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terça-feira, 2 de junho de 2009

Faz sentido votar nas Europeias?

António Rego
Pertencer à Comunidade Europeia é um privilégio e um risco. E quando a Comunidade não se define primariamente como económica, aproxima os países mais ricos e mais pobres na procura da identidade histórica, política e cultural. E estimula uma aproximação social ainda que a velocidades diferentes. Os chamados fundos estruturais continuam voltados para os que chegam mais tarde e têm de andar mais depressa. Não faria qualquer sentido que em termos de saúde, habitação, cultura - desenvolvimento - algum dos países membros vivesse em situações de carência sem quaisquer condições de parceria ou negociação com os restantes membros. Neste conjunto e apesar dos muitos queixumes, Portugal quase se tornou irreconhecível a partir da sua pertença à União Europeia. Mesmo que a muitos pareça, ou dê jeito dizer, que se vive pior hoje que há trinta ou quarenta anos. Todos os dias somos confrontados com números europeus. Vindos de diferentes instâncias e abrangendo múltiplas áreas, fazem de nós um objecto de percentagens em radiografia permanente, não deixando por vezes que respiremos em ligeira passagem do positivo para o negativo. Se por vezes tem aspectos próximos do ridículo, apresenta outros interessantes: coloca-nos em contínuo exame de consciência ou numa autoavaliação que não nos deixa sossegados no adquirido. Corremos também riscos: dissolver a nossa identidade em tantos segmentos para alcançarmos um padrão europeu; vender a alma ao diabo para nos apresentarmos modernos e progressistas; renunciarmos a um património que é muito nosso em troca dum incerto prato de lentilhas. Aqui entra o papel dos nossos deputados ao Parlamento Europeu. Na assiduidade das suas presenças, nas questões que levantarem, nas propostas que fizerem, nos votos que emitirem, nas prioridades de ideologia, progresso, cultura, desenvolvimento que escolherem. E nos valores que defenderem. Não é indiferente um ou outro candidato. Eles têm de ser o reflexo de todos nós seja qual for o partido que lá os coloque. Sabe-se que são representantes de grupos políticos. Mas antes disso, dum país que é o nosso. O nosso passado e o nosso futuro são mais que um jogo partidário ou palavras que o vento leva. A isso não é alheio o conjunto de valores cristãos que tecem a nossa comunidade nacional.
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António Rego

terça-feira, 5 de maio de 2009

MOÇÃO DE CENSURA AO PAPA

A mensagem deste ano para o Dia Mundial das Comunicações Sociais é uma das mais fascinantes destes 43 de celebração. Acerta em cheio nas esperanças e dúvidas que nos geram as novas tecnologias, sobretudo para as crianças e jovens. Se por um lado a média de vida aumentou - cada vez há mais gente a trabalhar aos setenta ou mais – por outro, envelhece-se mais cedo porque as novas tecnologias vão gerando iliteracia digital com uma velocidade estonteante, deixando os dedos ágeis das crianças a tocar as suas sinfonias criptadas que irritam os adultos e os deixam despeitados de não caminharem à velocidade instintiva das novas gerações. O cartaz do Dia Mundial deste parece um enigma. E de facto é. Espécie de provocação para que quem não sabe pergunte do que se trata e o que significa. Que olha o planeta rodeado por asteróides tanto da Net como dos telemóveis. Veja-se por exemplo: Google, Wikipédia, Twitter, Myspace, YouToube, Chats, Blogs, Hi5, Facebook, Ipod, Mp3, 4, Messenger, e mais um interminável desfile de siglas que, aliadas aos compactos literários de quem – diz-se - comete erros ortográficos, desencadeia vias comunicacionais nunca existentes no passado. Por isso se recomenda na carta que acompanha o cartaz: “olhe bem. Parece que há uma gralha no título. Procure entender o que lá está. Se não sabe, pergunte aos jovens e adolescentes. É o que anda nas pontas dos dedos de quase todos. Como diz o Papa: muitas vezes esse mundo parece-nos estranho.” O lançamento do Dia Mundial das Comunicações Sociais deste ano, a nível nacional, será marcado por um “confronto” de jornalistas: como trataram a Igreja desde as conferências do Casino da Figueira às declarações do Papa no avião para os Camarões? Ou, como esteve a Igreja nesses acontecimentos? Não esquecendo a forma como foi noticiada a canonização do Santo Condestável, ou o último acontecimento conhecido: a “moção de censura” dos membros do órgão máximo da Câmara Baixa de Espanha (PSOE, CiU, PNV e parte do PP) a pedir ao Papa explicações pelas suas declarações sobre a SIDA em recente viagem à África. Como se as palavras do Papa tivessem um valor coercitivo. Dizia o E-Cristians: ”O Congresso dos Deputados não é ninguém para intrometer-se no âmbito das considerações morais que de uma posição religiosa se possam manifestar porque, ao actuar assim atenta contra o princípio constitucional de neutralidade do Estado”. E se os belgas (que fizeram algo de semelhante) ouvirem esta teoria, até lhes fará bem. Mas isso iremos debater no próximo dia 21 na Universidade Católica, no encontro de jornalistas. António Rego

terça-feira, 3 de março de 2009

Há quanto tempo não se confessa?

