quarta-feira, 19 de julho de 2006

Textos ensanguentados

TEXTOS ENSANGUENTADOS 



Textos
ensanguentados
como feridas

Gralhas
ensanguentadas

Textos
gelados
como árvores
no Inverno

Textos
como árvores
cortadas
aos bocados

Textos
como lenha

Textos
como linho

Textos
brancos
como a noite

Textos
brancos
como a neve

Textos
sagrados

Textos
bifurcados
como ramos

Textos
unos
como troncos

Adília Lopes 

In “Sur la croix”

Um artigo de Daniel Serrão

PMA: com ou sem lei?
É legítima a pergunta. De facto, o tratamento médico da infertilidade, como qualquer outro tratamento do âmbito dos cuidados de saúde, não justificaria, por si só, a intervenção do legislador, fosse ele o Governo ou a Assembleia da República. E outros processos de tratamento da infertilidade, que não a PMA, como é o caso da desobstrução cirúrgica das trompas, não são objecto de preocupação dos legisladores. Basta a regra básica da actividade médica que é a de o médico agir sempre segundo as regras da boa prática científica e técnica, as leges artis dos juristas. Assim sendo, algo deve acontecer na PMA que ultrapassa a intervenção médico-técnica e que impôs a intervenção do legislador. E acontece: a PMA é um acto médico que extravasa da simples intenção terapêutica de curar a infertilidade, para campos não médicos e claramente sociais. E é a repercussão na sociedade e suas estruturas básicas, como a família, que impôs, e bem, a intervenção da Assembleia da República. Se o fez da melhor maneira, isso é matéria controversa.
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Leia mais em Ecclesia

Férias do Papa

Férias do Papa entre a leitura, a oração e a música
Bento XVI continua o seu período de repouso em Les Combes, nos Alpes italianos, preenchendo os seus dias com momentos de oração, leitura e música. Os tempos que o Papa passa ao piano, tocando Bach e Mozart, são audíveis nas casas vizinhas. O Centro Televisivo do Vaticano mostrou imagens inéditas de Bento XVI neste período de férias, que se prolongam até 28 de Julho. Além do piano, o CTV mostrou o Papa a caminhar pelos jardins que rodeiam o chalé que o aloja. Numa das poucas declarações que prestou aos jornalistas, nos últimos dias, Bento XVI explicou que “ver a montanha é como ver o criador”. Todos os responsáveis que são convidados a falar da estadia do Papa concordam com o clima de “tranquilidade” que se tem vivido, muito por força da personalidade reservada de Bento XVI e do seu amor pela natureza, que o leva a passear pelas montanhas circundantes. O descanso não impede, como já noticiado, que o Papa acompanhe a actualidade, através de contactos regulares com a Secretaria de Estado do Vaticano. O relativo sossego destes dias gera muita especulação em torno da actividade de Bento XVI e, tal como no ano passado, começa a falar-se com insistência da possibilidade de uma nova obra papal estar a ser redigida. Oficialmente, nenhuma indicação foi dada pelo Vaticano a esse respeito. Em declarações à Rádio Vaticano, o Bispo de Aosta, D. Giuseppe Anfossi, assegurou que “o Papa está tranquilo” e que “desfruta da liberdade de não estar submetido ao trabalho”.
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Fonte: Ecclesia

Um artigo de António Rego

Quando tudo
parece a arder
A humanidade vive de euforias e sobressaltos. Num misto de realidade e ficção, com alguns dados do passado e todas as dúvidas em relação ao futuro. Mais escancarado que nunca o buraco do ozono, com os raios ultravioleta quase a fecharem as pessoas em casa no braseiro do Verão, as temperaturas a roçarem os extremos suportáveis, os fogos a esgotarem os bombeiros e a inquietarem, com notícias, férias merecidas, os conflitos sem darem sinais de arrefecimento para os lados da Coreia do Norte, e agora em nova cena do Médio Oriente - para além de outros focos atenuados pela distância. Os preâmbulos da guerra parecem, agora, montados para um alastramento não apenas das escaramuças entre tanques e pedras, mas com dois exércitos frente a frente, incendiadas as fronteiras e enfurecidos os vizinhos e aliados. Em dado momento tudo parece conjugar-se para um fogo real ateado por um vulcão – o da violência - que sempre esteve em actividade na cratera da história, mas que varia de intensidade pelas formas de energia que utiliza. Entretanto, a justa exaltação de todo o progresso científico e tecnológico que permite o prolongamento da vida humana, as viagens planetárias, os meios de comunicação e informação com uma inteligência natural a artificial mais surpreendente que nunca. Mas tudo isso morre na praia, nas areias dos velhos absurdos da guerra e da violência. Assim é desde a noite dos tempos. E algum desalento se apodera dos profetas como que a confirmar que “ não há nada a fazer, o homem não tem remédio e a natureza parece que também não”. Restam apenas alguns pós de esperança para não alinharmos com os banais clamores dos fatalistas desiludidos? Talvez não. Não é negando a história e os factos que abrimos caminho para o futuro. Mas é precisamente no enquadramento e na medição exacta dos acontecimentos que ultrapassamos os aparentes bloqueios de cada momento. Se tudo parece a arder, será na frieza do nosso olhar que iremos descortinar a realidade que pertence a cada tempo. Não sabemos se daqui a duas semanas narramos os factos da mesma forma. Vamos descobrindo que a nossa emoção precipita juízos sobre acontecimentos incompletos e ajustáveis ao complexo cósmico e humano. Aqui, sim, vamos ter ao oceano de Deus que ultrapassa o nosso olhar, os nossos espaços, as nossas medidas e as nossas contas. Por isso a fé também se pode definir como o ângulo do olhar de Deus num sentir homogéneo sobre todos os tempos e todos os seres. Não passamos, afinal, duma ínfima – apesar de infinita - parcela desse todo. Nem por isso é menor a nossa responsabilidade ou maior a nossa desculpa.

