lhes atribuíram ao longo dos séculos? Ou será apenas a violência, em nome de Deus, que as desacreditou? Seja como for, a religião ganhou às religiões, a religiosidade ganhou à religião, a espiritualidade parece ganhar à religiosidade. O mercado das espiritualidades ganhou ao das religiões a la carte. As espiritualidades e sabedorias do Oriente tiveram um acolhimento inesperado no Ocidente. Mesmo no campo católico, repete-se que o século XXI ou se torna místico ou está perdido.
Quem anuncia um curso de teologia não pode esperar grande adesão, mas se propõe um curso sobre uma espiritualidade desconhecida, e quanto mais desconhecida melhor, terá aos seus pés um mundo de curiosos de todas as novidades esotéricas.
Existem sabedorias e espiritualidades que não estão ligadas a nenhuma confissão religiosa, mas constituem campos de busca de sentido existencial.
Este Papa encerrou uma época, muito recente, confiada aos Prefeitos da Congregação para a Doutrina da Fé, perfeitos em silenciar a liberdade no seio da Igreja.
Ele próprio não tem boas recordações da teologia que teve de frequentar como estudante, uma teologia de manuais, onde estavam previstas e congeladas as teses, as perguntas e as respostas. Desde a Alegria do Evangelho que sonha com «Faculdades de Teologia onde se viva a convivialidade das diferenças, onde se pratique uma teologia do diálogo e do acolhimento; onde se experimente o modelo do poliedro do saber teológico, em vez de uma esfera estática e desencarnada. Onde a investigação teológica seja capaz de se comprometer com um cativante processo de inculturação».
Está convencido que tanto «os bons teólogos, como os bons pastores, têm o cheiro do povo e da estrada e, com a sua reflexão, derramam óleo e vinho sobre as feridas dos homens». Para ele, a teologia deve ser «a expressão de uma Igreja que é um “hospital de campanha”, que vive a sua missão de salvação e de cura no mundo! A misericórdia não é só uma atitude pastoral, é a própria substância do Evangelho de Jesus».

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Georgino Rocha - Livres para amar. Prontos para servir


Georgino Rocha


Jesus toma a decisão de ir a Jerusalém, centro da vida religiosa e política dos Judeus, dando início a uma nova fase da sua vida. Aqui, quer anunciar a novidade de Deus que suscita uma convivência respeitadora da dignidade humana. Prepara a viagem e envia mensageiros à sua frente. Está determinado a correr todos os riscos. Manifesta o que lhe vai “na alma”, endurecendo os traços da sua fisionomia, sinal antecipado da dureza da sua paixão e da concentração das energias da sua vontade. Lc 9, 51-62.
No caminho, encontra pessoas com diversas pretensões: samaritanos que lhe recusam acolhimento, discípulos que querem vingar-se desta afronta, gente anónima que deseja segui-lo e outra que ele convida, apóstolos que o acompanham. Jesus, em respostas claras e desconcertantes, mostra a necessidade de estarem livres para o seguir e a urgência de fazer o anúncio da novidade de Deus.
Repreende Tiago e João, os mensageiros junto dos samaritanos, por aquele desejo de vingança, repreensão que deixa perceber o respeito pela liberdade de recusa, pela lisura do coração. Que contraste de atitudes: repreensão para os discípulos e silêncio compreensivo para os samaritanos! 
Esclarece, com grande precisão, a quem pretende segui-lo, as novas condições de vida: opção firme, afeição incondicional, desapego dos bens, simplicidade de atitudes, acolhimento do futuro emergente, olhando-o com esperança esforçada. “O seguimento de Jesus, afirma Manicardi, exige também o esforço do quotidiano, do dia após dia: a resolução é necessária para não se deixar bloquear pela banalidade dos dias e dos hábitos, para sustentar a vida do discípulo que está sob o jugo da precariedade e para dar perseverança ao seguimento e não o reduzir à aventura de uma etapa”.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Dia Mundial da Liberdade: 23 de janeiro