"É a segunda vez que me encontro com este monge beneditino de Munsterschwarzach, chamado Anselm Grun. A primeira foi num desconcertante livro sobre Deus e o sofrimento, com uma luta leal entre os dramas humanos e a sábia providência de Deus. Desta vez, na livraria, olhei primeiro o título, e quase no fim da introdução voltei à capa e reparei que o autor não me era estranho. Tem a ver com o sacramento da penitência e com todas as lutas que travamos connosco próprios para a nossa reconciliação interior, o diálogo sobre a nossa condição de pecadores, a Igreja como lugar de reflexo do nosso arrependimento e do reconfortante perdão de Deus. Sabendo nós que podemos voltar a pecar e que mesmo assim não estamos abandonados nem por um momento à nossa solidão ou desesperança."
António Rego
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terça-feira, 4 de novembro de 2008

O remendo em pano novo

É surpreendente como toda a liturgia dos mortos se envolve na esperança da vida para além da vida. Dir-se-ia que é a coragem máxima perante o maior dos obstáculos e a mais cruel das objecções. Vencida a morte nada derrota definitivamente o homem. Os sobressaltos da história com o seu somatório de injustiças, as acumulações do mal como que se diluem diante dessa realidade proclamada por Jesus, repetida pelos Apóstolos, levada ao extremo por Paulo:”Eu sou a ressurreição e a vida…” “Aquele que ressuscitou Jesus, também nos há-de ressuscitar.” Depois disto nenhum desespero tem cabimento nos que professam a fé cristã. E não apenas para a morte de cada um, mas da própria humanidade. Por isso cada momento tem de ser lido com este olhar. Que não esconde a crueza do real mas não admite a derrota como desfecho da vida. Quando toca a nossa vez o mundo do passado e do futuro parece desabar sobre toda a lógica da esperança. Isso quer apenas dizer que podemos ter depositado as nossas esperanças num imediato fútil, insignificante, num agora sem passado nem futuro. Ao querermos uma solução imediata para a crise financeira e económica que sobre todos se abate, podemos perder-nos deixando o essencial para último plano. A cultura, a arte, as humanidades, os grandes valores patrimoniais, a própria expressão de fé como significação última da vida, podem ser eternamente adiados em troca do urgente. Como se apenas de pão vivesse o homem. Como se todas as premências se resumissem na aquisição de meia dúzia de objectos que adornam o nosso estatuto e que a moderna orquestra do ter propôs como imprescindíveis, invertendo o sentido das prioridades, salvando as finanças, a economia, os teres e haveres, com esquecimento total do grande ser. Importa pois perceber que não é qualquer solução que interessa para a crise. Precisa ter a dimensão do homem no seu todo muito mais que um receituário breve para ficar tudo como dantes. Também aqui o cristianismo, recentrando tudo no homem, separa o trigo do joio. Se a morte foi vencida, as pequenas mortes são como que insignificantes. Para que não fiquemos com remendo novo em pano velho.
António Rego

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Adeus Marx, adeus capital

A economia está na ordem da hora. Reparem nos relógios, nos ecrãs, na histeria dos espectáculos bolseiros, nos sinais, na pressa, na subida, na descida, no sentimento positivo ou negativo. Tudo se passa como um relâmpago, começando em Wall Street e passando por Londres, Tóquio, Madrid ou Lisboa. E chega à nossa porta. Ao nosso bolso. Não contávamos com isto. Pelo menos para já. Neste novo milénio tivemos o 11 de Setembro, os arredores de Paris a arder, atentados no Iraque e Afeganistão, ameaças nucleares nalguns países, África por vezes a emergir, outras com a pobreza no pico mais alto, os barris de petróleo a fazerem rolar os painéis nas bombas de gasolina, nas viagem de qualquer tipo, no preço do pão de cada dia. Diremos simplesmente que as leis são mais fortes que as vontades e as vontades que criam leis de justiça ou injustiça não mudaram. Vivemos a convulsão do “já e ainda não”, com os grandes do mundo mais assustados que os pobres, pois as suas perdas são mais arrasadoras que as perdas do cidadão comum. Mas as astúcias ganham cidadania. O dinheiro é jogo, especulação, ameaça, retracção, bluf, enganos contínuos para que a ilusão seja impulsionadora de negócio e o boato determine novas formas de lucro. Os poderes públicos já se sentiram ultrapassados. Uma espécie de terrorismo económico tornou-se determinante no xadrez de troca de capitais e bens – móveis ou imóveis – que nos leva a sentir-nos em estado de emergência e dúvida económica sistemática, decretada pelos prestidigitadores da moeda, dos juros, dos lucros, das subidas e descidas das acções como roleta constitutiva do nosso sistema económico. Adeus Marx, adeus capital. Nesta matéria mentir não é bom. Mas dizer a verdade toda pode ser arriscado. Pode gerar efeito dominó. Cada qual lança ou paralisa o seu investimento, o pequeno ou grande sinal de compra e venda, e abre uma caixa surpreendente de consequências. Bento XVI na abertura do Sínodo referiu-se a esta crise como reveladora da “futilidade da corrida ao dinheiro”. Não se vislumbra, por enquanto, saída para este estado de crise. Mas nem por isso podem ficar de fora as atitudes éticas no pequeno e grande mercado, nos negócios onde o ser humano está no centro e o mais frágil merece o maior respeito. A Igreja reafirma hoje mais veementemente a sua doutrina social, sejam quais forem os novos meios e técnicas em que se envolva o trabalho humano. O trabalho continua a ser um direito e um dever de todos, na continuidade da criação, na relação com o capital, no título de participação de todos, nas obrigações do Estado, no mundo agrícola e industrial, no mundo universo migratório, nos direitos da mulher, na remuneração equitativa, na distribuição dos rendimentos, nas novas formas de solidariedade e nas surpresas constantes da orgânica do mundo laboral. O ser humano é o mesmo. E continua indiscutível a frase de Cardijn: as coisas têm preço, os homens têm dignidade. António Rego

