Crónica de Bento Domingues no PÚBLICO
1. Se, como foi noticiado, o cardeal Burke tiver dito, perante as ameaças da covid-19, “que devemos poder orar nas nossa igrejas e capelas, receber os sacramentos e participar em actos de oração pública”, espero que alguém o convença a despir-se das pompas cardinalícias, a envolver-se em saco e cinza para pedir perdão, através dos meios de comunicação social, a crentes e não crentes por essa pouca vergonha [1].
Passemos ao título desta crónica. É a proposta mais séria para não alimentar ilusões para depois do presente pesadelo colectivo. Antes, porém, importa lembrar algumas evidências esquecidas para nos situarmos, com lucidez, neste tempo de agendas suspensas ou alteradas.
O ser humano surgiu na terra como um dos menos equipados e mais desarmados do reino animal. Os seus instintos são rudimentares e parcas as suas defesas.
Essa situação escondia um tesouro único no seu corpo revelado pela palavra que o singulariza. É o tesouro da inteligência emocional, da razão discursiva, do afecto desinteressado, da liberdade criadora e destruidora, da imaginação, a louca da casa para o bem e para o mal.
São recursos inesgotáveis. A partir de elementos preexistentes, possibilitam o gosto de estabelecer conexões mentais surpreendentes, de inventar, de inovar, de criar e recriar. Como escreveu Einstein, a criatividade é a inteligência a divertir-se [2].