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segunda-feira, 13 de maio de 2019

Frei Bento Domingues O.P. - Um dominicano português no Peru

Bento Domingues

1. Para os dominicanos, o mundo é a cela e o oceano o claustro. Frei Henrique Urbano pertencia a essa nova era da vida religiosa
Tenho uma grande dívida em relação a frei Henrique Urbano. Já fiz, neste jornal, breves referências a esta figura extraordinária, mas sempre com a ideia de lhe dedicar uma crónica [1]. Nasceu em Portugal, em Fermentelos, a 27 de Setembro de 1938. Frequentámos juntos, alguns anos, a Escola Apostólica de Aldeia Nova e o Studium Sedes Sapientiae, em Fátima, nos anos 50 do século passado. Era músico, poeta e apaixonado pelas Ciências Humanas.
Em Montreal (Canadá), fez um mestrado sobre as relações entre Sociologia e Teologia Pastoral. Ainda antes do doutoramento, já tinha entrado, a tempo inteiro, no Departamento de Sociologia da Universidade de Lavai, onde ensinou até à sua jubilação, a 30 de Maio de 1999. Doutorou-se nessa universidade em Sociologia, com uma tese sobre Mythes etutopies, no mundo inca.
Além do trabalho na universidade e de acordo com ela, foi-lhe possibilitada uma carreira paralela, na América Latina. Com outros dominicanos que tinham sido meus colegas em Toulouse, durante um trimestre de cada ano e nos anos sabáticos, trabalhou na fundação e no desenvolvimento do Centro de Estúdios Regionales Andinos "Bartolomé de Las Casas", em Cuzco (Peru), com apoio financeiro de várias organizações canadianas. Dirigiu, durante vários anos, a revista Allpanchis sobre questões sociológicas e antropológicas andinas e fundou a Revista Andina, com colaboração internacional, considerada então como a melhor revista de estudos neste domínio. Promoveu os estudos latino-americanos na Universidade Lavai, dirigiu várias teses de mestrado e de doutoramento e organizou colóquios no Canadá e outros países. Coordenou intercâmbios entre a Universidade Lavai e diversas instituições da América Latina durante vários anos.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

MaDonA - Fragmentos...

Cãezinhos

Vendedora
Circulava eu, tranquilamente, pela Avenida da Força Aérea, sempre a velha tendência de andar com a cabeça no ar, quando me aproximo da passadeira para a atravessar. Como mandam as regras da segurança rodoviária, devemos esperar pela cor verde dos semáforos, para uma passagem segura. Ao meu lado, estava um jovem casal, em que a senhora segurava uma trela dupla com dois caniches vivaços e irrequietos. 
Como é típico nos portugueses muito apressados (!?) se não vier um carro próximo, olha-se para ambos os lados da via e atravessa-se mesmo com o sinal vermelho. Confesso, mea culpa, que faço parte deste grupo transgressor. 
O jovem senhor que partilha deste mau comportamento, aventurou-se como eu, a atravessar com sinal vermelho, tomando-me até a dianteira. A senhora que ficara no início da passadeira, aguardando o momento de passar, exclama com reprovação “Olha que exemplo estás a dar aos cães! 
Sorri, complacente e prossegui viagem, em direção ao quartel da GNR, não para fazer nenhuma denúncia, apenas de passagem... 
Nesse percurso, junto À Oficina da Saúde, cruzo-me com um grupo de três pessoas, um deles um cavalheiro, bem-trajado e engravatado, (parecia uma testemunha de Jeová!) e apanhei de relance “Um homem quando se ajoelha, fica reduzido a um terço da sua estatura!” “um terço?”, contesta uma interlocutora. “Ah...a dois terços, vistas bem as coisas”....Ouvi, curiosa e prossegui a matutar naquilo “Um homem fica diminuído?”

domingo, 5 de novembro de 2017

Bento Domingues — A ignorância não é um dever



1. Lutero não passou por Portugal. Na revista Brotéria, de Outubro, tentei explicar porque lhe negaram o passaporte. Apesar disso, de vez em quando, surgem acontecimentos que levam os meios de comunicação a lembrar que existe uma coisa muito antiga chamada Bíblia, que ele próprio traduziu para alemão. Agora parece que foi invocada, juntamente com o código penal de 1886, pelos juízes Neto Moura e Maria Luísa Arantes, para atenuar um crime horroroso contra uma mulher adúltera.
Não admira, dizia-me um leitor de Saramago. A Bíblia está cheia de histórias escandalosas e de maus exemplos. O diabo não precisa de ser muito pior do que um deus que mata e manda matar. Esse livro parece escrito por um bipolar: passa facilmente do sublime ao detestável, por vezes no mesmo salmo. No entanto, cuidadosamente encadernado fica bem numa sala, ainda que pouco frequente numa casa portuguesa. Entre as dificuldades em ler e interpretar esses textos antigos figura uma insistente ignorância ou esquecimento: a Bíblia não é um livro!
Habituados, como estamos, a ver as Sagradas Escrituras cristãs num só volume e a dar-lhes um nome no singular, a Bíblia, somos levados a imaginar que é uma obra que um autor divino escreveu, de fio-a-pavio, mas com mais heterónimos do que Fernando Pessoa. 
Na verdade, não se trata de um livro, mas de uma biblioteca formada por 73 ou 74 obras, segundo o cânone da Igreja católica, e 66, segundo o cânone das Igrejas reformadas. Foi escrita ao longo de vários séculos em diversos contextos geográficos, sociais e culturais.
Sem poder entrar aqui em pormenores, convém lembrar o seguinte: quase dois terços dos livros da Bíblia cristã são comuns ao cristianismo e ao judaísmo rabínico, herdeiro imediato das escrituras do judaísmo antigo. Na verdade, o Antigo Testamento (AT) católico é mais vasto e variado do que o TaNak e o AT das Igrejas reformadas que adoptaram o cânone judaico. A escrita dos livros do AT católico durou cerca de um milénio. Teve como quadro essencial a Palestina. É possível que alguns livros tenham sido escritos, em parte, na Babilónia e outros no Egipto (em Alexandria).
A exegese histórico-crítica mostrou que figuram no AT diferentes géneros literários e temas que são documentados nas outras literaturas próximo-orientais do primeiro milénio a.C., em particular, nas literaturas dos demais povos semitas [1].

