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domingo, 17 de junho de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 295


PITADAS DE SAL – 25



OS PALHEIROS


Caríssima/o: 

Quando dizemos «palheiros», queremos tão só falar daquelas casinhas que se encontravam espalhadas pelas marinhas, esquecendo todos os outros tipos que ainda se podem ver mais ou menos perto de nós (Mira, Aveiro - Canal de S. Roque, Costa Nova, … Logo ali fica o Palheiro de José Estêvão!). 
Uma espreitadela sobre o que se escreveu; e o difícil é escolher… 

«O palheiro das salinas aveirenses era uma casa rudimentar, de planta retangular, edificada com tábuas de pinho, dispostas em escama horizontal. O telhado, inicialmente de bajunça ou estorno, foi substituído por madeira, obedecendo ao mesmo esquema de aplicação das paredes. Posteriormente, passou a ser coberto por telha de canudo ou mesmo telha marselha. Por vezes o palheiro ostenta, por cima da porta, o nome da marinha a que pertence. 
O chão de terra batida era coberto com bajunça ou junco. Atualmente alguns palheiros apresentam revestimento do solo com mosaico cerâmico. Ao longo dos tempos, a função primordial do palheiro foi o armazenamento dos instrumentos de salinagem.» [Rafael Carvalho] 

Por sua vez João Pereira de Lemos acrescenta pormenores curiosos:

domingo, 10 de junho de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 294


PITADAS DE SAL – 24 




RECOLHA, ARMAZENAGEM 
E TRANSPORTE DO SAL 

Caríssima/o: 

Sal a caminho, poderia ser o título para a pitada de hoje. E apetecia olhar para as imagens e quedar-me em silêncio e curvar-me como preito de homenagem e gratidão a esses heróis e heroínas que das suas lágrimas fizeram o sal do nosso tempero. 
Não há mais para acrescentar aos passos leves e quase tímidos do marnoto… Figura irreal de um mundo de inquietações mudas e alquimista do mais puro ouro branco! 
Armazéns ainda resistem aos tempos. Será da moura? E quantas estórias de faturas «falsas» e de juras em palavra que é «escritura»… 
Mulheres e homens encanastrados com o mundo à cabeça! 
E velas, muitas velas… E varas, muitas varas… 
Tantas que se foram… 
Mundos de outro mundo que o de hoje não compreende e enjeita! 

Manuel 


domingo, 3 de junho de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 293


PITADAS DE SAL – 23 




SAL NO CAMINHO 

Caríssima/o: 

Por associação de ideias pensaríamos naquelas figuras que a Bíblia nos diz terem-se transformado em estátuas de sal… As pessoas iam, de facto, a caminho… 
Mas a cena que gostaria de partilhar não é tão poética e arrepiante; pelo contrário, é plana, sem contornos fortes. 
Como sabemos, nas nossas casas havia pelo menos uma salgadeira (nas casas ricas, a diferença estava em haver uma para a carne e outra para o peixe…). Lá se arrumava a um canto escuro (por causa das moscas…). 
Enchia-se de sal fresco, branquinho, oferecido por marnoto amigo, a troco de uma ajuda nos trabalhos da marinha ou da lavoura de casa. Na época própria, com o aparecimento dos frios do inverno, faca ao porco que, depois de desmanchado, era metido no sal. Bem tenteado, servia de governo para todo o ano pois os ossos e o toucinho se partiriam e cortariam para temperar o caldo. 
Retirado o último pedaço de toucinho um tanto amarelo, na salgadeira apenas restava o sal… 
Entretanto, no curral, novo animal se cevava … 
Será que o sal ainda salga? Ou deixará estragar a carne?... 
Muitas vezes, corria-se o risco… 
Mas o mais aconselhável era fazer como quem podia: renovava, limpava a salgadeira e metia sal novo. 
E que fazia ao sal velho? 
Espalhava-o nos caminhos… Com a chuva e o peso dos carros que por lá passavam, o piso ficava duro e compacto… e não havia erva que aí nascesse. 

Manuel


domingo, 20 de maio de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 291

PITADAS DE SAL – 21 




A VIDA NAS ILHAS 

Caríssima/o: 

Monsenhor João Gonçalves Gaspar escreve em «Aveiro – notas históricas», 1983, na página 25: 

“Formaram-se também bancos de areia na baía, que viriam a originar as ilhas da Testada, da Murraceira, dos Ovos, da Tranqueira, do Monte Farinha e outras – algumas delas já referenciadas no século XV.” 