Quando se fala de liberdade, logo a associamos ao 25 de Abril de 1974. Realmente, até aí, não tínhamos a ideia exata do que era isso. As pessoas mais politizadas, isto é, com o conhecimento do que era um país democrático, onde cada cidadão tinha o direito e a obrigação de escolher os que haveriam de governar o país, com partidos políticos a apresentarem diversos conceitos de governação, podendo o povo, também, exprimir-se livremente, essas lutaram com coragem para que a ditadura fosse erradicada de uma vez por todas. E surgiu o 25 de Abril. Mas hoje, queremos tão-só abordar o assunto da Liberdade, um dos conceitos em que se apoia a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948. 
O Dia Mundial da Liberdade foi criado em 23 de janeiro pela ONU e proclamado pela UNESCO, com o objetivo de promover o direito de cada pessoa poder fazer as suas escolhas, planear o seu futuro e determinar as suas opções de vida, sem constrangimentos de qualquer ordem. Importante se torna, contudo, não confundir liberdade com libertinagem, porque a liberdade pressupõe, inevitavelmente, a obrigação de se respeitar a escolha, o projeto e a opção de cada ser humano. 

Fernando Martins

sábado, 1 de dezembro de 2018

Mandela: a liberdade e o perdão

Anselmo Borges

Em mais uma homenagem da Academia das Ciências a Nelson Mandela, no passado dia 20 de Novembro, também participei com uma comunicação, de que fica aí o essencial. 

1. Há uma experiência de fundo: o ser humano não é objecto, coisa. Olhamos para as coisas como um "isso", mas olhamos para os seres humanos como um "alguém". Alguém que é um "tu" como eu e, ao mesmo tempo, um tu que não sou eu: outro eu e um eu outro, formando um "nós". O outro, no seu rosto e olhar, impõe-se-me como um "alguém corporal", a visibilidade de uma interioridade inacessível que se mostra e impõe. 
A experiência radical de não se ser coisa dá-se na consciência da liberdade. Cada um, cada uma, faz a experiência originária de ser dado, dada, a si mesmo, a si mesma, experiência que se explicita na consciência de autoposse. Somos senhores e donos de nós. Muito cedo, a criança é capaz de dizer ao pai ou à mãe: não és minha dona, meu dono. Pertenço, antes de mais, a mim próprio, a mim própria. 
Claro que a liberdade não é demonstrável. Aliás, se o fosse, não seria liberdade, mas coisa. A liberdade apresenta-se nesta experiência de autoposse e, consequentemente, na experiência de responsabilidade: respondo por mim e pelo que faço. Dada a neotenia - vimos ao mundo por fazer -, temos pela frente a tarefa essencial, constitutiva: fazermo-nos a nós mesmos, uns com os outros, no mundo. Poder-se-ia acrescentar que a experiência da liberdade é uma experiência transcendental: a liberdade afirma-se, mesmo na sua negação. De facto, se tudo estivesse sob o determinismo, não seria possível pôr a questão da liberdade e do determinismo enquanto tal.

sábado, 29 de setembro de 2018

Três grandes feridas contemporâneas


Anselmo Borges

Devo este título e alguma inspiração para esta crónica a J. M. Rodríguez Olaizola, no seu livro Bailar con la Soledad, já aqui citado na semana passada. Quais são as três feridas?

1. A do amor. O que é que todos procuramos? A felicidade, e elemento constitutivo da felicidade é o amor, um amor sólido, estável e fiel. Mas isso hoje está como se sabe: na sociedade líquida, também o amor é líquido, para ir a Z. Bauman. Só para dar o exemplo do amor conjugal: Portugal é o país da Europa com mais divórcios, 70 por cento dos casamentos terminam em divórcio. Aí está G. Lipovetsky, em Da Leveza: "Publicidade, proliferação de formas de empregar o tempo livre, animações, jogos, modas: todo o nosso mundo quotidiano vibra com cantos à distracção, aos prazeres do corpo e dos sentidos, à ligeireza de viver. Com o culto do bem-estar, da diversão, da felicidade aqui e agora, triunfa um ideal de vida ligeiro, hedonista e lúdico." 