2. Os juízes, se queriam referir-se à relação de homens e mulheres na Bíblia, teriam de se aconselhar com o trabalho de investigação e de militância das feministas que reexaminam não só a própria Bíblia, mas também a interpretação que os homens fazem dela, tentando, muitas vezes, justificar e perpetuar uma dominação ancestral, própria de sociedades patriarcais. A mulher era propriedade do marido; a virgem, antes do noivado, propriedade do pai. O adultério da mulher e a defloração de uma rapariga eram, antes de mais, um atentado contra o direito de propriedade [2].
A exegese bíblica feminista assume-se como instrumento de luta pela igualdade social. O seu objectivo expressa-se em termos de emancipação ou de libertação das mulheres. Desse ponto de vista, a leitura feminista da Bíblia é comparada e, em parte, comparável ao trabalho da Teologia da Libertação.
Contrariamente ao que às vezes se afirma, não foi a Bíblia que deu origem à subordinação das mulheres na civilização ocidental. A subordinação era um traço das civilizações europeias antes da chegada da Bíblia. Essas civilizações tinham esse traço em comum com as civilizações do Próximo Oriente de que a Bíblia é uma expressão. O que a Bíblia fez foi dar a essa prática a sua legitimação religiosa.
Sendo fruto da civilização ocidental, o próprio feminismo é herdeiro da mesma Bíblia que deu caução religiosa à supremacia dos homens sobre as mulheres. Por isso, é natural que a Bíblia ocupe um lugar muito importante nos estudos feministas, mas as mulheres ainda estão longe da paridade com os homens. Na Igreja Católica, intérprete autorizada da Bíblia, a hierarquia continua a ser formada só por homens e, além disso, celibatários [3].
O NT não legitima as atitudes dominadoras do AT em relação às mulheres. Pelo contrário, elas estão incluídas no espantoso universalismo cristão, sublinhado por Paulo: “Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus” [4]. No Evangelho de Marcos, mostra-se que o homem pode ser adúltero contra a mulher. Como nota Frederico Lourenço, trata-se de “um desenvolvimento notável rumo à igualdade de género” [5].
Quanto à atitude de Jesus em relação ao apedrejamento de uma mulher apanhada em adultério, aconselho a leitura das admiráveis observações do mesmo autor ao texto atribuído ao evangelista João [6].
Se houve mulheres que se emanciparam para servir o projecto de Jesus, é porque esse projecto as incluía. O Ressuscitado encarregou-as de evangelizar os próprios apóstolos. Daí que a Maria Madalena tivesse sido designada como Apóstola dos Apóstolos.

3. Frederico Lourenço entregou-se a um empreendimento que julguei impossível, quando foi anunciado: traduzir, do texto grego, o conjunto da Bíblia, tradicionalmente conhecido pelo nome de Septuaginta, com apresentação, introdução e notas dos vários livros. Sobre a significação, a originalidade e as explicações acerca da Bíblia Grega, o tradutor encarregou-se de nos elucidar logo no Vol. I, consagrado aos Quatro Evangelhos, em 2016. Em 2017, surgiram o Vol. II, Apóstolos, Epístolas, Apocalipse, e o Vol. III, Os Livros Proféticos. Este, em Outubro. É o segundo acontecimento mais importante do ano para todos os que julgam que a ignorância do mundo bíblico não é obrigatória.
Francolino Gonçalves, O.P., morreu a 15 de Junho deste ano, na Escola Bíblica de Jerusalém, na qual viveu, investigou e ensinou, durante mais de 40 anos. Segundo alguns confrades, sofreu muito por não poder continuar as investigações do AT, que tinha em mãos, especialmente do universo profético, bíblico e extra bíblico, de que era um reconhecido especialista. Tenho muita pena que ele não pudesse acompanhar a obra impressionante de Frederico Lourenço, que lhe daria grande alegria.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Para as informações fundamentais sobre os mundos em que se formou e desenvolveu essa biblioteca, ver o amplo e rigoroso estudo de Francolino J. Gonçalves, Mundos bíblicos, Cadernos ISTA, n.º 18, 2005, pp 7-34.
[2] Ex 20,14; 22,15-16; Lv 20,10; Dt 5,21; 22, 22-29; Ez 16, 38-40.
[3] Cf. Francolino J. Gonçalves, professor da Escola Bíblica de Jerusalém e membro da Comissão Bíblica Pontifícia, As mulheres na Bíblia, Cadernos ISTA, n.21 (2008), pp 109-158
[4] Gal 3, 25-28
[5] Mc 10, 1-12 e nota ao v. 11.
[6] Jo 8, 1-11; cf. Frederico Lourenço, Bíblia, Vol. I, pp.357-360

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Anselmo Borges — Francisco sobre: 4. o diálogo ecuménico e inter-religioso