Atrever-me-ia a acrescentar algumas que para nós foram (e ainda hoje são importantes): da Mó do Meio, de Sama ou do Rebocho. 
Da importância destas ilhas ninguém duvida, mas é sempre bom lembrar isso de quando em vez e referenciar que foi em algumas delas que se construíram as marinhas. 
Falando de vida nas ilhas da nossa Ria logo nos vem à ideia qualquer coisa como: 

«a riqueza das ilhas residia no junco que crescia no seco e no moliço que crescia debaixo de água. na ilha de monte farinha chegou a haver gado, de que se destacava a criação de cavalos.» [A. Cravo, no seu blogue] 

Mas a vida de que falo é de outro grau… 
Não nos faz cócegas na imaginação a existência de ruínas no Rebocho? 
Havia casa, casa de pedra!... Só para fazer vista na paisagem? 
E na Testada? 
Casa com moinho para puxar água e fazer energia elétrica… relógio de sol… azulejos a revestir paredes… [Claro, está-se mesmo a ver… coleções, etc. e tal… ficou tão-só um montinho de restos inúteis e desprezados!...) 
Certamente que gente terá habitado nessas ilhas… 
Tenho como dado indiscutível o recenseamento de crianças em idade escolar habitando em ilhas na zona da Murtosa nos idos de cinquenta-sessenta do século passado. 
Será mais um assunto a investigar e a desvendar?!... 
Ou ficaremos sempre (e para sempre) na ficção? 

Manuel 



domingo, 13 de maio de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 290

PITADAS DE SAL – 20 




O VALOR [COMERCIAL] DO SAL 

Caríssima/o: 

Quando se fala do valor do sal, recordo duas “cenas”: 

A primeira é tão simples como isto: 

“Para saber se um ovo está ou não estragado coloque-o num copo com água e sal, se boiar jogue-o fora porque está estragado, se permanecer no fundo está bom para consumo.” Muito importante quando andávamos aos ninhos e precisávamos de saber se os ovos estavam bons!?...

A segunda é talvez mais apetitosa: 

- Olha, mais vale beber do que cuspir! – exclamava o avô Lázaro quando se faziam os rojões na lareira. O sal marcava toda a diferença e o dedo da cozinheira ia soltando pedra a pedra, pitada a pitada, até obter o equilíbrio desejado, neste caso a puxar mais uma pinga… 

O sal era [é] largamente utilizado na indústria alimentícia, na alimentação humana e animal e na preservação de alimentos. Apenas 5% da quantidade extraída é consumida como sal doméstico. 
Elemento essencial à vida e indispensável ao funcionamento do organismo, o sal está presente em 2/3 dos líquidos extra-celulares e mantém o equilíbrio de água entre o interior e o entorno das células. O sabor do sal estimula a produção de saliva e dos sucos gástricos, essenciais para a digestão, além de auxiliar a absorção de nutrientes e de contribuir no processo digestivo. A carência e o excesso de sal provocam desequilíbrios no organismo. A dose necessária a cada indivíduo varia segundo características genéticas, alimentação e tipo de vida, mas situa-se, geralmente, à volta de 5 gramas por dia. 

E depois era todo um mundo que ia da salgadeira de nossas casas ao porão dos navios bacalhoeiros… 
Mas se quisermos ser mais precisos, abramos os “livros” e colhamos algumas surpresas. 

«A análise da venda sazonal do sal revelou-nos dois quadros diferentes. As vendas mensais confirmam calendários diferentes para o sal saído pela Barra e o que se destinava aos portos regionais. Os gráficos respectivos, 3 e 4, elucidam, rapidamente, este aspecto. Pela barra, as vendas cresciam, a partir de Junho até Setembro, acompanhando, aproximadamente, a safra salineira e a melhoria das condições de navegação. A comercialização fluvial, interna, local, regional, obedece a outro critério: os melhores meses situam-se de Setembro até Dezembro. Por esta altura do ano, as águas sobem pelos canais e rios mais assoreados, permitindo uma melhor navegabilidade. Por outro lado, o calendário das colheitas impõe as suas exigências: a matança do porco e respectiva conserva, e a salga da sardinha (armazenamento para Invernos) são o complemento alimentar. Interessante economia doméstica!» p. 75, Inês Amorim, in “Aveiro e os caminhos do sal”

domingo, 6 de maio de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 289


PITADAS DE SAL – 19



DO REBOCHO AO MONTE FARINHA


Caríssima/o:

Para nós, os da Beira-Ria, há nomes que se nos pegaram na memória desde tenra idade, faziam parte da nossa vida: Cambeia, Portas de Água, Regueirão, Esteiro, Paredão Arrunhado, Traveses, ... Rebocho, Monte Farinha...
Para chegarmos às Marinhas forçoso era rumar ao Rebocho ou ao Monte Farinha e isso mesmo nos diz meu irmão Artur neste pequeno escrito em que nos revela o quão importantes eram essas investidas:

«Quantas e quantas vezes, aos domingos, íamos nós os três, eu, o pai e o tio António, no bote, em direcção ao Rebocho. A viagem era feita quando a maré vazava; o meu tio puxava a corda à sirga; eu ia sentado à frente; e o meu pai ia atrás com o remo que fazia de leme.
Como no esteiro Oudinot havia muitas árvores de fruto, o tio António, de vez em quando, lá atirava uma pera para dentro do bote e assim quando chegávamos ao fim da viagem já tínhamos fruta para comer ao meio-dia.
Chegados ao Rebocho, íamos para as marinhas e lá começava o meu tio à foice, enterrado na lama até à cinta. De quando em quando, lá vinha uma enguia; verdade seja que ele tinha o dom para aquele tipo de pesca. Ele e o meu pai lá continuavam com a foice e as enguias voavam até à praia, onde eu tinha que as apanhar.
Também tinha de cortar erva para os coelhos.
O bote vinha carregado com os sacos da erva, que eram bastantes, e uma grande caldeirada de enguias.
A casa só chegávamos a meio da tarde...»

Não era só a caldeirada para a minguada mesa da família; à espera duma refeição mais farta, os coelhos e outra criação saltavam contra as redes de vedação quando os pescadores se estiravam no banco de madeira para lavar os pés da lama incrustada. Talvez valha a pena esclarecer que, nesses recuados tempos, a erva para os animais era escassa para quem não tinha terras: rapidamente se esgotava a que nascia nos caminhos ou nas bermas das estradas.
Conforme a maré, o destino podia variar para o Monte Farinha que então cavalos e não só por ali andavam em liberdade. Com pequenas variantes, o programa era idêntico e os proventos equivaliam-se. Talvez a imagem desta ilha perdure mais pelos animais: era sempre motivo de brincadeira o relinchar dos cavalos, os seus pinotes e cabriolas.
Anos mais tarde, outras viagens e com uma única motivação: o passeio e o recreio...
Mas essas ficarão para outra pitada...


Manuel

domingo, 29 de abril de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 288

PITADAS DE SAL – 18 



AS SALINAS 


Caríssima/o: 

Sendo um mês de cinco domingos, oferece-nos a possibilidade de procurar na arca uma poesia: 

CENA V 

«AS SALINAS» 

(Salineiro, a solo, e côro) 


Anda o sol pela ria 
De manhã 'té noitinha; 
Marnotos à porfia, 
Botaram a marinha. 

A água vai entrando, 
- Espelho de cristal 
E o marnoto, cantando, 
Começa a rer o sal. 

Côro - Ó salineiro 
Anda ligeiro, 
Olha que a chuva 
Pode chegar. 

E a salina, 
Que é tua mina, 
Se vem a chuva, 
Tens de alagar. 

II 

Vai o sal para a eira, 
Branquinho, a cintilar, 
Em tardes de solheira 
Ou noites de luar. 

São montinhos de neve, 
Na luz do entardecer, 
Que o sol beija, ao de leve, 
P'ra os não enegrecer. 

Côro – Ó salineiro, etc. 

III 

E o marnoto - bom Deus! 
Vendo o sal, seu labor, 
Ergue os olhos aos Céus, 
Reza a Nosso Senhor. 

Depois, na canastrinha, 
Segue o sal seu destino. 
Serve para a cozinha 
E baptiza o menino. 