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Regicídio e República





Não podemos aceder à história apenas pelos circuitos dos humores momentâneos. Se a aproximação aos factos se faz sempre com elementos condicionados, quer pelo conhecimento parcial, quer pela distância do tempo, quer pela névoa da ideologia que foca e desfoca o que, embora inconscientemente, parece relevante, cumpre-nos sempre reler a história e examinar mais profunda e friamente os dados e os significados.
A República esteve discretamente escondida nas entrelinhas de quase todas as crónicas que foram feitas sobre o assassínio do Rei de Portugal de em 1908. Notou-se algum desconforto em não condenar expressamente um acto de violência máxima, apenas por ele ter sido lançado por quem poderia pretender outra coisa: matar a monarquia enquanto matava o Rei.
Chegamos assim aos retorcidos da história e suas interpretações. Os cronistas não estão isentos desta manipulação, nem os jornalistas, os políticos, os intelectuais ou religiosos. Nem a opinião pública. Temos em Portugal experiências recentes de factos que foram enxertados nos anais segundo as conveniências enigmáticas dos seus historiógrafos. Percebe-se, mas não é honesto.
Por isso merece o maior realce o testemunho exemplar do Cardeal Patriarca de Lisboa pela celebração a que presidiu em S. Vicente de Fora e pela palavra luminosa que lançou sobre o centenário do regicídio.
Estamos a dois anos de celebrar o centenário da implantação da República. Nalguns areópagos começa a contagem de espingardas, glórias e vindictas. Pelo que já se cheira vai haver muitas histórias à volta da mesma República. Datas como 1789, 1834, 1926 vão dar que perorar a eruditos de circunstância. Mais do que extrair dividendos importa um esforço comum por aprofundar o que objectivamente se passou para termos algo de autêntico a transmitir às gerações vindouras. A história não é um brinquedo de circunstância.


António Rego

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

UMA PRENDA DE NATAL




Vale a pena voltar à esperança. Tenho alguma dificuldade em chamar-lhe docu-mento papal. Mas é mais que a medi-tação ascética, dissertação teológica ou resto de sebenta duma aula longín-qua. Penso que esta escrita é como uma tenda onde todos nos podemos al-bergar, fatigados de caminhos percor-ridos e temerosos pelos que há a percor-rer. Raramente um documento pontifício tem uma dimensão tão profunda, huma-na, próxima, interessante, sem deixar de ser teológica, ascética, subtil e frater-na. O Papa envolve-se na nossa aven-tura de fé recheada de perguntas mas com uma saída muito para além dos trilhos convencionais da doutrina, e das exortações. Parece que uma plêiade de homens e mulheres, crentes ou não, foi evocada com textos profundos e próximos, mitológicos e reais, divinos e humanos.
Não é tarefa fácil viajar no meio desta espécie de labirinto onde nunca se perde o sentido do homem, da história, da fé e de Deus. Sempre com a espada da palavra no corte certeiro de cada indecisão. Estranhos autores, exemplos raros, citações surpreendentes, poemas, fragmentos de sermões, filósofos, teólogos, ascetas, numa aparente complexidade reservada à leitura de poucos. Mas um texto que merece ser lido por todos mesmo que à primeira se não entenda tudo. Há de permeio chaves da vida, da morte, da fé, tudo por causa duma esperança que ilumina os fios da história que parece em rotura.
Atrevo-me a propor, como desafio e provocação, esta segunda encíclica de Bento XVI como oferta privilegiada de Natal. Acessível no preço, simples na apresentação, leve de transportar, sem exigir embalagem especial. Dá direito a saltar duas, três, dez linhas. E a seu tempo voltar atrás para as compreender e cada qual compreender melhor a vida. E que venham, no Ano novo, comentários, esclarecimentos, críticas, aplicações, retiros, palestras, teses, mestrados. Ninguém fica de fora porque não há nada lá que não diga respeito à vida de cada um de nós. E à morte. É à luz perpétua como estrela de Natal sobre as nossas frontes. Exacto. É uma luz plural. Ninguém possui, só, nem virtude nem pecado. Posso citar um pouco?: “Ninguém vive só. Ninguém peca sozinho. Ninguém se salva sozinho. Continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço, realizo. E, vice-versa, a minha vida entra na dos outros: tanto para o mal como para o bem… A nossa esperança é sempre essencialmente também esperança para os outros; só assim é verdadeiramente esperança também para mim. Como cristãos não basta perguntarmos: como posso salvar-me a mim mesmo? Devemos antes perguntar-nos: o que posso fazer a fim de que os outros sejam salvos e nasça também para eles a estrela da esperança?” (Spe Salvi n.48)
A ler. Sem pressa. E a oferecer.