Anselmo Borges

Ainda os diálogos do Papa Francisco e de Dominique Wolton: Politique et société. Se há palavra que atravessa o livro todo é a palavra diálogo. "Como é que a Igreja poderia contribuir hoje para a mundialização?", pergunta Wolton. E Francisco: "Pelo diálogo. Penso que sem diálogo hoje não é possível. Mas um diálogo sincero, mesmo se for preciso dizer na cara coisas desagradáveis." Foi a avó que lhe abriu as portas da "diversidade ecuménica". Criança, viu umas senhoras do Exército da Salvação e perguntou: são freiras? "Não, são protestantes, mas são pessoas boas." De facto, marcou-o, pois, por exemplo, estamos a celebrar os 500 anos da Reforma e, pela primeira vez, isso acontece com católicos e protestantes, e, depois de tudo quanto na Igreja se tinha ouvido sobre Lutero - "os protestantes iam para o inferno" -, Francisco veio dizer que ele foi "um pioneiro religioso, uma testemunha do Evangelho e um mestre da fé... A intenção de Lutero foi renovar a Igreja, não dividi-la. Era um reformador. Havia corrupção na Igreja, mundanismo, obsessão pelo dinheiro, pelo poder". E encontrou--se com o patriarca de Constantinopla, pedindo-lhe a bênção, e com o de Moscovo.
O diálogo, e concretamente o diálogo inter-religioso, "não significa porem-se todos de acordo. Não. Significa caminhar juntos, cada um com a sua própria identidade". Wolton: "E, no diálogo com o islão, não seria necessário pedir um pouco de reciprocidade? Não há verdadeira liberdade para os cristãos na Arábia Saudita e nalguns países muçulmanos. É difícil para os cristãos. E os fundamentalistas islamistas assassinam em nome de Deus." Francisco: "Eles não aceitam o princípio da reciprocidade. Alguns países do Golfo também são abertos e ajudam-nos a construir igrejas. Porque é que são abertos? Porque têm trabalhadores filipinos, católicos, indianos... O problema na Arábia Saudita é uma questão de mentalidade. Todavia, com o islão, o diálogo avança bem, porque, não sei se sabe, o imã da Universidade de Al-Azhar, no Cairo, Ahmed Mohamed el-Tayeb, veio visitar-me e eu retribuí a visita. Penso que lhes faria bem a eles fazerem um estudo crítico do Alcorão, como nós fizemos com a nossa Bíblia. O método histórico e crítico de interpretação fá-los-á evoluir."

Francisco reconhece, portanto, que para o diálogo inter-religioso é fundamental não tomar os livros sagrados à letra: é necessária uma leitura histórico-crítica. Outro princípio essencial para a liberdade religiosa e a paz entre as religiões tem que ver com a laicidade do Estado, isto é, o Estado não pode ser confessional, o Estado deve ser laico. Para garantir a liberdade religiosa de todos: ter esta religião ou aquela, nenhuma, poder mudar de religião. Francisco: "O Estado laico é uma coisa sã. Há uma sã laicidade. Jesus disse-o: é preciso dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Somos todos iguais diante de Deus." Mas laicidade não é laicismo. Neste, constrói-se "um imaginário colectivo no qual as religiões são vistas como uma subcultura". É necessário "elevar" um pouco o nível da laicidade mediante "a abertura à transcendência". Que quer dizer "um Estado laico "aberto à transcendência"? Que as religiões fazem parte da cultura, que não são subculturas. Quando se diz que não se deve colocar cruzes visíveis ao pescoço ou que as mulheres não devem levar isto ou aquilo, é uma estupidez. Porque uma e outra atitude representam uma cultura. Um leva uma cruz, outro outra coisa, o rabino a kipa, o papa o solidéu" [risos]. "Esta é a sã laicidade. Há exageros, nomeadamente quando a laicidade é colocada acima das religiões. Porventura as religiões não fazem parte da cultura? Serão subculturas?"

Wolton pergunta como é possível chegar ao diálogo com os ateus e os não crentes. Francisco responde que fazem parte da realidade. Há pontos de vista diferentes, mas "a realidade é a verdade". As pontes são o nosso diálogo. Mas deve partir-se da realidade, não da teoria, e "procurar juntos, é um caminho de busca. Procurar". Wolton insiste: "Seja como for, que fazer? Os ateus fizeram muito pela libertação social, política, pela democracia desde o século XVIII. O que é que a Igreja faz? A Igreja diz muitas vezes que "os espera". Mas se são ateus não precisam da vossa espera. Então, como dialogar? Que fazer com os ateus? Porque a Igreja matou muitos..." Francisco: "Noutras épocas, alguns diziam: "Deixai-os tranquilos, irão para o inferno."" Wolton: "Claro" [risos]. Francisco: "Mas nunca devemos falar com adjectivos. A verdadeira comunicação faz-se com substantivos. Isto é, com uma pessoa. Essa pessoa pode ser agnóstica, ateia, católica, judia..., mas isso são adjectivos. Eu, eu falo com uma pessoa. É um homem, é uma mulher, como eu. Um jovem perguntou-me na Polónia: "Que dizer a um ateu?" Respondi-lhe: "A última coisa que deverás fazer é pregar a um ateu. Tu deves viver a tua vida, tu escuta-lo, mas não deves fazer apologia". O diálogo deve fazer-se com a experiência humana. Podemos falar de muitos temas que temos em comum: problemas éticos, coisas humanas. Do que pensamos, dos problemas humanos, como comportar-se... Podemos debater sobre o desenvolvimento humano. E quando se chega ao problema de Deus, cada um diz a sua escolha. Mas escutando o outro com respeito... Podemos falar sem medo - tu és ateu, eu não... mas falemos. Ambos acabaremos no mesmo lugar. Seremos ambos comidos pelos vermes!"

Wolton: "O que é mais difícil: o diálogo ecuménico ou o diálogo inter-religioso?" Francisco: "Segundo a minha experiência, diria que o inter-religioso foi mais fácil do que o ecuménico. Tive muitos diálogos ecuménicos e gosto muito. Mas, se compararmos, o inter--religioso foi mais fácil para mim. Porque se fala mais do homem..." Wolton: "Quando se está próximo, tudo é difícil. Quando se está afastado, é mais fácil. É estranho."