terça-feira, 18 de julho de 2006

Um artigo de João Carlos Espada, no EXPRESSO

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Um pouco por toda a Europa e nos EUA assiste-se a tentativas legislativas de redesenhar a família heterossexual monogâmica
EM VALÊNCIA, assinalando a visita do Papa Bento XVI, um Fórum Mundial da Família reuniu esta semana mais de um milhar de associações familiares internacionais. Segundo os organizadores, o principal objectivo da iniciativa consiste em «defender e proteger o matrimónio como instituição específica entre um homem e uma mulher em todo o mundo». O tema tem particular actualidade em Espanha, onde legislação recente alargou o casamento a uniões homossexuais. Os termos «pai» e «mãe» foram substituídos por «progenitor A» e «progenitor B», numa demonstração de engenharia social sem precedentes. Mas a Espanha não é caso único. Um pouco por toda a Europa e nos EUA, assiste-se a tentativas legislativas de redesenhar a família heterossexual monogâmica. Numa aliança inesperada - mas não surpreendente - grupos islâmicos aproveitam a onda inovadora para introduzir na agenda a consagração da poligamia. Estes chamados «temas fracturantes» começaram por deixar os eleitorados indiferentes. Gradualmente, porém, geraram mal-estar e legítima reacção. Nos EUA, onze referendos estaduais recusaram por larga margem o «casamento homossexual». Sectores republicanos defendem a introdução de uma emenda constitucional definindo o casamento como a união entre um homem e uma mulher. Como vem sendo hábito, as «guerras culturais» começaram na América e chegam agora ao continente europeu. Na semana que agora termina, durante uma palestra que proferi em Madrid sobre Winston Churchill, a maior parte das perguntas foi sobre «temas fracturantes» e democracia. A ideologia fracturante anuncia-se como libertadora e igualitária. Quer libertar-nos da moral cristã, da vida familiar, e da hierarquia inerente à busca da excelência no domínio da educação. Tudo isto é apresentado em nome da liberdade e da democracia. Todos os que se opõem são apresentados como conservadores autoritários e antidemocratas. Nesta perspectiva, ser democrata significaria ser contra a religião - especialmente a judaico-cristã - e ser a favor do «casamento homossexual», do aborto gratuito a pedido, da pornografia na televisão à hora do jantar e, em geral, do relativismo moral. Ser democrata significaria ainda ser a favor de ensinar tudo isto aos filhos dos outros através de um sistema centralizado de escolas estatais, cuidadosamente protegidas da concorrência e da escolha livre das famílias. A verdade é que estamos perante uma ideologia autoritária, como, suspeito, Winston Churchill não deixaria de observar. A democracia deixa de ser vista como um sistema de regras para limitar o governo e torná-lo responsável perante os contribuintes. Passa a ser identificada com um projecto político-filosófico particular, de natureza sectária e adversarial contra modos de vida descentralizados e realmente existentes. Em vez de protecção desses modos de vida, a democracia passa a ser entendida como mandato para uma vanguarda redesenhar instituições descentralizadas - como a família ou a religião - que não tinham sido desenhadas por ninguém. Trata-se, numa palavra, do jacobinismo em versão pós-moderna. :: In "EXPRESSO" de 8 de Julho de 2006

Representações do sagrado e conflito de Liberdades - 1

Representações do sagrado

e liberdade de expressão

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A recente polémica em torno das caricaturas de Maomé voltou a colocar ao Ocidente uma dúvida sempre delicada: numa sociedade laica, como conciliar a total liberdade de expressão com o total respeito pelo sagrado? Ou de uma forma mais crua: em democracia, a religião pode impor limites à liberdade? A resposta da maioria dos dirigentes políticos e religiosos ocidentais, independentemente de crenças ou descrenças, foi apelar ao bom senso. Mas esta resposta a nada responde, porque o bom senso não se legisla nem se decreta. E a experiência demonstra que é suficientemente elástico para que alguns, em seu nome, concedam ao Islão uma reverência que nunca teriam pelo Cristianismo. Significa isto que o único direito verdadeiramente democrático seja (assim chegou a dizer-se entre nós) o “direito à blasfémia”? De modo nenhum. Em certo sentido, a blasfémia é também um atentado à liberdade dos crentes, como o é um insulto racista para as pessoas de cor ou uma piada anti-semita para os judeus. Nos três casos, ataca-se a legítima “exigência de reconhecimento” de uma comunidade, para usar o conceito do filósofo canadiano Charles Taylor que fundamenta a sua defesa do multiculturalismo. Será possível, então, arbitrar um tão radical conflito de direitos? Não. Como muitos outros conflitos de direitos, também este é irresolúvel. Onde há qualquer forma de representação do sagrado, e ao longo da história nenhuma cultura ignorou o fenómeno religioso, existe a possibilidade dialéctica de blasfemar. Uma cultura que jamais desrespeitasse os símbolos do sagrado, hipótese meramente académica, seria talvez uma cultura sem símbolos do sagrado. A blasfémia é a outra face do sagrado. E a outra face, diz o Evangelho, torna-se por vezes objecto de violência. Na verdade, quase podemos distinguir as sociedades pela forma - muito variável e sempre objecto de compromisso - como regulam essa violência. Mesmo na Europa medieval, onde o Cristianismo tinha um peso maioritário, a inquisição convivia com a mais desbragada sátira anticlerical. Será a apropriação dos tribunais de consciência pelos Estados (primeiro os católicos e depois os protestantes) a mudar as coisas. Colocando ao serviço da unidade religiosa os cada vez maiores recursos das burocracias nacionais, a modernidade vai tentar resolver definitivamente a tensão entre liberdade individual e fé colectiva. Em vão. Porque, ao mesmo tempo, o Ocidente seculariza-se profundamente, conhecendo aquilo a que Max Weber chamou “o desencantamento do mundo”. O que não ajuda a resolver o dilema, muito pelo contrário. A perda do sentido religioso na nossa civilização, em contraste com o mundo islâmico, leva a que o caso das caricaturas seja visto sob uma óptica muito diferente dos dois lados do Mediterrâneo. Para o Islão, que não permite a representação de Alá e Maomé excepto pela palavra, as caricaturas são uma ofensa gravíssima. Para o Ocidente, que há dois mil anos representa Deus sob os traços de um crucificado ou de uma criança, as caricaturas são um mal menor. Não quer dizer que nós tenhamos razão e eles não. Mas, se hoje os crentes são obrigados a tolerar um certo desrespeito pelos seus símbolos mais sagrados, isso deve-se a uma consciência em certos aspectos mais viva da liberdade por parte dos não crentes. Uma liberdade que os cristãos apenas têm de pedir também para si. Pedro Picoito Historiador, ISEC