António Rego

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

NATAL DA CRISE E DO CONSUMO




Para quem está de fora, a festa pode parecer um desperdício. Vê chegar o irmão mais novo e acha que o pai perdeu a cabeça nas suas tolerâncias e até no esbanjamento das economias domésticas necessárias a toda a família. Depois, os exageros de mandar matar o melhor novilho, com música e vinho à farta, no esquecimento total da austeridade do outro filho.
Mas há também os que se banqueteiam todos os dias com finíssimos manjares, sem festa nenhuma. Embriagam-se nos seus luxos e desbaratos erguendo por tudo e por nada taças de bebidas especiosas que nem sabem a nada por se usarem a tempo e fora de tempo.
Vendo e ouvindo as publicidades natalícias fica-se com a sensação de que os novos inebriantes digitais, de máquinas, música e imagens desarrumam completamente a cabeça de adultos, jovens e crianças, lançando todos numa concupiscência descontrolada de possuir e rejeitar para voltar ao mesmo com cara reciclada. Numa parafernália de jogos e concertos que acompanham todos os passos em sobrecargas de informática e tempos livres como reforço de individualismo e solidão.
Por outro lado a economia não descolaria milésimas se os criadores de objectos não tivessem que produzir e multiplicar, se os vendedores não tivessem quem comprasse, se o novo permanecesse intacto sem reciclagem nem substituição. O mercado, os bens e serviços, a organização dos povos não saberiam como permutar os seus bens para que todos tivessem acesso ao pão essencial.
Se olharmos com atenção para os centros de produção e distribuição de hoje veremos que todas as regras tradicionais de compra e venda, produção de subsistência, se alteraram. Estamos todos num grande barco, dependentes uns dos outros, sem se saber bem a quem cabe a primeira e última palavra sobre os bens da terra que, segundo a vontade do Pai do Céu, a todos se destinam.
Celebrar o Natal, fazer a festa, entra, naturalmente, neste grande capítulo da alegria, do gratuito partilhado em ternura e doação, lembrando o Menino que há dois mil anos veio dar uma grande volta à história, remexendo profundamente o coração dos homens. E porque foi recebido por alguns como Filho de Deus, abriu um novo capítulo do encontro do humano com o Divino. Como é sabido esse menino deu a vida por uma causa. E essa causa somos nós. Melhor dizendo, todos nós, do primeiro ao último ser humano que habitou e habitará a face da terra. A festa do Natal é mais que uma tradição ou uma exigência do mercado. É mesmo uma festa. E isso lhe basta.
António Rego

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

COMO O PÃO DE CADA DIA



Começou pela caridade, passa pela esperança e tudo leva a crer que nos conduzirá proximamente à fé. Bento XVI, na sua segunda Carta ao Povo Cristão. Que, como "encíclica" se destina a circular pelas comunidades para ser lida como uma epístola de Paulo ou de Pedro aos cristãos dispersos por diversas igrejas.
Tal como Paulo fazia, conhecedor da realidade e da missão da Igreja, Bento XVI fala a este tempo a partir do olhar sobre os acontecimentos convertidos em sinais que precisam ser lidos com a iluminação da fé. E parece-nos de facto muitas vezes que o homem de hoje anda um pouco perturbado com os sinais preponderantes ou que mais se impõem nas narrativas de palavras e imagens que constituem sempre referência aos caminhos por onde andamos. E pode dizer-se que estes tempos não são, para muitos, timbrados de esperança. Há uma série de esforços e promessas em muitos terrenos que parecem ter fracassado. A fome ainda habita o nosso mundo e o nosso país nas suas múltiplas formas. Os acordos e tratados, convenções e cimeiras parecem sugerir-nos um novo tempo de paz parecido com o sonhado por Isaías. Mas os tropeços são constantes e a paz perde-se outra vez no horizonte, como ponto minúsculo e inalcançável. E por aí adiante.
É neste contexto que a esperança ganha uma especial dimensão e oportunidade. Tal como a fé, sua parente íntima que não se define pelo somatório de razões lógicas ou filosóficas, a esperança não brota como instinto de saída de emergência para as crises, ou dum optimismo barato que só vê meia face do globo, como se a noite não existisse. É nesse complexo de luz e sombra que a esperança brota. Com algo desconhecido: "esse desconhecido - diz o Papa - é a verdadeira "esperança" que nos impele e o facto de nos ser desconhecida é, ao mesmo tempo, a causa de todas as ansiedades como também de todos os impulsos positivos ou destruidores, para o mundo autêntico e o ser humano verdadeiro."
Tudo isto tem a ver com Deus. A esperança é sobrenatural. Mas o problema é que muitos crentes, mesmo cristãos, em matéria de esperança, ainda que com muita fé, não vêem mais longe que os pagãos porque se refugiam nos seus próprios becos. É a novidade dum horizonte desenhado pela redenção de Jesus que importa proclamar ao mundo de hoje para que se não aprisione nos próprios instrumentos de redenção.
Mesmo com alguns acentos técnicos e teológicos mais áridos, esta carta de Bento XVI clarifica o momento que vivemos e o grande depois que é a eternidade. Com a esperança colocada de permeio. E algumas propostas concretas de celebrar a vida e a morte e o além, na esperança… onde somos salvos. Por isso é tão importante pedir a Deus a esperança. Como pedir o pão de cada dia.