Anselmo Borges no Diário de Notícias 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Júlio Cirino — Ilha Terceira - Rua da Sé

A Rua da Sé vai do Alto das Covas à Praça Velha. Nesta rua, de casas avarandadas e muito floridas, podemos sentir o pulsar da vida cheia de alegrias que Angra do Heroísmo nos dá. 
Partindo do Alto das Covas temos a Escola do 1.º Ciclo Infante D. Henrique e, logo a seguir, a sede do Sport Clube Lusitânia, clube criado a 24 de Junho de 1922. É a 14.ª Delegação do Sporting Clube de Portugal.
Avançando um pouco, aparece-nos, à esquerda, o Mercado Duque de Bragança e o distinto Teatro Angrense, para além de vários estabelecimentos comerciais a funcionar em casas, com traça antiga, exemplarmente conservadas. Foram estes cuidados que levaram a UNESCO a classificar Angra do Heroísmo como Património Cultural da Humanidade.
Um pouco mais adiante, à direita, vemos, altaneira, a Sé Catedral cuja “primeira pedra” foi colocada, com grande solenidade, em 1570. Porém, em 1 de Janeiro de 1980 a Sé foi violentamente sacudida por um sismo de grande magnitude que, para além de abalar toda a estrutura do edifício, transformou a torre sineira esquerda e parte do frontispício num amontoado de calhaus. Na Terceira, este terramoto causou 51 mortos e mais de 400 feridos. Por terem ficado cerca de 15.000 pessoas sem tecto, o governo, apoiado por países como o Japão, os Estados Unidos, o Canadá, a Coreia do Sul, a Alemanha, a França e o Reino Unido, mandou construir um grande bairro para os desalojados. 
Na noite de 25 de Setembro de 1983 nova catástrofe se deu: um incêndio de grandes proporções fez estragos vultuosos na Sé, destruindo os riquíssimos tectos de madeira e toda a talha dourada e os tubos dos órgãos. Depois de restaurada, foi reaberta ao culto a 3 de Novembro de 1985. 
Ladeando a Sé pela esquerda, vemos uma estátua em memória do Papa João Paulo II que por aqui passou no ano de 1991.
Em 2017 o Bispo de Angra e Açores é D. João Lavrador, natural do Corticeiro (Mira). 
Qualquer festividade mais grandiosa, e por aqui há tantas, faz-se na rua da Sé. No dia de procissão, ou do desfile, as varandas são ornamentadas por colchas riquíssimas. A Praça Velha, existente em frente aos Paços do Concelho de Angra do Heroísmo, é um local dos mais festivos. Nos meses estivais, existem lá dois palcos para a actuação alternada de duas bandas filarmónicas que tocam ao desafio. Neste local também podemos ouvir música tradicional açoriana, bons fados de Lisboa e outros espectáculos tão do agrado dos terceirenses sobre os quais falarei em altura mais apropriada. 
Apesar de na ilha Terceira haver muitas festas, a quantidade de foguetes lançada é diminuta - não mais de dois ou três foguetes de “pum”, de fraca potência, de cada vez. A festa está no coração das pessoas e, normalmente, é celebrada durante 10 dias nas igrejas ou nos “impérios” e à volta da mesa entre familiares e amigos.

Obs:  Fotos extraídas da rede social.

segunda-feira, 5 de junho de 2017

CRÓNICA DA ILHA TERCEIRA I — JARDIM DUQUE DA TERCEIRA





Crónica de Júlio Cirino

A ilha Terceira, descoberta entre 1444 a 1449, é uma das mais belas regiões de Portugal. A riqueza da sua cultura e tradições é quase desconhecida no resto do país. Por essa razão, faço o convite para que me acompanhe na visita aos locais mais belos que por aqui podemos encontrar. Comecemos a nossa viagem pelo Jardim Duque da Terceira, um dos ex-líbris da cidade de Angra do Heroísmo.
Para além de muita paz, de pombas e alguns melros à espera de comida (quantas vezes dada pela mão inocente de uma criança), de flores multi-cores, de árvores de origem tropical, de pequenos lagos com pimpões e um coreto, existe um telheiro-biblioteca com um armário destinado à leitura de obras editadas em várias línguas que podem ser consultadas, gratuitamente, por quem estiver interessado. Uma curiosidade: os livros são oferecidos pelos leitores. Próximo de um local conhecido por “canto dos gatos”, existe um busto erigido em honra de Almeida Garrett, com a seguinte inscrição:


“Não tive a fortuna de nascer naquele torrão; 
mas a minha pátria; 
mas a de meus pais; 
mas o meu património;
mas tudo quanto constitui a pátria de um homem, 
é a minha saudosa Ilha Terceira, 
um dos mais nobres padrões da glória portuguesa.”

Almeida Garrett

NOTA: 

1. O meu amigo Júlio Cirino aceitou enviar crónicas para o meu blogue, um gesto de partilha que muito agradeço. Sei que todos ficaremos mais ricos pela oportunidade que teremos de apreciar belezas que descobre no seu dia a dia. 
2. Fotos da Wikipédia

domingo, 28 de maio de 2017

BENTO XVI RENUNCIOU À SUA RENÚNCIA?

Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO 


1. Enviaram-me, com expressa tristeza, uma entrevista com a enigmática pergunta do título desta crónica. Que se passa, afinal?
Não foi de modo clandestino, nem de repente, nem contra a sua vontade que Bento XVI deixou de ser o Papa da Igreja Católica Romana. Não foi sob pressão que, a 10 de Fevereiro de 2013, se pronunciou expressamente: declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, sucessor de São Pedro.
Justificou publicamente a sua decisão: as suas forças, devido à idade avançada, já não lhe permitiam exercer, adequadamente, o pontificado. Foi destacada a dignidade desse gesto sem precedentes desde Gregório XII, em 1415 — no contexto do Grande Cisma do Ocidente —, e o primeiro a renunciar, sem pressão externa, desde o papa Celestino V, em 1294.
Seguiram-se os procedimentos previstos no Vaticano e foi eleito o Papa Francisco, a 13 de Março de 2013. Não temos dois Papas, como a ignorância e obscuros interesses procuram fazer crer. Sob o ponto de vista institucional, o Papa Bento XVI morreu. Acabou.
Permitiu, no entanto, fazer supor que, ao ficar por perto, iria ser o conselheiro obrigatório do novo inquilino. Decidiu, de facto, continuar a residir dentro da Cidade do Vaticano, num antigo convento adaptado para o receber.
Não foi boa ideia, segundo Andrea Grillo, professor de Teologia no Pontifício Ateneu Sant’Anselmo (Roma). O Bispo emérito deve afastar-se do Vaticano e calar-se para sempre. Só nestas condições é possível configurar uma real sucessão e não dar a enganosa ideia de uma coabitação de dois Papas. 
Tanto para Ratzinger como para Bergoglio, esta é uma experiência totalmente inédita. O uso da veste branca e os contactos manipuláveis com o exterior deveriam ter sido pormenorizadamente regulamentados, sustenta o citado teólogo romano.