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In "Observatório da cultura"

Barco Moliceiro candidato a Património da Humanidade

Em artigo publicado no "PÚBLICO" de hoje, o jornalista Rui Baptista anuncia a preparação da candidatura do barco Moliceiro a Património Imaterial da Humanidade, por iniciativa da Associação dos Amigos da Ria e do Barco Moliceiro, com o apoio da Região de Turismo da Rota da Luz. A distinção é atribuída de dois em dois anos pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).
Em declarações àquele jornalista, o presidente da associação, Eduardo Costa, informa que vão ser desenvolvidas acções tendentes ao reconhecimento pela UNESCO da importância cultural e histórica do barco Moliceiro, que é o símbolo, como todos sabemos, da laguna aveirense.
Quando tantos auguravam o desaparecimento do Moliceiro, por força do abandono da apanha do moliço na Ria de Aveiro, eis que surge uma iniciativa a todos os títulos digna do apoio de todas as forças políticas, sociais e culturais ligadas à laguna, que ainda é o maior cartaz turístico da região.
F.M.

segunda-feira, 17 de julho de 2006

FAROL DA BARRA DE AVEIRO




Foco luminoso, eléctrico,  foi montado há 70 anos


O Farol da Barra de Aveiro, situado em pleno concelho de Ílhavo, na Gafanha da Nazaré, é um ex-líbris da região aveirense. Imponente, não há por aí quem o não conheça, como um dos mais altos de Portugal e até da Europa. Já centenário, faz parte do imaginário de quem visita a Praia da Barra. Quem chega, não pode deixar de ficar extasiado e com desejos, legítimos, de subir ao varandim do topo, para daí poder desfrutar de paisagens únicas, com mar sem fim, laguna, povoações à volta e ao longe, a dominar os horizontes, os contornos sombrios das serras de perto e mais distantes. À noite, o seu foco luminoso, rodopiante e cadenciado, atrai todos os olhares, mesmo os mais distraídos, tal a sua força. Mas são os navegantes, os que podem correr perigos ou desejam chegar à Barra de Aveiro em segurança, os que mais o apreciam, sem dúvida. Ora, esse foco, que começou por ser alimentado a petróleo, passou a beneficiar da energia eléctrica em 1936, completando, este ano, 70 anos de existência. 
Bonita idade para tal melhoramente merecer ser assinalado, embora de forma simples, com esta nota. Se tem lógica e algum merecimento a recordação dessa efeméride, não deixa de ser oportuno e justo lembrar que este ano também se podem celebrar os 150 anos da portaria do ministro das Obras Públicas, engenheiro António Maria de Fontes Pereira de Melo, assinado em 28 de Janeiro de 1856 e dirigida ao director das obras públicas do Distrito de Aveiro, engenheiro Silvério Pereira da Silva, que dá orientações para se avançar, rumo à futura construção do nosso Farol. Reza assim, na parte que nos diz respeito, como se lê na revista “Arquivo do Distrito de Aveiro”, em artigo assinado por Francisco Ferreira Neves: “Há por bem sua majestade el-rei [D. Pedro V] ordenar que o director das obras públicas do distrito de Aveiro, de combinação com o capitão daquele porto, e com o director-maquinista dos faróis do reino, trate de escolher o local nas proximidades da barra que for mais próprio para a construção de um farol, – devendo o mesmo director, apenas se ache determinado o dito ponto, proceder, de acordo com o referido maquinista, à confecção do projecto e orçamento da respectiva torre com a altura conveniente para que a luz seja vista a dezoito ou vinte milhas de distância. 
Sua majestade manda, por esta ocasião, prevenir o sobredito funcionário de que encomendará em França, para ser estabelecido no mencionado local, um farol lenticular de segunda ordem, do sistema de mr. Fresnel, e semelhante ao que se destina para o Cabo Mondego, cujo desenho se lhe envia, com a diferença, porém, de ser girante para o distinguir dos faróis que ficam ao norte e ao sul daquele porto”. 
A Barra de Aveiro tinha sido aberta em 1808 e eram conhecidos os riscos que ela oferecia à entrada das embarcações, “com prejuízos que podem resultar à humanidade e ao comércio”, como se sublinha na referida portaria. No mesmo artigo de Francisco Ferreira Neves, lembra-se que a comissão nomeada para a determinação do local em que deveria ser construído o farol deu o seu trabalho por concluído em 11 de Julho de 1858. Entretanto, os naufrágios sucediam-se entre o Cabo Mondego e a Foz do Douro, “por falta de sinalização luminosa nesta parte da costa marítima”. 
Os trabalhos não foram tão céleres quando seria de desejar, o que levou o ilustre parlamentar José Estêvão a pedir ao Governo, em 4 de Julho de 1862, na Câmara dos Deputados, a construção de um farol na nossa costa. No ano seguinte, em 15 de Setembro, a Câmara Municipal de Aveiro apresentou a el-rei D. Luís uma exposição, requerendo a edificação de um farol ao sul da barra. Para justificar a sua petição, a autarquia aveirense recorda que importa evitar “os naufrágios que tão frequentes se têm tornado nestes últimos tempos, no extenso litoral entre o Cabo Mondego e a Foz do Douro”. E acrescenta: “Ninguém pode duvidar, Senhor! que numa costa tão extensa como acidentada, em que as restingas ou cabedelos se formam por a violência das correntes, cuja direcção varia diariamente, um farol evita que os navios, se singram próximo da terra, se enganem no rumo, vencendo as dificuldades da navegação sem correrem o risco de naufragar nos bancos de areia, às vezes em noites bonançosas, como infelizmente tem sucedido entre nós.” 
A resposta do Governo não tardou. No dia 26 de Setembro de 1863, uma portaria governamental ordena que se fizesse o projecto e o orçamento. O projecto foi concluído em 5 de Abril de 1884 e os trabalhos da construção iniciaram-se em Março de 1885. A inauguração oficial do farol aconteceu em 31 de Agosto de 1893. 