António Rego

terça-feira, 27 de novembro de 2007

POR CAMINHOS JÁ ANDADOS


De todos é sabido que o Seminário dos Olivais nos seus 75 anos de existência, foi um marco para o país. Um marco e um sintoma. Vinte e seis antigos alunos e professores, distanciados das celebrações oficiais (e a maior parte fora do exercício sacerdotal) decidiram juntar fragmentos de memória e reunir descompassadamente histórias e reflexões que tiveram a ver com os itinerários pessoais e comunitários numa casa comum. Assim se construíram análises híbridas de afecto e crítica, muitas vezes na óptica dos caminhos percorridos por cada um. Mas reconheça-se a importância deste livro - será livro, na sua desarrumação despretensiosa e eloquente, reveladora talvez das turbulências do tempo a que se refere? É escrito a quente quarenta anos depois da maioria dos factos. É livre porque não enferma do mais pequeno pendor apologético. É útil porque recapitula factos que podem ajudar a ler um tempo rico e complexo. É grato, porque reconhece ao Seminário um lugar privilegiado no terreno da cultura, da fé, da espiritualidade, mesmo nas encruzilhadas da dúvida e da contestação. É útil porque recapitula gestos proféticos de mestres que fizeram a heróica travessia de Trento para o Vaticano II, em particular no campo da liturgia. É pedagógico porque ensinará aos mais novos que o projecto vocacional de Deus está para além de todos os formatos. É um sinal do Espírito porque transpõe todas as atrapalhações em que a mudança dos anos sessenta foi envolvida. É útil à Igreja e ao mundo porque grande parte dos fenómenos ultrapassam os muros do Seminário, se ligam a uma Igreja universal onde muito de semelhante acontecia. Mergulha no próprio mundo que, sem se aperceber, anda na barca onde navegam crentes e não crentes, leigos, consagrados e abúlicos.
Muito interessante seria se outros Seminários do país contassem a sua história e histórias para todos melhor entendermos os tempos que vivemos, as exigências do mundo, a vocação prioritária da Igreja, o confronto das laicidades e dos laicismos. Há caminhos já andados de que importa tirar lições. Com os vivos, enquanto é tempo, mesmo com as ópticas que cada um oferece à história a partir da sua história. Ver-se-á, ao fim e ao cabo, que os tecidos do Espírito vão juntando fios de aparente incompatibilidade e luz duvidosa no momento em que acontecem. Mas fazem, irmanados com todos, a história da salvação.


PS - O nome certo do livro é “POR CAMINHOS NÃO ANDADOS”.

António Rego

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

NO RODOPIO DA VIDA


E assim vamos no ciclo do tempo. Lento, veloz, sereno, revolto. O tempo que se recicla e nos recicla. Lança-nos no retorno das coisas, nas repetições da paisagem, do sol, da chuva, da terra, da semente, do sono outonal, do renascimento, numa teimosia de renovar e reviver dentro do mesmo espaço e duma duração que se sente mas se não vê. O tempo, afinal, não existe. Existimos nós que passamos, morremos continuamente para a etapa anterior e nos refrescamos no presente e no advir. Sentindo sempre que tudo é volátil, passageiro, aparentemente insignificante. Experiências, descobertas, emoções, com o rodar do tempo esvaem-se, envelhecem, parecem sem sentido.
E, todavia, a esperança que sempre emerge mesmo das mortes, dos outonos, das sementeiras profundas, das árvores desnudadas e tristes, reaviva-nos irresistivelmente. De tal modo que a morte continua a ser visceralmente repugnante. Temos sempre preparado o alerta máximo para qualquer ameaça próxima ou distante. Mesmo com a fé pronta para entender a ressurreição e a eternidade sempre extraímos de cada breve momento a seiva plena como se fora um composto de eternidade. Foi Deus quem nos plantou na alma este instinto de eterno que ultrapassa o nosso raciocínio e mesmo as formulações da nossa fé. Está no âmago do homem. Com a vinda de Jesus cada pequeno gesto em torno da árvore da vida ganhou um significado novo. Não se trata duma armação lógica, mas da certeza íntima de que Ele remiu todos os segundos do tempo e da eternidade e por isso tudo ganha uma interpretação transcendente. Olhamos, assim, de outro modo para as Estações, a natureza, o próximo e o longínquo, a tempestade e o tom primaveril que sempre irrompe das tardes mais cinzentas. O fim do ano litúrgico, a coroa de todos gestos de redenção, a esperança do renascimento no esboçar dum advento intemporal mas prenhe da história redentora de Jesus. Assim nos apercebemos que o Natal é muito mais que uma soma de objectos trocados. É o grande jogo do afecto pela vida nos seus diferentes tons. É uma liturgia, uma parábola, uma história mais que mágica. Real. Com a estrela, os magos, o canto dos anjos, o Menino reclinado, a humanidade em festa porque redimida. Seja em que tom for, este hino de Deus no meio dos homens nunca pode deixar de ser repetido. Mesmo que o Natal pareça mais um ciclo com menos imaginação.

António Rego

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

REPÚBLICA VIVA




Nenhum tempo, nenhum facto da história deve ser lido com leviandade. E ainda menos com uma perspectiva interesseira em extrair lições de proveito rápido. O tempo e os acontecimentos merecem grande serenidade e discernimento para que os sinais que vão surgindo tenham uma interpretação que torne a história em mestra e a vida corrente em contínua aprendiz. Sem medo das luzes e das sombras que a travessia dos tempos induz.
Ainda estamos relativamente longe do centenário da Implantação da República e já se ouvem foguetes de glória. Sem se explicar muito bem a cor da bandeira e a praça certa para festejar não se sabe ainda muito bem o quê. É aqui que começa a ambiguidade com adquiridos ideológicos que justificam todos os erros e exaltam todas as virtudes.
Fazendo lembrar sobressaltos revolucionários que se entendem no tempo em que acontecem mas que não sobrevivem aos crivos implacáveis da análise histórica. É essa joeira fria que nos depura o trigo e o joio, o grão e as poeiras. É essa atitude que nos enriquece na visitação dos factos sem vencedores nem vencidos antecipados.
Provavelmente muitos de nós, da República nascida em 1910, pouco mais temos que preconceitos ou chavões reduzidos a meia dúzia de factos que nos descreveram como heróicos ou mesquinhos. Que ninguém tenha medos dos factos, do que os precedeu, dos contextos em que se verificaram, dos líderes que os protagonizaram, dos horizontes que abriram, das mudanças históricas que criaram. Mas que não venham misturados de jogos subtis e presunções anacrónicas e obsoletas. Todos precisamos aprender e assumir responsabilidades no melhor e no pior que assumimos no tempo.
Quando se fala da I República, quase sempre se antagoniza com outra pedra do xadrez chamada Igreja Católica. Como se se esgotasse no duelo entre as duas instituições toda a gama de factos e consequências. Como se não existisse o povo. Trabalhar as análises sobre preconceitos é um erro não apenas histórico mas de consequências negativas para os tempos de hoje e para a convivência saudável da comunidade nacional. Por isso se saúda a proposta da Conferência Episcopal Portuguesa em Roma para uma evocação do centenário da I República com uma "interpretação exacta dos acontecimentos". Para bem ou para mal a I República ainda está viva.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