2. Esta situação permite, com efeito, todos os boatos e conjecturas. Há mesmo quem diga que o cardeal Ratzinger tem ligações a “submarinos” espias que o usam para controlar e dificultar as decisões que os ultraconservadores consideram desvarios do Papa Francisco. Este, com a descentralização do governo da Igreja e a sua evangelização inculturada, estaria a fazer da Igreja Católica uma federação de seitas à imagem do protestantismo. Devido à sua determinação na Reforma da Cúria e na denúncia do clericalismo e carreirismo, acusam-no de autoritário. Os neoliberais da economia e da política acusam-no de falar do que não sabe.
Alguns cardeais já manifestaram publicamente a sua oposição, não apenas ao seu estilo pastoral, mas também às suas posições doutrinais. Serão os únicos?
Não creio que o cardeal Ratzinger defenda esse caminho, mas acontecem coisas esquisitas. Ele acaba de prefaciar o livro do cardeal Sarah, La Force du silence (O Poder do silêncio), ainda não traduzido para italiano, mas o prefácio já saiu publicado, antecipadamente, no Corriere della Sera e na Nuova bussola quotidiana.
Donde virá o incómodo desse elogioso prefácio que entristeceu os entusiastas das orientações do Papa Francisco e que também não querem ficar de mal com a imagem do Papa anterior?
O cardeal Sarah é o Prefeito da Congregação para o Culto Divino, nomeado pelo próprio Papa Francisco. Agora, usa processos pouco recomendáveis para contrariar quem o escolheu. Os seus esforços estão focalizados na “Reforma da Reforma” litúrgica proposta pelo Vaticano II.
É esse personagem a remar contra o Papa Francisco que o cardeal Ratzinger veio recomendar como “mestre espiritual, que fala das profundezas do silêncio com o Senhor, expressão da sua união íntima com Ele, e que por isso tem algo a dizer para cada um de nós”. Diz-se grato ao Papa Francisco por “ter nomeado um tal mestre espiritual à frente da Congregação para a celebração da liturgia na Igreja”. Daí a declaração final que soa como um aviso: “Com o cardeal Sarah, mestre do silêncio e da oração interior, a liturgia está em boas mãos”.
A publicidade desta gratidão parece uma indevida defesa, pois o Papa Francisco já manifestou, várias vezes, que não está nada contente com a nomeação que fez. Não é segredo que, ao longo do último ano, o cardeal Sarah foi, de facto, gradualmente cercado por elementos abertamente hostis à chamada “reforma da reforma conciliar”, desejada por Bento XVI, que o purpurado guineense tenta efectivar no actual pontificado que a não quer. Ao continuar a defender que “a crise da Igreja é uma crise da liturgia”, deve dizer-se que a cura que ele pretende é o seu veneno. Já não consegue fazer nada da Congregação a que preside.
O Papa desautorizou a ideia da Missa de costas para o povo e favoreceu a nova tradução dos textos litúrgicos, resultado de estudos de uma comissão criada sem o conhecimento e contra o cardeal Sarah, segundo consta. Os movimentos para estudar o ritual de uma missa “ecuménica” parece que também ignoram a própria Congregação, presidida pelo dito cardeal.
Por outro lado, esse cardeal, em nome da união da Igreja, em torno do Sumo Pontífice, trabalha na sua desagregação. Está decididamente contra a orientação social de Bergoglio: enquanto a Igreja “não conseguir dissociar-se dos problemas humanos”, ela acabará por “falhar na sua missão”. Transforma o programa da Evangelii Gaudium numa caricatura: “A Igreja está gravemente equivocada quanto à natureza da crise real, se ela acha que sua missão essencial é oferecer soluções para todos os problemas políticos relacionados com a justiça, a paz, a pobreza, a recepção de migrantes, etc... enquanto negligencia a Evangelização”. Ora, o Papa Francisco, pelo contrário, inclui na referência vital a Cristo a luta contra a pobreza imposta. Foi o próprio Jesus, ao apresentar o seu Evangelho, o seu programa de libertação dos oprimidos e marginalizados, que o identificou com o acontecimento da graça de Deus, um ano jubilar.
3. Ratzinger foi uma grande figura da Cúria romana, durante muito tempo. A sua obsessão em neutralizar e condenar os teólogos que o não repetiam parece que não lhe deixou energia para enfrentar as exigências da reforma dessa instituição degradada.
Compreende-se que, por muito que goste de estudar, de escrever e de rezar, depois de tantos anos de intervenção nos destinos da Igreja, perante o que lhe contam, não aguente o silêncio que se impôs. Como disse Monsenhor Georg Geinswein, Ratzinger acompanha atentamente tudo o que acontece na Igreja.
Bento XVI, sob o ponto de vista institucional, morreu, mas julga que não. Está obrigado a ter um comportamento que não leve as pessoas a pensar que está arrependido de ter renunciado a ser o Bispo de Roma, sucessor de S. Pedro.