Côro - Ó salineiro, etc. 


in Gente Miúda, Teatro infantil, Letra de Manuel Craveiro Júnior; Música de Manuel Craveiro Júnior e Amadeu Santos, Livraria Figueirinhas – Porto, 1945 [Fantasia musicada em 2 Actos, 4 Quadros e 12 números de música] 

Manuel

domingo, 22 de abril de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 287

PITADAS DE SAL – 17 




APONTAMENTOS PARA UM TRABALHO 
SOBRE A PAISAGEM DE AVEIRO 

Caríssima/o: 

Nas minhas deambulações pelos trilhos  e para as marinhas, encontrei este apontamento que muito apreciei: 

«[...] A humanização da paisagem de Aveiro sugere qualquer coisa de actividade lúdica, de esforço manobrado pela mão da inocência criadora da infância que se compraz em regalar os olhos com o produto da sua energia. O pragmatismo, aqui, surge corroborado por uma moldura doirada de beleza e aconchegado pelo calor de uma visão que amacia o sensório. 
O cagaréu foi-se à água informe e desordenada e domesticou-a dentro de rectângulos de uma esquadria rigorosa, realizando uma paisagem geométrica com murinhos pueris de Iodo que parecem riscados a régua e esquadro. 
É a humanização geográfica mais epidérmica que conheço e, consequentemente, a mais frágil e vulnerável. 
Em cada ano estes marnotos-geómetros têm de refazer tudo desde o princípio: a água tem de ser novamente domada nos seus ímpetos arrasantes e contida no viveiro para ser, depois, usada por conta-gotas e, com ela, formar camadinhas de espelho que estende pela planície fora... Ali se armazena a água e começa a condensar-se para a via sacra que tem de percorrer: algibé, caldeiras, sobre-cabeceiras, talhas, cabeceiras, meios de cima... 

domingo, 15 de abril de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 286


PITADAS DE SAL – 16 



A FAUNA DAS MARINHAS: 
PEIXES E OUTROS ANIMAIS 

Caríssima/o: 

Quando na conversa vem à baila “as marinhas”, para além do sal, logo se pensa em “enguias”; e tem a sua lógica. Sem muito esforço, todos recordamos cenas reais tal como a que pintou João Pereira de Lemos: 

«A caminho das Pirâmides, pelo Canal de Aveiro, deparámos com um espectáculo insólito. Os marnotos, que também são pescadores por arte e ofício, tinham aberto as “bombas” do viveiro para apanharem o peixe, montando uma rede. Robalos, tainhas e solhas, ao serem arrastados pela força da água, ficaram no saco do botirão ou caixilho, mas as enguias foram ficando no fundo até ao último fio de água, enfiando-se na lama. 
Então um homem, munido de uma foice com o gume cegado, e como quem corta a lama em fatias, com golpes certeiros e violentos, arrancava as enguias da lama, projectando-as pelo ar a longa distância, parecendo gravetos contorcendo-se no ar. Aí a uns quinze metros, dois homens segurando cestos de duas asas, redondos como os de ir a erva, esperavam as enguias vindas pelo ar como quem espera uma dádiva do céu, sem contudo deixarem de andar às correrias de um lado para o outro para as apanharem sem tocarem de novo a lama e limos. Junto com as enguias vinham pedaços de lama negra, que se colava ao corpo, deixando-os pintalgados e caricatos! 
É um espectáculo que proporciona gargalhadas a todos os presentes. servindo de gáudio e proveito.» [A Ria de Aveiro – um olhar resvés, p. 102] 

As marinhas sempre foram “viveiros de enguias”...

domingo, 8 de abril de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 285


PITADAS DE SAL – 15


AS TÉCNICAS


 Caríssima/o: 

Andava com as palavras às voltas sem bem saber que dizer e escrever sobre as técnicas usadas na fabricação do sal, quando li estas de alguém que sabia do que falava:



«O sal de Aveiro não nasce, como nascem e medram os frutos silvestres. 
É feito pelo marnoto, com o seu talento, sofrimento e dedicação. 
Sem estes, que sintetizam toda a valorização desta figura regional tão típica, o sal de Aveiro não mostraria aquele seu reluzir inebriante quando o Sol lhe cai em cima e o afaga. 
O sal de Aveiro tem os seus pergaminhos, e ostenta uma linhagem que o distingue e o torna preferido, – quer, ainda pela delicadeza dos seus cristais, provinda da delicadeza com que o acariciam as mãos do nosso marnoto! Dele colhe, ao nascer, os carinhos indispensáveis à sua fina estirpe, não vão as suas mãos feri-lo e conspurcá-lo quando é retirado do seu leito natalício que um ténue lençol de água cobre docemente... 
...É então que o seu progenitor revela toda a sua arte, rendo-o mansamente na terna preocupação de o trazer para a luz do dia são e escorreito. Este pormenor da natalidade e da vivência do sal de Aveiro, – com os seus épicos ressaibos de drama e de glória – põe em evidência toda a grandiosa epopeia do trabalho do marnoto de Aveiro e o singular merecimento do nosso sal.» [“Sal de Aveiro ─ epopeia dos marnotos”, dr. Victor Manuel Machado Gomes] 

Acompanhámos a botadela na marinha da «Novazinha das Canas» e observámos o trabalho, a canseira e a experiência postos à prova nas tarefas mais exigentes, que só o marnoto executava. Pois bem, não imaginamos o que foi preciso até se chegar a este dia; e estamos tentados a dizer que o marnoto e os moços mereciam agora um descanso reparador... 