Fernando Martins

Um artigo de António Rego

Nos cinquenta anos da morte do Padre Américo
HERÓIS
DO SILÊNCIO
Nos cinquenta anos da morte do Padre Américo vêm ao de cima algumas análises sobre diferentes correntes de educação que podem inspirar a sociedade de hoje na “recriação” possível do ambiente familiar inexistente ou destruído. E, desde logo, surgem teorias que acentuam aspectos mais coincidentes com atitudes não apenas pedagógicas mas também decorrentes de valores – os novos valores do nosso tempo. Por vezes, em contraposição com qualidades cultivadas não apenas num passado recente mas inscritas desde sempre no coração da humanidade e progressivamente reveladas através das gerações inspiradas no cristianismo. Chegamos assim, inevitavelmente, aos conceitos de autoridade, liberdade e responsabilidade na família, educação através de auto-disciplina, respeito por valores considerados fundamentais em todos os ciclos da história da humanidade. Sem deixar de considerar como positiva a evolução pedagógica que se alcançou com novas aquisições na bio-psicologia, percepção do eu, afirmação das diferenças de personalidade e de caminhos, vamos de novo ter à senda das referências essenciais que são, em qualquer circunstância, capazes de conduzir o homem ao desenvolvimento harmónico da sua personalidade e à maturidade do seu ser. Olhando a percepção intuitiva e a entrega pessoal do Padre Américo à causa dos pobres – os rapazes vindos da rua, os idosos marginalizados e os desprovidos de todos os bens - percebemos que um contexto social lhe despertou a veia profética do Evangelho e conduziu apaixonadamente toda a sua vida. Perdido isto, deita-se fora um património, o essencial dum espírito e o carisma dum homem inteligente, santo e corajoso que dedicou toda a sua vida, com exemplar radicalismo, à causa do Evangelho nos pobres. A Obra da Rua, na travessia das diferentes correntes do tempo, sempre teve este fio condutor como a primeira das entregas. Ao celebrar-se os cinquenta anos da morte do Padre Américo ninguém pode, honestamente, esquecer os discípulos mais próximos – os Padres da Rua - que o seguiram e seguem, como heróis do silêncio que dão a vida pela inspiração continuada do Pai Américo. Se é verdade que são as contas de Deus que contam, não podemos esbanjar as palavras e os gestos dos profetas – que não são menores por serem da nossa terra.

domingo, 16 de julho de 2006

Pelo sonho

O MAR A PUXAR-ME
Nasci à beira-mar, com a Ria a abraçar-me com ternura. Silenciosamente, serenamente, a desafiar-me para viagens com horizontes marinhos. Nunca, porém, consegui chegar a esse desígnio. Limito-me a sonhar.
Uma marina, onde quer que a encontre, é sempre um desafio para que o sonho de viajar de barco me leve a outras paragens, a outras terras e a outras gentes. E foi o que me aconteceu, há dias, com a imaginação a vogar para além da tranquilidade do dia-a-dia. Dentro de um barquinho destes. Não com tempestades, mas com a bonança com que sempre alimento o meu espírito.
O mar continua a puxar-me e a atrair-me, desde a infância que já está longe. E se não posso responder a esse chamamento, ao menos deixem-me alimentar o sonho de um dia partir de uma qualquer marina para ir ao encontro de outros.
Fernando Martins