domingo, 26 de março de 2017

A galinha

Crónica de Maria Donzília Almeida



Estava eu com as mãos na massa, no sentido literal do termo, quando toca a campainha. Não estava a amassar o pão, em concorrência desleal com o diabo que já amassou muito, algum do qual lhe tenha tomado o gosto.
Estava apenas a dar uma ajudinha à massa, antes de a pôr na máquina de fazer pão. Uma volta à massa evita que a farinha aglomere nos cantos redondos da cuba e o pão ficando por cozer. Com os avanços da tecnologia, houve uma redução drástica no trabalho das donas de casa, que agradecem, restando-lhes assim mais tempo para a família.
Há uma diversidade de eletrodomésticos que facilitam, agilizam e economizam tempo e dinheiro, revertendo a morosidade e fadiga das tarefas domésticas em tempo de exercício e convívio familiar.
Tiro as mãos da massa e vou à porta ver quem chamou. Para meu grande espanto, deparo com algo tão insólito quão inesperado: um jovem, cheio de piercings e tatuagens e um corte de cabelo que está na berra – com um rabicho no alto da cabeça. Uma personagem de telenovela foi o modelo e logo ditou a moda. A juventude permeável a estas inovações segue-as logo, numa pura imitação.
Pouco dada a preconceitos e a juízos apriorísticos, confesso que o meu pensamento pecou um pouco, mas assumo-o — mea culpa! 
A minha estupefação não se ficou por ali, quando observei que o jovem trazia uma galinha debaixo do braço. O que estará ele aqui a fazer, naquele preparo? Foi o primeiro pensamento que aflorou ao meu espírito.

domingo, 20 de novembro de 2016

Cabazes / berços

Crónica de Maria Donzília Almeida



No tempo em que as terras das Gafanhas eram amanhadas, vivia-se numa sociedade quase matriarcal. Com efeito, com os maridos embarcados para a pesca do bacalhau, a mulher ficava encarregada de quase todas as tarefas: domésticas e agrícolas. Até, quando nasciam os filhos, havia apenas uma “curiosa” que dava uma ajudinha aos bebés, para entrarem neste mundo cruel.
Quando as jovens mães iam para “a terra” trabalhar, eram obrigadas a levar consigo os seus rebentos. Na altura, não havia as babysitters, os infantários, as creches. Nem tampouco as amas particulares, já que todas as mulheres tinham a mesma ocupação. A esse tempo, não havia diferenciação profissional, nem sindicatos para defender (?) os direitos dos trabalhadores! Nada iria reduzir para 8 horas de trabalho, a jorna diária, àqueles que trabalhavam de sol a sol. No Inverno, o astro-rei, compadecia-se destas mulheres heroínas, retirando-se um pouco mais cedo.

Não havendo, na altura, estruturas sociais de apoio às jovens mães e à criança, deparava-se-lhes um problema: onde deixar os bebés? Usando dum pragmatismo, tão peculiar nestas mulheres do campo, a solução brotava tão límpida como água que jorra da fonte. Os cabazes, cestas grandes comprados às ciganas, utilizados para os mais diversos fins, passavam a ter uma utilidade acrescida. Uma alcofinha redonda, de verga, revestida dos mais finos lençóis de cambraia (!?) nascia da imaginação destas corajosas mães. Enquanto trabalhavam, na freima, do campo, os seus rebentos, na extrema da terra, à sombra do milho alto, eram embalados pela sinfonia dos passarinhos. Que felizes eram essas crianças! O seu soninho angelical não era perturbado pelo ruído, às vezes ensurdecedor, das nossas cidades e vilas. Ali, só se ouviam acordes musicais, no chilreio das avezinhas. Quem não dorme ao som da música? Poder-se-á dizer, com toda a propriedade, que bebés e às vezes adultos, numa sesta roubada ao horário de trabalho,…dormiam o sono dos justos! 

Foi assim, embalada desta maneira, que a autora destas linhas ganhou amor à natureza e à vida bucólica!

03.10.08

domingo, 23 de outubro de 2016

A Igreja e a Política: que Igreja e que política? (1)

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO de hoje


1. A Igreja Católica está em alta! Foi a exclamação de um amigo ao mostrar-me, numa rua do Porto, a primeira página do jornal, Le Monde. No Vaticano, está o Papa Francisco, António Guterres no topo das Nações Unidas e o episcopado francês surge, na praça pública, com um grito de alarme para que os responsáveis da direita e da esquerda reencontrem o verdadeiro sentido da política. A laicidade do Estado é um quadro jurídico que deve permitir a todos - crentes de todas as religiões e não-crentes - viverem juntos, com as suas diferenças.
Não deitei água fria naquela euforia. Ele tinha vivido, desolado, o inverno da Igreja desde os anos 80 do séc. XX e com melancolia a mediocridade das lideranças do catolicismo português. Fomos conversar.
É um facto que o Papa Francisco é uma figura mundialmente respeitada. Não apenas pelo seu empenhamento na reforma da Igreja, mas sobretudo porque esse esforço não se destina a fixar-se em questões da instituição ou baixar os braços dos adversários e acusadores.

sábado, 22 de outubro de 2016

Utopias, distopias, retrotopia

Crónica de Anselmo Borges 




Coube-me a honra de um convite para participar no magno evento cultural Folio, na bela Óbidos, com uma fala sobre utopias e distopias, a que acrescentei retrotopia, pelas razões que direi.