OS DIREITOS DA TERRA



A “verdade inconveniente” de Al Gore deixou algumas dúvidas, como é sabido. Pareceu a alguns que o portador duma causa – a defesa do planeta – estava viciado de protagonismo interesseiro como “mestre da humanidade” a debitar lições pelos recantos ricos do planeta. Nobel da Paz deste ano, ganha a autoridade do que faz e diz no alerta vermelho para a mãe Terra, planeta azul.
Estamos perante uma questão ética, não apenas como afirmação teórica mas como urgente medida de consciência e atitude pessoal e colectiva, cultural e económica. Se todos abandonássemos o planeta no fim deste ano, ele facilmente se recomporia, no dizer de alguns ficcionistas. Sem o homem, com os animais à solta e as sementes, plantas e árvores sem restrições, brevemente – nuns poucos milhares de anos – a terra voltaria à sua atmosfera, fertilidade e equilíbrio. Só que, vazia do homem. E que vale esta terra sem o homem?
Como se percebe já entrámos em sérias implicações com estes exercícios mais imaginários que hipotéticos. Em qualquer caso há factos anotados: o aquecimento global, as mudanças climáticas com as sequelas que vamos conhecendo todos os dias. De novo se questiona sobre o tipo de desenvolvimento por que enveredámos. E como é possível prosseguir ou recuar. Do petróleo ao plástico, das violências quotidianas sobre os ritmos pacientes da natureza, às sucessivas ameaças ao equilíbrio ambiental, pomos em causa todo o nosso sistema de vivência e convivência.
São mais as questões que as soluções. A consciência individual vai-se muitas vezes aquietando face à impotência perante a fome, a desigualdade de oportunidades, a distribuição dos bens. Em matéria de ambiente sabe-se que são os mais poderosos que mais estragam a terra. Mas também se sabe que em qualquer recanto do planeta cada cidadão oferece uma percentagem significativa para o todo, na forma como se relaciona com a água, o ar, a alimentação, os meios de transporte, as opções limpas ou poluentes, os produtos preferidos, os hábitos adquiridos e transmitidos a novas gerações. Ninguém está fora deste barco. Trata-se duma “moral da vida” a que a consciência cristã não pode fugir. Sem nunca travar o progresso. Mas assumindo a responsabilidade de pertença comum do planeta. Para que este se não torne num triste pássaro ferido.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Quem tem medo da Europa unida?


Para alguns analistas os tempos nunca são bons. Sobretudo nas vésperas duma crónica ou comentário, os tempos são os piores que a história já conheceu. Há críticos tão mal dispostos cuja alegria única é azedar o maior número de pessoas possível. Isto acontece com quase tudo: na política, economia, cultura, ou mesmo religião. Não há milagre que valha.
Mas falemos, para não irmos mais longe, da Europa. Do nosso Continente, da nossa matriz e memória. Do nosso passado e do nosso futuro. Com as glórias e desaires que vamos conhecendo e adivinhando. Entre lutas, opressões, pecados mortais contra a humanidade e contra Deus. Terra de heróis e santos, sábios e místicos, aventureiros e contemplativos. Ponto de irradiação de tantos sinais luminosos que ajudaram a desenhar o planeta que habitamos.
Não esquecemos as guerras e mortes. Não esquecemos o pós-guerra e as iniciativas de ressurgimento que surgiram. Ligada ao que chamamos Ocidente, a Europa deu corpo aos tempos novos que vivemos. A União Europeia começou, como sabemos, por ser uma estratégia económica de muito poucos. A história e o espírito empreendedor de alguns foi rasgando horizontes, abrindo portas, alargando a comunidade. Com maiores e menores, mais ricos e mais pobres. O Tratado há pouco aprovado em Lisboa pelos líderes da União Europeia, surge na esteira de entendimento entre os mais e menos velozes na caminhada do progresso. Se são os mais pequenos que correm mais riscos - e são - também em muitos aspectos serão os que recebem maiores benefícios com a aproximação. A solidariedade favorece mais os mais fracos.
Certamente poucos pacientes lerão o complexo texto do Tratado. Mas o essencial está dito e entendido, foi sendo relatado ao longo de anos com total abertura para os protestos e achegas em ordem ao respeito por todos e à solidariedade dum Continente que conhece a sua importância no concerto das Nações.
A questão que agora se coloca é esta: quem explicará todo o articulado do Tratado de Lisboa para o colocar em Referendo? Como pode o povo dizer sim ou não a um todo que é muito mais que meia dúzia de chavões? Para que servem os eleitos do povo se não para estudarem e decidirem questões na especialidade? O gosto pelo desprazer não justifica o número de objecções artificiais que agora se podem levantar. Nem, a esta hora, o pretenso arranjo dum tijolo deve colocar em risco todo o edifício.