Ora, por Março ou Abril se inicia(va) a safra, observando os estragos da invernia e fazendo: escoamento das águas da marinha, reparação dos estragos, limpeza e reconstrução da marinha, estrangedura e cura. 

Agora a marinha está preparada para a botadela.
E sem qualquer intervalo ou interrupção (a não ser provocado pelo tempo menos próprio...) seguem-se a gestão das águas, recolha, acumulação e transporte do sal. 

Resta desejar boa sorte e esperar que seja um ano de colheita abundante!

Mas para isso, além da arte, talento e dedicação do marnoto é preciso que o “S. Pedro dê uma ajudinha”, com sol e vento de feição! 

Santa e feliz Páscoa!

Manuel

domingo, 1 de abril de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 284


 PITADAS DE SAL – 14

 

A CALDEIRADA

Caríssima/o: 

Já lá vai uma boa dúzia de anos... no virar do milénio. Houve que raspar uma página da vida e para melhor o conseguir foi sugerida uma boa caldeirada ... de enguias. E logo aquelas perguntas que se fazem para que tudo venha em nossa ajuda: mas onde? E com quem?Quando? E etc. ... 
Um telefonema e da outra ponta a disponibilidade mais perfeita: 
- Mas qual é a dúvida? Quando quereis? Se não tiverdes melhor ideia, olha, vamos no “Desejado” à Cale d'Oiro e o Jeremias arranja-nos as enguias e... 
Marcámos a data e seguimos as directivas que o Baltazar traçara chegando ao ancoradouro, na Chave, desta vez não pelas 7 da manhã, para aproveitar a maré e para o “Desejado”, o bote, poder sair sem grandes trabalhos, pois o plano era chegar à marinha pela tardinha. Depois foi o ritual que todos conhecemos de tão repetido: saltar para dentro, 'chega para trás', senta-te... e lá nos acomodámos os três e fomos em direcção à marinha Cale d'Oiro e encostámos ao malhadal. Depois dos cumprimentos e da “exploração” da marinha com as explicações sobre a criação das enguias, incluindo os ardilosos sistemas de entradas e saídas das águas das marés, apanhou-se a quantidade para a nossa caldeirada e para satisfazer as encomendas. 

domingo, 25 de março de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 283


PITADAS DE SAL – 13 


A BOTADELA 

Caríssima/o: 

«Um dia destes, quando o tempo o permitir e a marinha estiver pronta, será destinado o dia da “botadela”. Normalmente será a um domingo. O marnoto dará um almoço, que será feito e servido na própria marinha, para o qual convidará os amigos. Para a comezaina e para ajudar na botadela que é um trabalho muito duro! 
O tempo continuou propício, os dias foram de calor desde o nascer ao pôr-do-sol. Aproximava-se o dia da botadela. O anúncio foi feito: 
- Será no próximo domingo… 
A areia já estava pronta havia uns dias. Tinha sido trazida do Bico do Muranzel, por barco saleiro, e descarregada em três pontos do malhadal, (os areeiros) de modo a ficar o mais próximo dos meios, para onde depois seria transportada. 
Era uma areia miudinha e amarelada, muito limpa, como convinha. 
No sábado anterior à botadela, na casa do marnoto era uma azáfama com o preparar dos componentes para o almoço da botadela. Eram as panelas, as batatas, as cebolas, e o inevitável bacalhau. O almoço era sempre batatas com bacalhau, por ser o mais fácil de confeccionar, no dizer do marnoto. 
Nunca eram convidadas mulheres ou raparigas para a botadela, ainda hoje estou para saber porquê! O serviço era muito pesado, mas, pelo menos, poderiam ser elas a confeccionar a refeição… 
Chegou o sábado à tardinha e apareceram-nos em casa os convidados: 

domingo, 18 de março de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 282

PITADAS DE SAL – 12 



AS PLANTAS DA MARINHA 

Caríssima/o: 