Então, a contradição é esta: num tempo de incerteza, do zapping, do provisório, do usar e deitar fora até nas relações humanas, o amor sólido e fiel, inabalável, deveria ser a pedra angular da vida, e é isso que se procura idealmente, mas, ao mesmo tempo, pretende-se viver numa união sem compromisso, na abertura ao consumo do "poliamor", numa liberdade à deriva, incapaz de sacrificar-se pelo que mais vale. E lá está outra vez Z. Bauman, em Amor Líquido: "Automóveis, computadores ou telefones celulares em bom estado e que funcionam relativamente bem vão engrossar o monte de resíduos, com pouco ou nenhum escrúpulo, no momento em que 'versões novas e melhoradas' aparecem no mercado. Há alguma razão para que as relações de casal sejam uma excepção à regra?" 

terça-feira, 15 de maio de 2018

Homenagem aos Mártires da Liberdade

Amanhã, 
quarta-feira, 
18h30


Amanhã, 16 de maio, quarta-feira, pelas 18h30, a Câmara Municipal de Aveiro vai homenagear os Mártires da Liberdade, com uma sessão de evocação e a deposição de flores no obelisco da Praça Joaquim Melo Freitas. Assim, serão assinalados os 190 anos sobre a revolução liberal de 1828, iniciada na cidade de Aveiro.
Ficaram na história, por isso, os aveirenses Francisco Manuel Gravito da Veiga e Lima, Francisco Silvério de Carvalho Magalhães Serrão, Clemente da Silva Melo Soares de Freitas, e Manuel Luís Nogueira.
Em 1909, o Clube dos Galitos eternizou em monumento público este ato heroico dos seus naturais, erguendo na Praça Joaquim Melo Freitas um Obelisco dedicado à Liberdade.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

NOTAS DO MEU DIÁRIO: Hoje acordei assim...

Do meu quintal

Hoje acordei tarde. Incómodos de saúde próprios da idade. O sol coado pela vidraça e pelas cortinas inundou o meu quarto, voltado para o astro rei, desde o despontar da aurora até ao seu mergulho no oceano. 
Uma volta pelo quintal, galinhas à cata de tudo, árvores de folha caduca ainda adormecidas, um sol acalentador, nada de ventanias, enfim, tudo dentro da normalidade esperada, mostrando que a vida, bonita quanto baste, me enche a alma, animando-me para a luta quotidiana. 
É muito agradável cirandar por aqui, sem preocupações de maior, ouvindo cães a ladrar como que a avisar que gostariam da liberdade plena, que isto de morar numa varanda fechada não dá alegria a ninguém, nem mesmo aos animais. 
A liberdade é uma sensação muito bonita, que os homens souberam conquistar ao longo de séculos, mas ainda há quem lute por ela sem êxito. Os tiranos, sádicos por natureza, ainda hoje bloqueiam os sonhos de quem quer voar para lá das fronteiras, físicas ou ideológicas, criadas com muros intransponíveis. 

08-II-2018

terça-feira, 25 de abril de 2017

25 de Abril de 1974 — O Grito da Liberdade

Salgueiro Maia na linha da frente da liberdade
 Ao contrário do que alguns pensam, é sempre oportuno e necessário evocar a revolução dos cravos, que permitiu, com natural heroísmo, mas também com alegrias incontidas, oferecer a liberdade aos portugueses, muitos deles sem nunca a terem sentido e experimentado. E é oportuno e necessário, porque a liberdade pode correr o risco de se perder, levada pela nossa incúria e pela voracidade de ditadores em potência, que pululam por aí. 
Não falta quem vista a camisola contra o 25 de abril, contra as amplas liberdades, contra o atraso económico, contra as injustiças sociais, contra a corrupção e contra a fome que grassa em cada canto deste país “à beira mar plantado”. São protestos com razão, é certo, porque 43 anos são tempo que baste para erradicar as injustiças, mas também é verdade que na sociedade que eu respirei na meninice e na juventude o atraso económico e social era notório. Hoje, apesar de tudo, contrariando os céticos, a sociedade está muito melhor do que antes da revolução.
Antes do grito da liberdade, o analfabetismo tolhia os horizontes do nosso povo, obrigando-o a fugir, pela calada da noite, para sobreviver longe desta Pátria que muito pouco lhe dava. Muitos portugueses desapareciam a salto, calcorreando caminhos nunca vistos, serras e montes inóspitos, traídos muitas vezes por passadores desumanos, deixando para trás a família à espera de pão. E instalavam-se clandestinamente em bairros de lata nos subúrbios de Paris. Anos depois, as casas novas das Gafanhas e de outras terras portugueses ostentavam sinais evidentes das cores e formas que os impressionaram à chegada a França.
A guerra colonial, incompreensível já no mundo civilizado de então, massacrou sonhos e vidas de muitos compatriotas. A cegueira de uns tantos políticos da época anterior ao 25 de Abril espezinhou quem se opôs à utópica bandeira do proclamado Império Português idealizado por lunáticos do chamado Estado Novo. Com o 25 de Abril, finalmente, Portugal descobriu que o mundo não se confinava aos curtos horizontes que bloqueavam os olhos do entendimento do povo luso. De olhos abertos, soube e pôde gritar bem alto… Viva a Liberdade! Viva o 25 de Abril!