Um artigo de Anselmo Borges, no DN

Religião e religiões:
para onde vamos?
Agora, quando for a Madrid, já não vou ter a alegria de beber um copo com o meu amigo José María Mardones. Foi-se embora deste mundo no final de Junho. De repente. Sem tempo para uma palavra de despedida. Aos 63 anos.
A última vez que nos encontrámos foi em Setembro, aqui em Portugal, aonde veio para participar, como especialista em filosofia e sociologia da religião, no Congresso sobre "Deus no século XXI e o futuro do cristianismo". A sua comunicação teve como tema: "Religião e religiões: donde vimos, onde estamos, para onde vamos?" Fica aqui, como homenagem, uma síntese pobre da sua análise.
Donde vimos?
Vimos de um cristianismo de cristandade, com pretensões hegemónicas sobre a cultura, a sociedade e a política, que se julgou detentor exclusivo da revelação de Deus e com o monopólio da salvação: "fora da Igreja não há salvação". Nesse cristianismo, aninhava-se uma concepção objectivista da verdade, que implicava a intolerância frente ao erro e a perseguição e liquidação das pessoas sob o pretexto de erradicar doutrinas falsas. Era um cristianismo de coloração fundamentalista e integrista.
Onde estamos?
Estamos a assistir ao "desmoronamento" do cristianismo de cristandade. A descristianização é um dado, a prática cristã é minoritária, a religião perdeu a sua evidência social para passar a ser um assunto pessoal e privado. Assistimos ao mesmo tempo ao "aparecimento de formas de integrismo religioso" no Islão e fora dele. Frente ao relativismo cultural, compreende-se a atracção exercida por "religiões fortes".
Ao mesmo tempo que perde o monopólio religioso - "a religiosidade deambula fora das Igrejas" -, a instituição eclesial cristã está a tornar-se verdadeiramente universal: nos princípios do século XX, mais de 70% dos cristãos encontravam-se no Norte desenvolvido; no início do século XXI, 70% estão no Sul. O que representará para o futuro do cristianismo o facto de a maioria dos seus membros serem africanos, latino-americanos e asiáticos?
Deparamos hoje com uma enorme sede de Mistério. O cristianismo de cristandade, ao colocar no centro o institucional, o jurídico, o doutrinal e dogmático, marginalizou o primado do experiencial, pessoal e místico. Por isso, a crítica à Igreja é acompanhada por apelos constantes a "penetrar dentro da experiência religiosa" e da vivência do Mistério do divino.
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Pagar impostos

Não pode haver portugueses
de primeira e de segunda
Penso que todos os portugueses reconhecem a importância social e económica do Futebol, como dos demais desportos. Com a participação da selecção portuguesa no último Mundial de Futebol o País vibrou e o nome de Portugal foi badalado pelo planeta, graças ao jogo mais atractivo que praticou. Todos estamos gratos aos dirigentes, técnicos e jogadores, mas não podemos endeusá-los. Vem isto a propósito de a Federação Portuguesa de Futebol patrocinar a isenção fiscal para os jogadores que envergaram a camisola das quinas. Cada um, segundo revela a comunicação social, vai auferir, pela sua participação, a bonita verba de 50 mil euros, como prémio. Antes de mais, mesmo que a lei consagre isenções (e consagra-as para os prémios atribuídos pelo Governo), seria uma injustiça, neste caso, por se pretender beneficiar quem ganha, mensalmente, tanto dinheiro. Será que os nossos jogadores precisarão de tais regalias, não lhes bastando a honra e a fama de representar Portugal? Será que o facto de jogarem na selecção não é, para cada um deles ou para a maioria, uma mais-valia que se reflecte nos seus contratos? Passada a euforia da participação portuguesa no Mundial de Futebol, bem alimentada pelos bons resultados alcançados, os portugueses não perdoariam ao Governo que isentasse os jogadores do pagamento de impostos sobre os prémios ou vencimentos auferidos. Os portugueses estão fartos, pelo que ouço e vejo, de haver compatriotas de primeira e de segunda. Quem vive ou sobrevive com ordenados e reformas de miséria, contando os euros no dia-a-dia para não entrar em défice ao fim do mês, não admite nem tolera que os jogadores internacionais de futebol pudessem beneficiar de isenções fiscais.
Claro que a lei as contempla, quando os prémios vêm do Estado (o que não é caso), mas repugna-me a ideia de alguém se lembrar de pedir mais umas benesses para os jogadores de futebol. Em matéria de impostos, como noutras, não pode haver portugueses de primeira e de segunda. Todos têm a obrigação de pagar o que é devido ao fisco. Querer fugir a isso, é crime.
Privilégios, benesses, isenções, regalias, honras especiais e quejandos, que tanto se vêem e reclamam, não são próprios de uma democracia adulta e solidária. Fernando Martins

Gotas do Arco-Íris – 26

QUANTAS
E QUÃO SUAVES
AS CORES
DOS CASULOS!...
Caríssimo/a: Convido-vos a vestirdes a pele do avô da Maria Francisca. Certamente ficaríeis nas nuvens com a descrição daquilo que os pequenitos fizeram com os bichos da seda. Mas o melhor é ler: “SALA DOS 3 ANOS A Maria Francisca, no dia 23 de Abril, trouxe para a escolinha uns bichinhos da seda que o seu avô Manuel lhe ofereceu. Na sala, explicou aos amiguinhos que aqueles animais eram umas lagartinhas, mas que iriam fazer uns casulos e se transformariam em borboletas. Todos ficaram muito contentes com a surpresa e bastante curiosos. A caixinha trazia tantos bichinhos da seda que decidimos dar alguns aos nossos amigos das outras salas (sala 4 e 5 anos, sala mista e ATL), para que eles também assistissem a essa transformação. Os bichinhos da seda, enquanto lagartas, comiam folhas de amoreira que eram colhidas, todos os dias, na nossa amoreira da escolinha (que sorte termos cá uma amoreira!). No princípio, os bichinhos passavam toda a noite sozinhos, na nossa sala. No entanto, estivemos a conversar e decidimos que, cada dia, se sorteava um menino que os levaria para sua casa. Assim, eles teriam companhia e podiam “jantar” e tomar o seu “pequeno almoço”. Acordámos também que, quem levasse os novos amiguinhos, teria de os tratar com muito cuidado e carinho, e não poderia deixar a caixa tapada, pois os bichinhos precisam de ar para respirar. Enfeitámos a casinha dos bichinhos da seda, para que esta ficasse bonita. Foi realizado o sorteio: todos estavam expectantes, pois queriam que saísse o seu nome. O Miguel Cavaco foi o primeiro sorteado, levando para sua casa os bichinhos da seda e trazendo-os no dia seguinte. A ele, seguiram-se todos os outros meninos, que, tal como o Mi, ficavam sempre com um grande sorriso na cara quando ouviam o seu nome. E levaram os bichinhos da seda com grande responsabilidade. Todos os dia os observamos e cantamos a sua canção, que nos fala do trabalho dos bichinhos e da sua transformação em borboletas. Os bichinhos da seda crescem muito depressa: quando cá chegaram eram muito pequeninos e, de dia para dia, foram ficando cada vez maiores (são muito comilões!). Um dia, deixaram de comer e começaram a trabalhar. O primeiro casulo foi tecido, no dia 16 de Maio, em casa da Joana. A este, seguiram-se outros e mais outros e a caixinha foi ficando povoada de pequenos casulos. Eram tantos que tivemos de colocar algumas lagartinhas noutra caixa (na caixa do bolo de aniversário da Patrícia). Foi muito engraçado vermos os fios de seda e observarmos os bichinhos a tecer os seus casulos. A nossa primeira borboleta (crisálida) nasceu no dia 22 de Maio na casa da Sofia. Nasceram mais duas em casa do Bernardo Torres e, quase todos os dias, borboletas novas apareciam. As primeiras começaram a pôr ovinhos. São milhões de ovinhos amarelinhos que estão nas nossas caixinhas. Para o próximo ano, vão nascer imensas lagartinhas. Vamos dando notícia!!!” Pela transcrição do jornal da escolinha Manuel