Isto de andar “perdido” pelas marinhas tem destas coisas: distraído a olhar para a flora que aí fui encontrando ao longo dos anos e não é que o Cardoso Ferreira se me adiantou? Talvez tenha passado despercebido o seu artigo publicado no Correio do Vouga de 15 de Fevereiro... Se assim foi, é pena, porque este nosso Amigo fala-nos da “salicórnia”. E muitos perguntarão: Mas que r... é isso da salicórnia? E ele responde: 

«Sendo uma planta sazonal, a salicórnia desenvolve-se a partir da primavera (até ao outono), nas margens das marinhas de sal e também em alguns dos canais da ria. É nessa altura que apresenta maiores vantagens culinárias, podendo ser consumida crua em saladas. 
Depois de muitos anos praticamente ignorada, tanto por agricultores e marnotos como por “chefes” de cozinha, a salicórnia está a entrar nas ementas “gourmet”, muito por influência da moderna cozinha francesa, que sempre soube valorizar este produto natural para confecionar saladas de sabor requintado.» 
Diz ele que “era praticamente ignorada”... Pior do que isso: era pontapeada nas nossas diversões à procura de outras comedorias... 

Mas ele acrescenta:

domingo, 4 de março de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 280


PITADAS DE SAL – 10 



A MINHA BOTADELA 

Caríssima/o: 

Estou em crer que os mais jovens não conhecerão o termo e, por conseguinte, falar de «botadela» não lhes dirá nada; deixem-nos aos mais velhos gozar bem a palavra que muito nos diz. Passou o carnaval... Se disser que a «botadela» era assim como o carnaval da faina salineira não fugirei da verdade: até metia bandeiras, «música» de testos e tachos e frigideiras, e mangações com os moços mais novatos e inocentes, além de uma bacalhoada de se tirar o barrete! Ah, com a animação já me esquecia: era um dia de muito trabalho para o marnoto e todos o que o rodeavam! 
Mas leia-se o que dizem os entendidos: 

Primeiro, lugar aos dicionários: 
«s. f. - Última preparação da marinha, para a crystallização do chloreto de sódio. (De botar)» 
[Novo Diccionário da Língua Portuguesa 
Candido de Figueiredo - 1913] 

De seguida, aos estudiosos: 

1. «Botadela - Acção de botar. - O dia da botadela é de festa, comemorando-se com comes- e- bebes, para que se convidam os amigos e o pessoal das marinhas vizinhas. 
Botar - Última parte da fase preparatória da marinha; consiste na alimentação dos cristalizadores com a água utilizada para se iniciar a extracção do sal.» 

[Diamantino Dias 
- Glossário] 

2. «Concluída, com a solidária ajuda do pessoal das marinhas mais chegadas, a dura faina de andoar e arear os meios, “arriada” finalmente a moira dos meios de cima para os cristalizadores, principiava a festa, na qual participavam os que tinham trabalhado, amigos, convidados e a mulher e filhas do marnoto. Estas faziam o comer, que constava de caldeirada, geralmente de peixe variado e não das clássicas enguias, menos boas na altura, ou de favas e batatas novas cozidas com bacalhau, petingas, espadim, chicharros de par, consoante o que havia e era crível constituir mimo para o regalo do palato. 
Comia-se de larada, no chão, onde alvejava toalha da brancura do sal de espuma, à sombra do palheiro, modesta mas gritantemente embandeirado. Esfuziavam as conversas, diziam-se graças, estrugiam gargalhadas, e, na vasta planura do salgado, aquela roda de gente, comunicativa e fraterna, prefigurava-se um vero ninho de alegria.» 

[João Sarabando, 
Cagaréus e ceboleiros, pp. 37-38, 
Porto:Campo das Letras, 
citado por Énio Semedo, 
Ecomuseu do salgado de Aveiro] 

domingo, 26 de fevereiro de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 279

PITADAS DE SAL – 9



QUERO TANTO A MEU PAI,
COMO A COMIDA QUER O SAL

Caríssima/o:

Hoje é dia de conto; deliciemo-nos e apreciemos como o povo polvilha a vida com casos simples mas recheados de bons temperos.


«Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas por sua vez, qual era a mais sua amiga. A mais velha respondeu:
– Quero mais a meu pai, do que à luz do Sol.

Respondeu a do meio:
– Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.