António Rego

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

MISSÃO GLOBAL

Bem sabemos que muitas considerações se têm levantado em tor-no da palavra missão. Tem origem no “envio” e durante muito tempo foi tomada como dirigida a um grupo de chamados com excepcionais carismas de entrega, generosidade e aventura e fé. Fossem surdos esses convocados e ainda hoje povos inteiros desconheceriam não apenas o nome de Jesus, mas também toda a profusão de sinais no campo da cultura, do desenvolvimento e do sentido libertador da salvação. O cristianismo mudou a história do mundo e deu um rumo novo a povos inteiros de toda a terra. Sempre à mistura com as imperfeições dos portadores da Boa Nova.
Os tempos mudaram. E mesmo com a necessidade de prosseguir o anúncio por mensageiros firmes e corajosos, portadores do archote da esperança e da libertação, uma exigência mais aberta e comprometida se desenha para a comunidade evangelizada: ser comunidade evangelizadora. Isso supõe a ultrapassagem da visão tímida de esconder o talento recebido para ser fruído num qualquer fragmento de eternidade.
O apelo de hoje, na proposta de Bento XVI, é responsabilizar a Igreja, todas as Igrejas por todo o mundo. O que abre uma perspectiva de missão global. Não sendo nova, expressa a urgência que não deixa ninguém quieto, nem excluído, nem dispensado da missão. Rompe as portas estreitas do apostolado circular, ou que se limita a franjas próximas na prática religiosa, na cultura comum, ou na área onde possam chegar restos de onda por inércia.
“Toda a Igreja para todas as Igrejas e para todo o mundo” implica uma mobilização corajosa e eficaz de atravessar mares, visitar culturas, conhecer religiões, oferecer o Evangelho como Boa Nova. De forma viva, testemunhal, pacífica, dialo-gante e apaixonada. Implica uma partilha real de bens, meios, pessoas, na solidariedade sublime da fé. A 150 anos da partida dum grupo de missionários para a África – incluindo Comboni, como lembra o Papa - a Igreja pode reacender a aventura da missão, mais purificada pelos novos dados de diálogo cultural que o nosso tempo oferece. O tempo é de partir com o coração mais forte, a fé mais viva e as mãos mais puras. Ainda que o lugar de missão seja o outro lado da rua.

António Rego

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Um artigo de António Rego


ESTRANHOS MONGES

Mesmo os que não sabem onde fica a Birmânia ou Rangum, se questionam sobre o batalhão de monges fora dos seus mosteiros a serem o alvo principal duma telhuda junta militar que quer correr um país a ferro e a fogo.
Temos de admitir que a esta distância, que não é pouca, não é fácil entender os mecanismos dos jogos militares, manifestantes, agrupamentos jovens e monges, sob o olhar prepotente e assustado de ditadores que tudo mandam mas que andam com medo de tudo perder.
Mas - pergunta-se de novo - no meio de tudo isto, que fazem os monges budistas? Primeiro, não há um budismo apenas, mesmo na Birmânia. Há uma concepção individualista que privilegia a passagem para o nirvana fazendo dos obstáculos ondas de transição. E há uma escola mais empenhada na justiça e na liberdade – lembre-se a corrente Dalai Lama e do seu empenhamento político pela independência do Tibete.
Há um terceiro elemento: uma legitima-ção com a aproximação popular, que faz do budismo um companheiro do povo nas suas expressões espirituais e nos seus empenhamentos comunitários.
A esta distância geográfica, cultural e religiosa, pouco entendemos das notícias que nos chegam dum país humilhado por uma ditadura militar em confronto com uma escola de espiritualidade que nem tem referência a Deus como a generalidade das religiões que conhecemos. No seu aparente distanciamento da realidade para maior libertação interior em relação aos mecanismos do poder, do dinheiro, do consumismo hedonista, os monges da Birmânia vivem nos seus mosteiros com as esmolas do povo, são uma percentagem significativa da população (praticamente não há família que não tenha um filho num mosteiro). Vieram para a rua na hora de defender a liberdade e os direitos dos mais indefesos. Puseram-se na linha da frente de contestação aos militares sem a mais pequena ambição de poder. Com a sua perspectiva de reencarnação não desprezam a vida terrena na esperança do que viverão no futuro. Dir-se-ia que há muitos aspectos coincidentes com um cristianismo encarnado, activo, interveniente, que tanto apela à perfeição pessoal, como à intervenção social na implantação da justiça e no respeito por todos e cada um.
Estamos realmente muito distantes. Não nos revemos nas concepções dos quatrocentos mil monges que povoam os mosteiros da Birmânia. Mas sentimo-nos irmanados em muitos valores humanos que defendem. E não podemos deixar de aprender a forma como ligam contemplação e acção, meditação e compromisso, espiritualidade e empenhamento social. Ou talvez estejamos menos distantes do que nos parece.


António Rego

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Um artigo de António Rego


UM RAMO DE AMENDOEIRA


Parece mais fácil semear o terror que a esperança. E o caos pode tornar-se mais sedutor que a harmonia. A dualidade do homem, a aparente cegueira da natureza, a explosão primária de instintos destruidores, a aparente lentidão do avanço do que é bom e belo, conduz a muitas leituras desencantadas do mundo, da história e do homem, tido muitas vezes como um dependente incurável do instinto.
Não é preciso vaguear pelos planetas da abstracção. Basta ler os jornais, ver e ouvir as notícias. Não raro se desprende a náusea da onda opaca e sufocante dum mundo que teima em não encontrar o rumo. Aos solavancos, a ciência e a técnica vão revelando e reabrindo sulcos. Mas o homem, o ser humano, parece marcar passo num lamaçal de violências, injustiças e desordens. Ao peso esmagador dum pecado original de que não consegue libertar-se.
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terça-feira, 18 de setembro de 2007