Violência familiar

O ESTADO TEM A OBRIGAÇÃO
DE ESTIMULAR
BOAS VONTADES
Na agenda do Presidente da República continua o tema da inclusão social. Na semana passada avançou com mais um roteiro, desta vez apostando no combate à violência familiar, que tantas vítimas tem feito. Muitas denunciadas pela comunicação social e outras tantas, ou mais, que permanecem ignoradas entre as quatro paredes, por medo ou vergonha. Mulheres, crianças e homens, sobretudo os mais idosos, sofrem as consequências de familiares sem sentimentos. Violência física e psicológica, cuja solução tem de passar pela intervenção de entidades, as mais diversas, estatais e outras, e de pessoas. Cavaco Silva vai visitar instituições que se têm distinguido no apoio às vítimas de violência familiar e que devem servir de estímulo às comunidades, para que possam assumir mais esta tarefa de apoio a quem sofre as consequências de comportamentos bárbaros de gente sem princípios ou doentes sem capacidade de autocontrolo. O Presidente da República, decerto assessorado por pessoas e entidades bem informadas sobre o assunto, não deixará de mobilizar vontades para que o problema da violência familiar seja encarado com mais entusiasmo. As vítimas precisam, de facto, de pessoas e de instituições que apostem em novas formas de resposta aos dramas sociais de que vamos tomando conhecimento. Falando apenas de mulheres, em 2005 morreram 50 por causa da violência sofrida em casa. Sei que há muitas IPSS e Misericórdias, a par de outras associações ligadas ao social, que vão avançando com respostas concretas a estes casos, dramáticos, da violência familiar, nomeadamente com apoios a mulheres e crianças. Mas muitas outras se ficam pelos tradicionais lares, creches, jardins-de-infância e ATL (o que já é muito bom), tornando-se urgente olhar para o lado, na tentativa de descobrir novas carências sociais. Ficar comodamente preocupados apenas com projectos delineados há anos é que não me parece correcto. Claro que, se é verdade que a iniciativa tem de pertencer às pessoas, comunidades e instituições, também é certo que o Estado tem a obrigação de estimular boas vontades e de apoiar quem quer trabalhar em prol de quem mais precisa, nesta linha da violência familiar, como noutras. F.M.

Um artigo de D. António Marcelino

ESTATIZAÇÃO EMPOBRECEDORA
DA SOCIEDADE E SEUS VALORES
No passado mês de Abril a Comissão Europeia apresentou uma Comunicação relativa aos serviços sociais de interesse geral, na qual são feitas considerações do maior interesse, de que não senti qualquer eco no nosso país. Já é mais ou menos habitual encherem-se os jornais e os noticiários de banalidades, deixando na sombra informações que têm indiscutível interesse. A verificação que se anota na referida Comunicação é de que as Igrejas e as suas organizações foram, em toda a Europa, as primeiras a desenvolver formas específicas de um compromisso social, que deu origem a respostas concretas e institucionalizadas aos muitos problemas que afectam crianças, jovens, famílias, doentes, idosos e portadores de deficiências graves e outros feridos da vida. Este compromisso das Igrejas e das suas organizações, porque é uma expressão de amor ao próximo e representa um elemento essencial da prática religiosa, esteve sempre aberto a todos, e para todos constituiu um serviço social e fraterno. Sublinha-se que este serviço assenta sempre no princípio da solidariedade, tem um carácter personalizado, não visa fins lucrativos, comporta a prestação do voluntariado e está marcado por uma tradição cultural e uma relação assimétrica entre prestadores e beneficiários. Mais aos que mais precisam. A matriz religiosa original permitiu a inovar e qualificar o serviço prestado, manter o espírito que lhe dá alma, atender às realidades sociais e à procura atempada das melhores soluções para as diversas necessidades e situações. Segundo orientações da UE, ao Estado compete determinar legislação em matéria social, mas não se substituir às organizações em campo, com uma história longa e uma competência reconhecida. A Comissão considera os serviços sociais como pilares da sociedade e da economia europeias e, por isso mesmo, não deixa de prestar atenção ao modo como as coisas funcionam em cada país membro. Não lhe faltam desilusões. Pela ânsia de o Estado estar em tudo e mandar em tudo, alguns estados membros, e nós estamos aí, descobriram nos serviços sociais um campo alargado de intervenção com proveitos políticos. Assim, foram-se não apenas criando problemas às instituições já existentes, através de restrições unilaterais, como também, tornando-se o mesmo Estado detentor de organizações sociais, paralelas e concorrentes. Negociam-se os acordos e os apoios, mais que justos e obrigatórios, sempre com tendência a diminuir encargos públicos e gasta-se do erário público com as instituições oficias, três ou quatro vezes mais que do que aquilo se dá às instituições particulares de sempre. Quem tem o dinheiro tem o poder e a decisão e, assim, as relações democráticas e a cidadania na igualdade se tornam uma fantasia e se vai destruindo a sociedade civil e seus valores. Porém, quando chegam as aflições, ante os problemas mal resolvidos ou resolvidos unilateralmente, fica bem claro a quem se pode recorrer. Haja em vista o imbróglio surgido com as escolas do primeiro ciclo no alargamento de horário e o recurso, num terceiro lugar, mais do que sintomático, mas que acaba por ser talvez o único possível, aos ATL das instituições particulares. Estes que aceitem as crianças antes das 8,30 e depois das 17,30…Como se este fosse o único problema criado com os pais a verem… Todas as tendências e soluções estatizantes são empobrecedoras da sociedade e suas iniciativas. Pelo meio ficam equipamentos validíssimos sub aproveitados e gente válida e experimentada lançada para o desemprego. Governar bem não é apenas ter imaginação e teimosia. É necessário ouvir quem está no processo, confrontar ideias e opiniões, ver as consequências e as melhores soluções. É preciso respeito por quem trabalha e realiza obra, cujo valor ninguém contesta, a não ser os governantes unidimensionais. Mais Estado, mais dinheiro mal gasto, mais sociedade empobrecida.