Fernando Martins

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Saber escolher para viver em plenitude

Reflexão de Georgino Rocha


Jesus recorre ao contraste para realçar a novidade de vida dos discípulos. Lembra sentenças da Lei e dos Profetas muito apreciadas pelos judeus fiéis e faz-lhes uma interpretação radical em que desvenda o seu alcance genuíno e sentido integral. Justifica a sua atitude dizendo: “Não vim anular, mas dar plenitude”. E enumera os preceitos referentes ao homicídio, ao adultério, ao divórcio, ao juramento, à não violência e ao amor aos inimigos. Visualiza assim o novo rosto de quem é luz do mundo e sal da terra, irradiando felicidade. (Mt 5, 17-37).

A lei é precisa para congregar vontades e definir regras de convivência; mas, sem amor de doação, a vida desumaniza-se e a sociedade perde vitalidade. As normas são indispensáveis para gerar a harmonia na família e noutras formas gregárias, mas sem misericórdia compassiva e tolerante, a relação humana degrada-se e o egoísmo impõe-se. Os códigos têm valor enquanto regulam interesses e articulam funções nas organizações, mas sem atenção respeitosa à pessoa e ao bem comum, o conjunto desfigura-se e perde o sentido de serviço público. De facto, as Escrituras registam mandamentos e sentenças que definem o comportamento fiel do povo eleito para viver segundo a vontade de Deus. A situação actual reforça a importância desta urgente conjugação que dá rosto humano à realidade e segurança à liberdade.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

QUANTO A TI, VEM E SEGUE-ME

Reflexão de Georgino Rocha


Jesus é um homem livre. Toma decisões conscientes, ainda que arriscadas. Assume as consequências das opções feitas. Tem a noção clara do tempo. Está aberto à surpresa, embora procure gerir as circunstâncias. Avança para a cidade de Jerusalém, para o Templo, o coração da vida religiosa, social, política e económica. O centro do poder que geria a ordem estabelecida que tantos privilégios concedia a uns poucos e mantinha a maioria empobrecida, submissa e resignada.
Aproveita a viagem para apresentar ao povo a novidade do projecto de Deus de que era portador e preparar os discípulos para a missão que lhes iria confiar. Pessoas entusiasmadas saem ao seu encontro no caminho, procuram falar-lhe, mostrar-lhe as suas disposições e solicitar favores. Outras nem sequer deixam que se aproxime das suas aldeias, em ostensiva rejeição.
Lucas, o evangelista narrador desta viagem, agrupa cenas, ditos e discursos, compondo um admirável itinerário catequético e realçando que “seguir Jesus é o coração da vida; que não há nada mais importante e decisivo”. A leitura de hoje (Lc 9, 51-62), faz-nos visualizar os traços fundamentais da iniciação cristã polarizados na liberdade: liberdade para decidir – “ se queres”; liberdade para manter a opção feita: - “segue-me e vai anunciar”; liberdade para ser coerente: “ “deixa” as ataduras e vive da esperança; deixa o passado, mesmo valioso e querido, e “agarra o presente” com determinação confiante. Tudo a condizer com o exemplo admirável de Jesus.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