A mais moça respondeu:
– Quero-lhe tanto, como a comida quer o sal.

O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras, e pô-la fora do palácio. Ela foi muito triste por esse mundo, e chegou ao palácio de um rei, e aí se ofereceu para ser cozinheira.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 278


PITADAS DE SAL – 8 



O SAL 

Caríssima/o: 

«Desde o momento em que se inicia a preparação da marinha para a gestação do sal, passando pela recolha da água nos canais vizinhos, sua engorda salineira, e toda aquela teia delicada de que o marnoto se vale na luta heróica pela sua subsistência, até ao limiar da morte do sal em pleno Outono, sempre o marnoto é tocado de carinho, engenho e arte. 

O sal de Aveiro não nasce, como nascem e medram os frutos silvestres. É feito pelo marnoto, com o seu talento, sofrimento e dedicação.» [Victor Manuel Machado Gomes] 

«Já em textos de 1057 se faz referência às águas marítimas de Esgueira. 
Era na altura a produção e o comércio do sal origem da riqueza desta região, então com o mar a banhar-lhe os pés. 
O sal de Aveiro imperou nos mercados nacionais e estrangeiros até ao século XVII... 
Exportações de Aveiro: sal, laranja e cortiça; e vidro e porcelana da Vista Alegre.»[ p. 53 do Diccionário Geographico Abreviado de Portugal e suas Possessões Ultramarinas, P. Francisco dos Prazeres Maranhão, 1852] 

domingo, 5 de fevereiro de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 276

PITADAS DE SAL – 6



EU E AS MARINHAS

Caríssima/o:

As marinhas sempre foram para mim um irrecusável convite e um violento desafio.
Cinco-seis anitos frágeis, descalços, remelentos.
“Acorda, meu filho! Olha, vamos que o tio já está à espera!...”
Acorda, vamos... espera! Ah, já me esquecera da conversa da véspera:
"Amanhã é Domingo... Vou à pesca com o meu irmão António...Vamos de bote ..."
Então é isso: vamos de bote! Para onde não interessa... que a aventura compensa sempre!
“P'rà frente! E senta-te!”
Palavras mágicas e... não fora o frio (na altura não separava os meses, seria Dezembro... ou Janeiro?!... Mas estava frio que os pés bem o acusaram ao pisarem a geada estaladiça da areia do caminho...), pois se não houvesse frio o quadro era perfeito:
céu azul e o chap-chap da água a bater nas tábuas do barco que rápido avançava pelo Esteiro Grande para Norte, para a seca do Egas (foi o que ouvi...).
Lá vão o TiTóino e o Artur a puxar à corda!
O barco parou e eles saltaram para dentro...
Levantei o pescoço e olhei para a frente da proa e só vi água a correr velozmente...
Agora pegaram nos remos e... molharam-me todo! Risota... e a minha camisola ficou toda ensopada...
Passado muito tempo (tanto que me parece que adormeci... valeu-me um saco de sarapilheira em que me embrulhei para aquecer...) senti que o bote deu um solavanco.
Todos saíram e cada qual pegou no seu utensílio e puseram-se a andar, deixando-me o meu Pai a sua palavra:
“Anda, levanta-te e vem atrás da gente!”
Pois sim... quando atingi aquele valado por onde eles foram, o junco cortado fez-me saltar como um cabrito... e picava que tinha raios!
Lá mais em baixo, o chão era liso...Consegui chegar, mas que sensação dolorosa, umas pedrinhas brancas a reluzir picavam mais que os juncos! Eram alfinetes! Levantei os olhos para ver onde ia o meu Pai e ... 
“Ina! SAL! Um MONTE DE SAL!”

Manuel

domingo, 22 de janeiro de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 274


PITADAS DE SAL – 4 



O NEGÓCIO ESTAVA FEITO 

Caríssima/o: 

«O dia já clareava francamente. A carreira das sete já tinha passado por eles há algum tempo. Tivessem uns tostões e esta caminhada poderia ser evitada, mas a carreira era para os ricos, não para gente como eles. 
O pai não lhe tinha dito ao que vinham. Para ele era igual. Antes ali que andar a roçar mato para o ti Antunes, esse velho forreta que nem broa dava que chegasse para a cova de um dente. 
Já tinha vindo a Aveiro uma vez. Foi numa ocasião, por alturas de uma feira, há três ou quatro anos. Tinha andado a apanhar batatas novas para um homem lá da terra e este, à noite, trouxe-os de camionete para ver a feira. E ainda pagou umas farturas e umas garrafas de vinho verde. Foi o que se chama uma noitada! Nos carrosséis não andou, que não tinha dinheiro, mas nunca tinha visto tanta luz, tanta gente e tanta coisa bonita como naquele dia. Até viu as motas do Poço da Morte e o Comboio Fantasma. De arrepios!! 