1. Foi Thomas More que cunhou o termo utopia, com a publicação, há 500 anos, de A Utopia, cujo título em latim é mais longo: De Optimo Reipublicae Statu Deque Nova Insula Utopia (sobre o melhor estado de uma República e sobre a nova ilha da Utopia). Ele sabia do que falava, concretamente do poder, pois foi chanceler. A Igreja canonizou-o em 1935. A Utopia é uma ilha imaginada lá longe no oceano (utopia tem o seu étimo no grego: ou, que se lê u, que significa não) e tópos, com o significado de lugar. Portanto, Utopia é um não lugar; de qualquer forma, um ideal que indica o caminho.
A utopia supõe a distopia (também do grego: dys, que significa mau, duro: portanto, um mau lugar, o oposto a utopia). Assim, na primeira parte, More critica os males que atravessavam a sociedade inglesa, do despotismo e venalidade dos cargos públicos à sede de luxo por parte dos privilegiados e à injustiça e opressão que provocam. Na segunda parte, descreve uma sociedade ideal, que imaginariamente já se encontra realizada na ilha da Utopia. Neste sentido, embora haja vários tipos de utopias, a utopia nasce como eutopia (mais uma vez, do grego: eu- bom, feliz, e tópos, um lugar bom e felicitante, como na palavra Evangelho: eu+angelion, notícia boa, feliz, felicitante).

domingo, 10 de julho de 2016

As trapalhadas do Crisma

Crónica de Frei Bento Domingues 

“Será o recém-ungido que abandona a Igreja ou a Igreja que já não tem mais nada a dizer-lhe?”

1. Rui Osório, jornalista e pároco da Foz do Douro, na sua pertinente coluna na Voz Portucalense (2016.06.29) revela preocupações que não são exclusivas: “Se a minha confidência de pastor vos parecer pessimista, peço-vos desculpa, mas deixem-me desabafar: a prática do Crisma é uma das experiências pastorais mais frustrantes que tenho encontrado.
“Em tempos primitivos, os catecúmenos, depois de um longo crescimento na fé, entravam na piscina e eram lavados; saíam e eram perfumados com óleo do crisma; e acediam à mesa eucarística para serem alimentados.
“Hoje, não é tanto assim e andamos, na longa e agitada onda da cristandade sociológica, a surfar um pouco aturdidos entre o cansativo cristianismo de tradição e o sedutor cristianismo de opção.
“Pastoralmente, parece-me que, em vez da iniciação à fé cristã, o Crisma está em risco de se tornar no sacramento que marca o fim de uma certa educação e de pertença cristã construídas na areia.
“Já lhe chamaram a 'festa do adeus'! Os cristãos encontram-se no cais em despedida para outras andanças que não acertam no norte do cristianismo!
“Tenho boas razões para confirmar a «festa do adeus» de tantos a quem acompanhei na preparação para o Crisma, sobretudo jovens que completaram com assiduidade os seus dez anos de catequese e se despediram da Igreja ou a Igreja não lhes deu um novo porto de abrigo.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Visita ao Jornal de Notícias

Crónica de Maria Donzília Almeida

Redação do JN


No âmbito da disciplina História e Jornalismo,
ministrada na US (Universidade Sénior),
participei numa visita de estudo ao Jornal de Notícias

Regressar à “Antiga, Mui Nobre, Sempre Leal e Invicta Cidade do Porto” é sempre gratificante para quem aí passou momentos gloriosos de enriquecimento, nas suas vertentes de MMP (Mulher, Mãe e Professora). Foi nesta cidade, que convivi com a nata da sociedade portuense, nos domínios da cultura, da pedagogia e da literatura infantojuvenil. Aqui estão sediadas grandes editoras, em que a Porto Editora, a Civilização Editora e a Edições Asa são apenas algumas referências. Era comum nas escolas, conviver-se lado a lado, com os autores de manuais escolares.
O matutino Jornal de Notícias foi fundado a 2 de junho de 1888, no Porto e tornou-se num dos jornais de maior expansão em Portugal, a seguir à Revolução do 25 de abril de 1974.
Quando saiu para a rua, o Jornal de Notícias, dirigido por José Diogo Arroio, tinha quatro páginas de grande formato, custava dez réis e era vendido no Porto e arredores, Lisboa e Braga. A nível de conteúdo apostava em noticiário nacional e internacional e dedicava a última página à publicidade.
A tiragem inicial do matutino portuense rondava os 7500 exemplares por edição, mas começou a subir a partir de 1890, quando fez campanha política em favor dos regenerados. Pouco depois, foi introduzida uma inovação nas páginas do jornal já que em 1891 surgiram as primeiras gravuras com retratos dos principais implicados na revolta do 31 de janeiro.
O jornal, que ficou conhecido por JN, assumiu claramente a defesa do Norte e do Porto em 1911, na época em que mudou de instalações, para a Rua Elias Garcia.

domingo, 6 de março de 2016

Um contador de histórias subversivas

Crónica de Frei Bento Domingues no PÚBLICO

«A Eucaristia é um convite para a festa, 
para a festa de Deus revelada nos gestos 
e nas palavras de Jesus.»

1. Segundo os evangelhos sinópticos [1], Jesus não deu nenhum contributo para o avanço das ciências, nem revelou um grande pendor metafísico, embora não faltem investigadores que, hoje, o reconheçam como um filósofo.
O facto é que não deixou nada escrito. A sua breve intervenção pública acabou num fracasso tão vergonhoso, que ninguém poderia descobrir alí qualquer caminho de futuro. Aconteceu que os seus seguidores, depois de várias crises, não recalcaram a sua memória. Alguns judeus continuaram a ver, naquele carpinteiro de Nazaré, o messias esperado; outros recusaram-no, o que nada tem de surpreendente. Passados dois mil anos, Daniel Boyarin, conhecido especialista do Talmude, observa que se há alguma coisa que os cristãos sabem bem a propósito da sua religião é que ela não é o Judaísmo.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Simplesmente Maria

Crónica de Maria Donzília Almeida


Quando cheguei à US tudo era novo para mim: os espaços, as pessoas, a natureza envolvente. A primeira pessoa com quem me cruzei, ocupava-se nas suas tarefas de horticultura ali, na Quintinha da Remelha. Com solicitude, deu-me as informações pretendidas e franqueou-me as portas do US…
Este nome evocava-me uma antiga instituição, vocacionada para o tratamento de toxicodependentes da Associação Le Patriarche, fundada em 1974, por Lucien Engelmajer.
As histórias de vida que ali se cruzaram, os dramas de jovens colhidos na teia das vicissitudes humanas, na sua luta contra a tirania das dependências, parecem ter deixado, aqui, um rasto de erosão. Um véu de decrepitude paira neste espaço, a começar nas palmeiras de braços caídos, que sucumbiram aos parasitas invasores.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Balanço de uma viagem à Grécia

Crónica de viagens 
de Maria Donzília Almeida

Partenon
Capela de S. Paulo
Kalambaca - Mosteiro









Ilha de Hidra
Render da Guarda












«A democracia... 
é uma constituição agradável, 
anárquica e variada, 
distribuidora de igualdade 
indiferentemente a iguais e a desiguais.»