O 25 DE ABRIL

E preciso restituir a esperança
a todos os portugueses


Sobre o 25 de Abril já muitíssimo se disse e escreveu. Tanto que daria para uma biblioteca de tantas estantes quantas as teses pró e contra o que a revolução dos cravos nos trouxe. Certo é que com ele se escancararam as portas da liberdade, da livre expressão de sentimentos, de novas ideias, de partilha de sonhos. Acabaram guerras e a luz brilhante da democracia iluminou caminhos de opções a diversos níveis. Novas ideais inundaram os nossos quotidianos até aí abafados pelo pensar único e imperativo. O povo descobriu que era adulto, que podia escolher, que era parte ativa da sociedade e não agente passivo como burro de carga. E todos ficaram a saber que o povo é quem mais ordena. Para o bem e para o mal. E quando sente ou descobre que se enganou, tem nas suas mãos os votos que tudo podem corrigir.
As promessas de Abril, que indicavam propósitos de democratizar, desenvolver e descolonizar, constituem um processo inacabado. Sempre inacabado… Engana-se quem julga que a perfeição está ao nosso alcance. Não está. Nunca estará. O homem é um ser finito, limitado, imperfeito. Mas tende para a perfeição, mesmo sabendo que estamos no campo das utopias.
O 25 de Abril continua por cumprir. A democracia e o desenvolvimento estagnaram com atrasos imperdoáveis. A descolonização foi um desastre em múltiplas frentes, mas os portugueses que regressaram das ex-colónias souberam dar-nos extraordinários exemplos de readaptação à vida neste Portugal multissecular.
Que as comemorações deste ano do 25 de Abril saibam refletir, serenamente, no sentido de restituírem a esperança porventura perdida a todos os portugueses. São os meus votos.
Fernando Martins

domingo, 3 de abril de 2016

Caminhos cristāos para a ressurreição da Europa?

Crónica de Frei Bento Domingues 


«O dia do culto que não seja o da celebração 
da alegria e da liberdade é um insulto a Deus»

1. Alguns amigos insistiram comigo para não voltar à pergunta: “Será possível ressuscitar a Europa?”. Este continente, dentro e fora de portas, antes, durante e depois do regime de Cristandade, viveu quase sempre em guerra e assim continuará. Um interregno de 60 anos de paz foi mais fruto do cansaço do que da virtude. A política, como Aristóteles viu, é o reino do instável para o qual não existe ciência certa, apenas palpites e raciocínios mais ou menos prováveis.
O que eu deveria questionar, segundo dizem, era o estado lamentável em que se encontra a liturgia da Igreja, nomeadamente a da Semana Santa. Não enche as igrejas nem as almas. A pergunta que os padres não deveriam evitar seria esta: porque será que os feriados de cariz religioso e os próprios domingos servem sobretudo para umas miniférias dos laicos e dos católicos não praticantes, cada vez mais numerosos?
Um dia abordarei o que há de interessante e falacioso nesta pergunta. Se os feriados religiosos servem para um merecido “descanso”, já não é mau. A mítica e bela narrativa da Criação coroa de humor um Iavé feliz e fatigado:Deus concluiu no sétimo dia a sua obra e descansou (Gn 1-2).

sábado, 5 de março de 2016

Os dois pais, a liberdade, Spotlight

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias


«A Igreja Católica tem muitos e graves problemas 
para resolver, mas a questão da reconciliação sã 
com a sexualidade é fundamental»

A. Foi uma chuva de críticas contra o disparate do BE com o cartaz "Jesus também tinha dois pais", que pretendia celebrar uma causa justa: a não discriminação na adopção. Cito: "campanha infeliz", "ofensivo", "desrespeitoso", com "teor sexista", "de mau gosto", "estúpido", "imbecil", "provocação bacoca", no meio da bebedeira do poder... Alguém sugeriu que, se se quer mostrar força, faça--se algo parecido com imagens do islão. Por mim, disse e repito: A frase, "mais do que infeliz, é ridícula. Onde está a graça? A mim não me ofende e a Deus também não, porque o ridículo só atinge quem o produz". De facto, Jesus teve dois pais, como qualquer um ou uma de nós: um pai e uma mãe. O cartaz é um tiro no pé.