Texto de Paula Rocha, no JN

Arte Nova
liderada por Aveiro
e Estarreja
A Câmara Municipal de Aveiro vai coordenar, nos próximos dois anos, em colaboração com Estarreja, os trabalhos da Rede Nacional de Municípios Arte Nova. A decisão foi tomada numa reunião, realizada no dia 11, onde estiveram presentes os municípios de Espinho, Cascais, Porto, Estarreja, Aveiro, Leiria e Figueira da Foz.
A primeira reunião serviu, essencialmente, para definir os regulamentos de funcionamento da rede, criada a 17 de Maio e da qual fazem parte 12 municípios (Aveiro, Estarreja, Ílhavo, Espinho, Loures, Cascais, Caldas da Rainha, Figueira da Foz, Leiria, Porto, Vila Nova de Gaia e Lisboa).
De acordo com Ana Gomes, responsável Divisão de Museus e Património da Câmara Municipal de Aveiro, "haverá um próxima reunião, em Outubro, e nessa altura os municípios irão apresentar as propostas desenvolvidas, no que respeita às acções para 2007 e 2008".
Os 12 parceiros que integram a Rede Arte Nova têm, então, até Outubro para fazer um levantamento de todos os imóveis e elementos Arte Nova existentes nos respectivos concelhos, para que depois se possam delinear formas de actuação.
A sensibilização dos privados para a necessidade de recuperação dos imóveis e a questão dos apoios financeiros que possam ser dados nesse sentido, são duas questões que a Rede Nacional de Municípios Arte Nova irá definir à posteriori.
Ana Gomes disse ainda que o nome de Aveiro foi sugerido como primeira opção. No regulamento ficou definido que a rotatividade será válida por dois anos e que caberá aos municípios voluntariarem-se. No caso de haver mais do que dois voluntários, proceder-se-á a uma votação.
A sede da Rede Nacional de Municípios Arte Nova irá ser instalada na Casa Major Pessoa, futuro Museu Arte Nova de Aveiro.