Um artigo de António Rego

UM BOM COMBATE
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As contas de Deus são sempre diferentes das nossas. Temos a certeza de que Ele não se engana e que nós sabemos pouco de ajustes finais do tempo e da eternidade. Mas neste caso não perdemos muito com saber pouco. Podemos celebrar as zonas do desconhecido como uma dádiva silenciosa e íntima de Deus. Não sabemos a quem nem como chega a semente. Nesta matéria a televisão, como meio massivo, também nos ajuda. Apesar das contagens comerciais das audiências, também não sabemos com rigor quem está do outro lado, o que vê, o que sente, o que colhe, o que rejeita.
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quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Um artigo de António Rego

CAPITAL DA UNIDADE Sibiu é uma pequena cidade da Roménia. A 300 quilómetros e 5 horas de carro de Bucareste, é um verdadeiro encanto na sua Praça Central, na imponente Catedral Católica, nas Igrejas Ortodoxas de um esplendor encantatório. É a Capital Europeia da Cultura 2007. Uma enorme tenda se ergueu para receber 2500 ilustres convidados: delegados de diferentes Igrejas Cristãs. Foi a III Conferência Ecuménica Europeia. Perdido na multidão, um grupo de portugueses de diferentes confissões religiosas. A Pátria e a língua comum geraram um diálogo e afecto para além de todas as diferenças religiosas. E no encontro fraterno surgem perguntas, umas expressas, outras dos silêncios: porquê, afinal, cristãos do mesmo Cristo se foram dividindo no tempo e criando, em cada grupo, tradições que tornavam quase irreversível a divisão. Com o desejo de unidade, a oração pela unidade, o respeito pela diferença, a riqueza espiritual de todos, a vontade "de que todos sejam um" e, todavia o escândalo da divisão. A palavra Ecumenismo tem aqui um sabor de unidade pedida por Cristo em respeito pelas diferentes expressões e identidades. De tal modo que ninguém tem o direito de se armar em dono da verdade. A verdade existe mas não é objecto de arremesso ou rejeição de quem quer que seja. Exige uma aproximação humilde, urgindo como diante da Sarça Ardente que quem dela se aproxime descalce as sandálias. Não passará tudo isto de um velho sonho, ou utopia, ou duma oração de Janeiro, passageira como o afecto solto e inconsistente? O caminho é longo, a viagem de regresso mais penosa que a da partida para redutos estreitos. Mas há passos dados e foi interessante ouvir no grupo português que desde a primeira sessão houve muitos gestos, iniciativas, aproximações e luzes entre jovens e adultos que se habituaram a conviver, rezar, sonhar juntos, apegados ao Evangelho sem perder de vista o Senhor da unidade. Sibiu multiplicou estes testemunhos por mil, num profundo respeito pelas diferenças e numa alegria imensa pelos passos já dados em nome do mesmo Senhor: Jesus. E agora, perguntam: Como se conta tudo isto ao mundo inteiro? Como partilhar esta experiência que empurra para a transformação dos corações? Ecumenismo é mais que uma doutrina rígida ou uma tolerância oca. É um olhar de fé sobre o que nos une e separa. Sabendo que somos pedras ínfimas de um monumento a construir todos os dias.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Um artigo de António Rego

FÉRIAS EM FILOSOFIA
A vida são dois dias, o Carnaval, três. Diz-se a brincar, como um hábil jogo de palavras e números, como se nada, de facto, se quisesse dizer. Estes três dias acabam por ter algo de religioso. Três dias de festa estridente que precedem a quarentena de cinzas e penitência. Ou a alusão aos três dias de Paixão de Cristo que terminaram na Ressurreição. Ou escondendo ainda um outro conceito: a vida dura pouco, menos que um divertimento de Carnaval e por isso não vale a pena perder tempo com o que não é aprazível. Indo mais fundo parece insinuar-se uma filosofia de vida retintamente epicurista que valoriza antes e acima de tudo o prazer. As viagens ideológicas demoram o seu tempo e as mudanças, por muito velozes que pareçam, operam-se com leis rígidas que não permitem que a história evolua aos saltos. Entremos um pouco mais no concreto. Vivemos uma sociedade de progresso, trabalho, produção, eficácia, rendimento. Mesmo com o apoio da técnica e da tecnologia, nunca o homem pode dizer que o seu tempo de vida é de lazer, como aconteceria a Adão, não fora o pecado original. Mas o facto é que o conceito de Carnaval como divertimento de choque, excitação, entretenimento esgotante, vai-se estendendo a outras áreas. O repouso já não é o que era. E para muitos, o próprio tempo de férias constitui uma multiplicação – um compacto, como ora se diz – de entretenimentos que se escolhem como em carta de vinhos e se consomem até à embriaguês. Umberto Eco fala mesmo da carnavalização da vida face aos espectáculos constantes que as pessoas procuram, nomeadamente através dos media que são os agentes deste divertimento non stop quer de informação quer de ficção. Aparte outros considerandos parece urgente rever a concepção de repouso, divertimento, festa, corte do trabalho quotidiano (quantas vezes o fim de semana é concebido como tempo de orgia!). Com tudo isso, há valores recônditos que não afloram nos tempos comuns de trabalho e rotina. Há pausas, silêncios, escutas, olhares que só se descobrem num certo despojamento de alma. Será por isso bom que as férias se não transformem em repetição programática do mesmo. Se assim for, semana após o recomeço do trabalho estarão praticamente gastas.