Platão

Viajar pela Grécia é uma aventura para qualquer forasteiro e uma desventura para os nacionais residentes, que veem o seu país nas bocas do mundo, pelas piores razões. Apesar de ter sido o berço da democracia, encontra-se hoje em maus lençóis, pois os gregos não têm sabido dar continuidade aos grandes vultos da antiguidade.
A Grécia foi o berço da cultura clássica que atingiu o seu apogeu no século V a.C. onde a democracia foi instaurada por Clístenes, na cidade-estado de Atenas.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Burnout

Crónica de Maria Donzília Almeida




«O nosso jovem Ministro da Educação 
será a luz ao fundo do túnel?»

A aposentação é um patamar na vida do cidadão trabalhador, muito desejada por muitos, uma miragem para tantos. É o corolário de toda uma vida de trabalho.
Agora, à distância, permito-me fazer a retrospetiva…
Durante o período de vida ativa, qualquer cidadão, seja homem ou mulher, vive assoberbado com compromissos profissionais e familiares que lhe saturam o tempo.
O desgaste, a fadiga crónica, o stress da profissão, levam até, ao síndrome do Burnout. Este ocorre em profissionais que lidam com pressão constante no seu dia-a-dia, por longo período de tempo. Estão nesse grupo, os profissionais de saúde, forças de segurança, agentes educativos, nomeadamente os professores.
Hoje, em dia, o professor desempenha muitos papéis, que transcendem as suas competências. Tem de ensinar jovens que não querem aprender e boicotam, sistematicamente, o trabalho da aula. A indisciplina grassa nas escolas.
Foram muitos anos a lecionar, a conviver diariamente com os problemas de alunos, pais e comunidade escolar. 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Grutas de Postojna

Crónica de Maria Donzília Almeida

Porta de entrada

Quando visitei as Grutas de Santo António e as Grutas de Alvados , em pleno Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros, na década de sessenta do século passado, fiquei verdadeiramente deslumbrada. Senti-me como Alice no País das Maravilhas num mundo fantástico, irreal e agradeci a Deus pelo dom de habitar um país encantado.
Nas minhas deambulações pelo mundo, na minha década de sessenta, encontrei algo semelhante num pequeno país, a Eslovénia, que integra as “Pérolas do Adriático”.
Ao longo de apenas cerca de 47km de costa, as suas praias são agradáveis e convidam ao desporto e à aventura, mas ao mesmo tempo à calma e ao descanso. As cidades de Piran, Koper, Izola e Portoroz, repousam junto às águas mornas do Adriático, o que só por si, justifica a grande afluência de turistas. São bonitas, acolhedoras e repletas de pontos de especial interesse, como salinas e falésias, o palácio Almerigogna, em Koper, a Igreja de São Jorge e a Praça Tartini em Piran, entre muitos outros. 
Uma das mais importantes atracões da Eslovénia, é a visita às suas magníficas grutas. Existem mais de sete mil no país, entre elas Krizna, cujos lagos de água límpida podem ser atravessados de barco, Skocjanske, um espectacular sistema de grutas declarado Património Mundial pela UNESCO em 1986.

domingo, 17 de janeiro de 2016

Com quem começar o novo ano (III)

Crónica de Frei Bento Domingues 

«Sem a conversão do desejo 
não há reforma possível. 
O Papa Francisco que o diga.»

1. As renovadas investigações que, na observância do método histórico, procuram resgatar a memória de Jesus de Nazaré deixam muitos cristãos bastante desapontados: mas é só isto? Tanto barulho, tantos livros para tão pouco?
Esses estudos valem por si próprios, mas também ajudam, pelo menos indirectamente, a dar força à evocação que abre sempre, na Missa, a proclamação do Evangelho: naquele tempo!
É verdade que a grande maioria dos participantes na Eucaristia, se retiver apenas essa indeterminada evocação, continuará de memória vazia. De qualquer modo, essas investigações não fecham os cristãos no Ano Iassistindo à autópsia do cadáver errado, como por vezes se diz.
O que está em causa é, sobretudo, a fidelidade à condição temporal do cristianismo. Teria algum sentido dizer naquela eternidade? Os participantes nas celebrações de fé cristã atraiçoam a sua genuína significação quando não as entendem e vivem em confronto com os problemas pessoais, familiares, sociais e eclesiais, do nosso tempo.

domingo, 10 de janeiro de 2016

Com quem começar o novo ano? (II)

Crónica de Frei Bento Domingues 

Bento Domingues

 O cristianismo nasce no reino 
da liberdade criadora!



1. Para mim, Jesus Cristo foi desde sempre, é e será o ser sublime, supremo e ideal que a humanidade produziu. Enquanto Judeu, é o único orgulho que sinto de ser da sua raça. A sua existência, as suas palavras, o seu sacrifício e a sua fé deram ao mundo o mais nobre presente jamais recebido: o do amor, do amor do próximo, do amor do pobre, a compaixão, a humildade, enfim todos os sentimentos que enobrecem o ser humano… é o Homem supremo. Estas são palavras do famoso músico Arthur Rubinstein (1887-1982).
Santa Tereza de Avila [1] (1515-1582), com ascendência judaica, escreveu um dos mais belos sonetos da literatura espanhola, nascidos da sua paixão porJesus: (…) Muéveme, enfin, tu amor de tal manera/ que aunque no hubiera cielo, yo te amara,/ y aunque no hubiera infierno, te temiera (…).