domingo, 15 de janeiro de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 273


PITADAS DE SAL - 3 



OS MARNOTOS DA GAFANHA 

Caríssima/o: 

Já tanto se tem escrito sobre esta figura, agora quase lendária, que pouco sobra para mim. 
João Pedro Marnoto, no seu blogue, registou: 

«O marnoto é o trabalhador que nos meses entre a Primavera e o final do Verão se dedica às salinas, ou marinhas — como se diz na gíria em Aveiro —, na produção de sal. Encher e remexer os tabuleiros com água nova, quebrar e puxar o sal após a cristalização e carregar o sal em canastras pesadas sobre a cabeça é o ofício do marnoto, que trabalha de corpo robusto e queimado pelo sol intenso. Às vezes, só de cueca.» 

Nos desdobráveis turísticos lá vem: 

«O marnoto é o tradicional trabalhador das salinas, acompanhante de todas as actividades que elas exigem, dos meados da primavera ao final do outono; Era por regra bronzeado do sol de verão, vestia camisa de lã branca sobre a qual usava, em volta do pescoço, um lenço de cor vermelha preso com uma caixa de fósforos, enquanto na cabeça se protegia com chapéu preto de feltro com abas largas; Para baixo, vestia bragas ou calções largos de cor azul em algodão, aos quais chamavam manaias. ... é caracterizado por ser uma figura de braços hercúleos, traços morenos e pele bastante bronzeada pelo sol devido às actividades desenvolvidas nas salinas, ... Apresenta mãos calejadas dos remos e pés endurecidos pelos cristais do sal.» 

E o nosso João Magueta acrescenta como bom conhecedor: 

«... limpar a marinha e prepará-la para uma produção de qualidade, rer e transportar o sal, à cabeça, numa canastra, até ao cocuruto do monte, debaixo de um sol escaldante, sete dias por semana. Não havia domingos, nem feriados, nem dias santos. Folgas, só quando chovia, mas nem assim podiam abandonar as salinas, porque um ou outro temporal podia fazer estragos, exigindo pronta reparação.» 

domingo, 8 de janeiro de 2012

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 272


PITADAS DE SAL - 2



A FEIRA DOS MOÇOS

Caríssima/o: 

Há muitos, muitos anos... 
Assim começam as histórias verdadeiras que vamos inventando. Há aí alguém que não saiba como surgiu a do sal na ria de Aveiro? 
Mais de mil anos se passaram desde a primeira notícia escrita com a doação da nossa “avó” Mumadona. (A primeira referência conhecida a Aveiro data do ano de 959, onde, no testamento da Condessa Mumadona Dias, são legadas salinas em Allavarium.) 
Quer dizer que as marinhas tinham donos (os proprietários) e havia pessoas que nelas trabalhavam: os marnotos, os moços, as mulheres...

Quando, a caminho do Liceu, passávamos na estrada junto das marinhas era certo ouvirmos umas frases , mais ou menos soltas, atiradas contra “esses malandros...”. Eram dos moços que nos “socavam” forte e feio... e nos “convidavam para irmos trabalhar pr'ò sal”! Esqueciam-se que alguns dos nossos companheiros de jornada, se nos distraíssemos, receberíamos como “prémio” o trabalho nas marinhas... 
E afinal como eram contratados estes rapazes?
Normalmente, numa feira, na “Feira dos Moços”:

«Até princípios dos anos oitenta, no dia 25 de Março — data da inauguração da secular Feira de Março — e nalguns Domingos subsequentes, os moços, que pretendiam trabalhar nas marinhas, reuniam-se, nos Arcos e na Ponte Praça — antes desta existir, o local de encontro era a ponte do lado poente —, esperando serem contactados pelos marnotos, que os poderiam contratar para toda a safra, por uma importância a acordar entre as duas partes interessadas, em função dos conhecimentos do trabalho de salinagem e da aptidão física.
O contrato era normalmente ratificado com o tradicional alborque.»
(Diamantino Dias, Glossário-Designações relacionadas com as Marinhas de Sal da Ria de Aveiro, p. 49)