Um artigo de Alexandre Cruz

Motivação, do mundial à vida
1. Todos sabemos que não existem soluções instantâneas para os problemas estruturais, que se têm arrastado pelo tempo fora. Mesmo que fôssemos campeões do mundial de futebol, e muito boa prestação a nossa delegação (comparativamente) assinalou, claro que no que se refere às áreas fundamentais da sociedade tudo iria, como irá, continuar naturalmente na mesma. Ainda bem que as coisas são assim, “são como são”, e esperar o contrário seria não colocar “cada coisa no seu lugar”; mal vai quando a emoção perde todas as fronteiras da razão transpondo para a “euforia” as soluções de tudo. Não se peça ao futebol o que ele nunca poderá dar, mas reconheça-se na nossa vivência do mundial o mérito motivador e retire-se de mais esta experiência exaltante o sentido dos desafios tornados esforço e compromisso diário. Diante deste fenómeno de proporções impressionantes e incontornáveis pelo querer das “pessoas”, tanto não fará sentido ser “velho do restelo” como se Portugal não tivesse participado nesta competição mundial, como, do mesmo modo, será irrealista do Futebol realizar leituras interpretativas de toda a realidade, leituras essas ora “fatalistas” na hora das derrotas, ora “divinas” na hora da vitória em que se conclui rapidamente que “somos os melhores do mundo”! Talvez do mesmo modo, e pautando pelo equilíbrio, mesmo os mais pessimistas viveram horas de alegria motivadora na vitória, assim como os optimistas desenfreados souberam descer do lindo “sonho” à realidade. Afinal o Futebol é só o Futebol! Mas como em tudo na vida o que está bem feito assim merece esse mesmo reconhecimento e apreço. A este propósito será de sublinhar, e depois de tudo o que se possa dizer…, que graças à gestão presente da instância competente, ao sentido de liderança e estratégia, é bom hoje sentir que a selecção de futebol – assim seja em tudo - não é fonte de problemas (como era até há poucos anos, quem não se lembra!) mas de alegria, motivação, energia positiva. Este facto, a transpor como exemplo para a vida diária, pode ser um sinal objectivo muito positivo, estimulante.
2. Há, naturalmente, opiniões para todos os gostos, sendo que no nosso ADN português está sempre uma costela de “travão”, de tristeza e pessimismo, que nos impede de “agarrar” com toda a alma aquilo que temos de fazer e que pode ser bom para todos. Contudo, teremos de centrar mais onde “pomos os pés”, a esperança e o sentido da vida, quando não da euforia incontida (dando importância demasiada ao acessório) depois passamos à ressaca do nosso “triste fado”. E aí carregamos novamente com o nosso arado de pessimismo e calculismo que nos impede de erguer as causas, os ideais, a esperança motivada e motivadora. Muito para além dos convites, contextos e oportunidades (sociopolíticas que sejam) não é por acaso que as pessoas saem à rua e partilham a festa com os seus símbolos coloridos. Não só no nosso país, mesmo em terras germânicas, habitualmente mais frias quer no clima quer nas personalidades, também aí se verificou toda a festa cantada, dançada e partilhada. É bom sinal! O viver os acontecimentos no que eles significam, assumindo a festa de forma saudável e simples, derrubando também este muro do racionalismo que pertence ao nosso código genético europeu, será algo de libertador e importante. Sendo verdade que infelizmente por vezes a euforia deu ou dá lugar à emoção irracional e destruidora até da própria segurança colectiva, o certo é que, não se podendo ler o todo pela parte, o conviver e festejar de forma saudável como foi na generalidade, representa o encontro, a partilha, liberdade, sair de casa movidos por uma causa comum, força de motivação que se renova e renova a vida. Algo que só mesmo o futebol neste mundo consegue. Mas, o “jogo” deverá continuar! 3. Que ficará, e que será feito, de toda esta energia positiva colectiva partilhada? Esta é a pergunta essencial… que, porventura, não fará mesmo sentido fazer. É a pergunta sobre o “depois” em que tudo na realidade volta ao mesmo. Se o mundial foi oportunidade para mais alguns portugueses despertarem em si mais a alegria, o “sonho”, a motivação (esta hoje a palavra chave da vida pessoal e social), o agarrar com energia cada dia de vida como se de uma “final” de tratasse; o aperfeiçoar a noção do “gosto em fazer bem” vivendo em todos os “campos do jogo da vida” com mais esperança e responsabilidade…então o Mundial, como energia motivadora, foi ganho mais ainda! Será caso para dizer com a canção: “Podes não chegar à luz mas tiraste os pés do chão!... Corre mais!”

sábado, 8 de julho de 2006

Ainda de férias

Mesmo de férias, foi possível arranjar um tempinho para esta visita. O respeito pelos meus leitores habituais é muito bonito e muito sincero.
Até um dias destes para mais uma passagem por aqui. Nem que seja de fugida...
FM

Gotas do Arco-Íris – 25

AI QUE LINDO RANCHO!...
Caríssimo/a: Havia, de facto, uma popular cantiga em que assim dizíamos... Curiosamente este rancho era sempre um colectivo e bem animado: grupo de jovens que procurávamos a vida, ziguezagueando, por festas, novenas, cegadas, serões e serenatas...[Não vamos recordar aquelas cenas que se passavam na passagem de ano, para não chocar ninguém pela sua inocência ou para não ser acusado de estar a viver muito no passado...] Agora lá que as fazíamos, que não restem dúvidas. A atestá-lo aí está o Timoneiro [é só procurar a data...] e, quem sabe, talvez algumas actas da Junta de Freguesia ou relatórios do sr. Regedor. Imaginem, porém, que o meu amigo Mário Borges lá me foi dizendo: - Sabe, comi ao almoço um rancho que me deixou consolado! A minha Mulher [...e falava na esposa sempre com um certo ar de quem a tinha bem presente acarinhando-a...] não faz destas comidas e eu já tinha saudade daquela massa com grão com as costelinhas, uma boa chouriça... Só não comi os pés de porco; não aprecio!... Já há muito que não comia; desde os tempos do Colégio [e, pelo tom, punha o colégio com letra maiúscula!...] Podem crer que este jovem foi uma revelação desde que pela manhã os nossos destinos se cruzaram: ele era o motorista do autocarro que me (nos ) conduziria a uma praia bem conhecida para reforço de Amizade de grupo que terminava a sua azáfama em prol dos outros. O nosso almoço não meteu rancho, mas a salada de polvo e as pataniscas de bacalhau apagaram traços de outros sabores. E depois de refrescante caminhar por encosta de monte pesaroso do incêndio do ano passado, parámos num largo com seu cruzeiro antigo e capela a condizer. Mais uma grata surpresa: a capela era dedicada a Nossa Senhora das Dores. Como diria outro grande Amigo, o professor Baltazar, em ocasião também ela apelativa: - Isto aqui é dois em um! [Referia-se ao espectáculo maravilhoso das amendoeiras em flor completado com o da neve que foi caindo mansa mas assustadora!] A verdade é que a Capela logo me transportou para junto das duas Mães, que a minha da terra também era das Dores! E por momentos as minhas memórias quedaram junto do ex-voto que na parede fronteira nos recordava graça pedida e concedida... Só me resta repetir aquilo que todos já esperamos [...mas devagar, que estes chineses têm cada ideia!...]: “Pouca cama, pouco prato, e muita sola de sapato”! Manuel

Um poema de Sophia

Escuto mas não sei Se o que oiço é silêncio Ou deus Escuto sem saber se estou ouvindo O ressoar das planícies do vazio Ou a consciência atenta Que nos confins do universo Me decifra e fita Apenas sei que caminho como quem É olhado amado e conhecido E por isso em cada gesto ponho Solenidade e risco.
:: “Escuto”, in Geografia, Edições Salamandra, 1990 [1967] Fonte: Revista XIS de hoje